segunda-feira, 28 de setembro de 2020

 



I

Um pôr do sol como nenhum outro, como são sempre os pores do sol, leva-me de novo ao balcão onde, por alguns momentos, partilho a vista com alguém mais interessado em fotografar-se numa orgasmática e contorcida Selfie (de pronto enviada pelo éter à custa de um frenético dedilhar no écran do telemóvel).

Olhar fixado no  visor, sei pelo barulho dos pneus a raspar na gravilha que estou agora só.  Melhor assim: não que a companhia me incomodasse, mas há algo de egoisticamente saboroso em presenciar semelhante espetáculo sozinho.


Vagarosamente, ao ritmo da descida do enorme círculo imensamente brilhante, o ar e tudo o que nele habita, ganha cores que apesar de serem as mesmas de sempre com que se pintam os mais belos pores do sol, são uma vez mais novas e fascinantes.



II 

Sentado em frente do teclado, lembrando o dia que passou, procuro uma razão para poder escrever algo mais que possa ser motivo para aqui expor as imagens que tirei. Não consigo. Nem preciso: o pôr do sol, clássico dos clássicos,  por certo não necessita que dele se diga o que é ou o que deixa de ser; o que evoca ou faz esquecer; o que tem ou o que tira.



III

Talvez a lua…..




sexta-feira, 25 de setembro de 2020



 Arqueologia dos homens e das máquinas, a que me é dada a ver aqui, no Lousal, perto de Grândola.


Meticulosamente resguardadas e mantidos, velhos e possantes engenhos geradores ocupam o edifício da central que, em tempos não muito distantes,  produziu a energia e o ar comprimido que alimentaram as minas e o que lá se fez. A seu lado, descubro o centro clínico onde, fico a saber, para além das chapas de Raios X que tantas vezes ditaram más notícias para os corpos doridos e puídos dos homens que laboriosamente, a força de braços e dinamite, arrancavam a pirite à rocha, as suas mulheres e recém-nascidos filhos podiam beneficiar de cuidados modernos de maternidade.

Tudo envolto numa atmosfera acética, branca, que nos faz sentir dentro de um documentário histórico, afinal, o que na verdade se pretende com a preservação da memória das coisas e dos homens.

   

Detenho-me nas legendas dos expositores e deixo-me tocar pelo élan futurista que a frieza das máquinas e o calor do berço que aqui, paredes-meias, convivem, evoca. Afinal há arte na engenharia, na medicina, na sociologia, num estado de algum sincretismo que só a nós nos cabe decifrar e fruir.

Cá fora, por estar pressionado pelo tempo, ignoro a chamada de um outro espaço museológico - interativo e moderno, dizem-me - e tomo o caminho do que realmente me interessa:

Cores; de terras múltiplas, como se alguém usasse o chão por paleta, para pintar uma paisagem que se escreve a cheiro e indústria.



Como habitualmente, nestes locais, a ruína ganha uma densidade plástica que se sobrepõe às arestas nuas do tijolo partido; à borbulhagem ácida da ferrugem; ao calmo amontoar da decrepitude.


Não mais se houve o rodar das roldanas que levavam os mineiros ao fundo escuro do poço; não mais se veem  os vagões de minério a circular sobre os carris paralelos; não paira mais  no ar o espetro da silicose…agora é só… belo e decadente, como se os dois adjetivos se pudessem fundir num par de inusitado contraste.





quinta-feira, 24 de setembro de 2020




A bruma sobe rápida pelo recorte alcantilado que, por aqui, deita a terra ao mar. Ainda agora se via tudo, apesar do sol não ter por enquanto nascido e, de repente, um fumo branco, sem cheiro nem combustão, tudo esconde.

Melhor: quase tudo. Até mesmo o círculo de luz que, implacável, ascende agora sem que, desta vez, não o possamos olhar de frente, tamanha a contumaz arrogância do seu brilho!

Não obstante, aqui e ali, onde o etéreo vapor ainda não chegou, adivinham-se cores e coisas, como se  alguém soubesse que o sítio não me é familiar e me não quisesse privar de referências, da segurança de saber por onde voltar..

Mais que a ausência de horizonte, no entanto, é a ausência de som que me retém a atenção. Nada. Nem as gaivotas, nem as gralhas, nem os pombos, que sei também escondidos nas falésias que não vejo.

Cheguei aqui à procura do prazer da luz que por vezes doura a cores indecifráveis, mais douradas que ouros inventados, hipotéticas nuvens. Ilusão rapidamente destruída: até onde os olhos alcançam, o céu fundia-se com o mar num plano contínuo, semeando uma  quase monocromia desanimadora… banal (sei bem que  incorro em crime de soberba por adjetivar o que será sempre um mistério – a existência e o facto de a poder constatar – mas o facto de ser parte interessada e participante, dá-me essa prerrogativa).

E, no entanto, sinto-me imensamente feliz, porque até no nevoeiro há a promessa de uma desconcertante beleza, soubesse eu captá-la.




  

segunda-feira, 7 de setembro de 2020


No chão piso o amarelo dourado da palha que já foi planta e agora é lembrança que o verão continua, mesmo quando caminhamos decididos para o equinócio e que os dias deviam começar a mostrar alguma clemência para todos os que, como eu, têm para o estio capacidade limitada (e já há muito ultrapassada).

Nas estações, como na vida, irritam-me os extremos pelo que têm de irrevogável, de eternamente conflitante com a ideia de procura, da tentativa e erro, de descoberta empírica, enfim de… deslumbramento!




Não obstante, se encarados de forma circular, os extremos não existem e é assim que  os acomodo para meu conforto e descanso cerebral, na certeza que algures, nos 360 graus da nossa eterna rotação, o chão pardo e seco que hoje piso há de uma vez mais ganhar outras cores, abençoado pelo verniz vital da chuva que irá cair.

Até lá, resta-me procurar nas manchas de verde que, ainda assim, aqui e ali, subsistem, seja porque milénios de evolução e adaptação ao solos e clima assim o permitem, seja porque milhares de metros cúbicos de água da rede de rega camarária as teimam em dedicadamente aspergir.



Não que o pardo e a palha, não tenham os seus defensores também, como me lembram os gafanhotos que me saltam dos pés ou as formigas que laboriosas tecem carreiros, enfileiradas com carregos a lembrar um exército de disciplinados estivadores. Mas eu, neste inescapável desafio cromático, eu, um indefectível defensor e irrevogável  fã do azul, prefiro decididamente o verde ou não fosse ele a cor de tudo o que é perene….