O chão está coberto pelas folhas que, húmidas, não crepitam
quando se pisam, nem voam com o vento fresco que se faz sentir nos lugares mais
altos da tapada. Seguimos o carreiro, quase sempre em silêncio, talvez a forma
mais óbvia de dizer alguma coisa quando tudo à nossa volta parece convidar uma
forma superior de bem-estar, como se déssemos as mãos, ou nos beijássemos,
apesar de seguirmos separados pela circunstância neutra do tamanho da passada e
das paragens que o nosso gosto pela fotografia ocasiona.
Chuvisca, de vez em quando. Pressente-se outra vida que a
das árvores de ambos os lados do carreiro. A espaços ouvem-se alguns pássaros,
que raramente se descortinam. Uma e
outra vez, o grasnar das gralhas faz-nos olhar para cima, para um céu leitoso,
pardacento. À saída de uma curva alguns gamos olham para nós, também surpresos.
De pronto se viram e fogem, encosta acima, rapidamente submersos pela cortina
densa do arvoredo.
O solo que aqui pisamos é uma antiga chaminé de vulcão,
diz-se numa das placas que identificam no percurso os pontos dignos de menção.
Hoje é um prado que cobre o fogo apagado dos afloramentos de basalto que
comprovam o que a placa diz, segundo leio, que de pedras pouco sei.
Não há mais vulcão, mas o fogo que dantes subia das
entranhas, desce agora dos céus, a julgar pelo tronco negro da árvore que, aqui
onde piso, é a mais alta, e por tal vaidade pagou com a dor fulminante do raio.
Nem sempre a sorte protege os audazes…
E eu que o diga, estatelado na lama mole, depois de me ter
deixado levar pelo deslizar da bota sobre a manta de folhas, só porque escolhi
caminho não pisado, julgando-o mais seco e seguro…resta-me o consolo de ter
caído com graça, quase em câmara lenta, com um braço bem erguido, tentando
proteger a máquina fotográfica, e de não ter magoado nada mais que o orgulho…
Um veado indiferente olha-me nos olhos e deixa que me
aproxime o suficiente para um retrato. Tens sorte amigo bicho: nem eu sou rei,
nem o tubo que te aponto à cara dispara outra coisa que a vontade de te guardar.
Os tempos mudam, os hábitos também, só o belo permanece e tu ou os teus já
naquele tempo, o eram!