terça-feira, 28 de março de 2017


 
 
Água,
 
tão só e ainda tanto!
 
Branco lamento fluído
de pedras, aves de estranho canto
em tronco e folhas diluído,
 
Mãe de musgos, primavera,
aneurisma vital
na seca terra que te espera
 
Água,
tanto e tão só, afinal!



terça-feira, 21 de março de 2017

Dia Internacional da Árvore
Dia Mundial da Poesia
(histórias de um dia que é só um,
embalado em óbvia redundância)
 
 


Nus, os plátanos procuram o céu
imóveis,
perfilados na berma do dia
que escorre lento
sobre a estrada
sobranceira ao mar
(que não ao homem).
Na sinceridade da nudez
esperam pacientes
a doçura da cor
que sobra até se diluir na água
azul, escuro
do oceano.
Disponíveis, os olhos cruzam-se:
se de verdade houve ilha dos amores
ela tinha plátanos e era nos Açores.
 
 

 
 


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017


O chão está coberto pelas folhas que, húmidas, não crepitam quando se pisam, nem voam com o vento fresco que se faz sentir nos lugares mais altos da tapada. Seguimos o carreiro, quase sempre em silêncio, talvez a forma mais óbvia de dizer alguma coisa quando tudo à nossa volta parece convidar uma forma superior de bem-estar, como se déssemos as mãos, ou nos beijássemos, apesar de seguirmos separados pela circunstância neutra do tamanho da passada e das paragens que o nosso gosto pela fotografia ocasiona.

Chuvisca, de vez em quando. Pressente-se outra vida que a das árvores de ambos os lados do carreiro. A espaços ouvem-se alguns pássaros, que raramente se descortinam. Uma  e outra vez, o grasnar das gralhas faz-nos olhar para cima, para um céu leitoso, pardacento. À saída de uma curva alguns gamos olham para nós, também surpresos. De pronto se viram e fogem, encosta acima, rapidamente submersos pela cortina densa do arvoredo.

 
 
O solo que aqui pisamos é uma antiga chaminé de vulcão, diz-se numa das placas que identificam no percurso os pontos dignos de menção. Hoje é um prado que cobre o fogo apagado dos afloramentos de basalto que comprovam o que a placa diz, segundo leio, que de pedras pouco sei.

Não há mais vulcão, mas o fogo que dantes subia das entranhas, desce agora dos céus, a julgar pelo tronco negro da árvore que, aqui onde piso, é a mais alta, e por tal vaidade pagou com a dor fulminante do raio. Nem sempre a sorte protege os audazes…


E eu que o diga, estatelado na lama mole, depois de me ter deixado levar pelo deslizar da bota sobre a manta de folhas, só porque escolhi caminho não pisado, julgando-o mais seco e seguro…resta-me o consolo de ter caído com graça, quase em câmara lenta, com um braço bem erguido, tentando proteger a máquina fotográfica, e de não ter magoado nada mais que o orgulho…

Um veado indiferente olha-me nos olhos e deixa que me aproxime o suficiente para um retrato. Tens sorte amigo bicho: nem eu sou rei, nem o tubo que te aponto à cara dispara outra coisa que a vontade de te guardar. Os tempos mudam, os hábitos também, só o belo permanece e tu ou os teus já naquele tempo, o eram!
 
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017


 Lingerie

Piso-te a sombra leve, quase sem querer,
Na dobra das pernas, azul celeste, celestiais,
Com a vergonha de olhar e tentar ver
O que a saia tapa, ou talvez mais,
Se mais afoito inda me atrever
E para além da dobra imaginar
Que outra cor estás a esconder
Que outra cor vou encontrar
Quando o véu azul se transparenta
em sussurro de renda sobre a pele 
e me faz penar na agonia lenta
De adivinhar a cor que sabe a mel.