A generosidade é, de entre as qualidades que reservamos para a
nossa espécie - já que qualidades e defeitos parecem relevar de um grau de
consciência e racionalismo apenas ao alcance de seres com capacidade de
elaborar juízos sobre si próprios e os outros - a generosidade, dizia, é uma das qualidades que mais prezo.
Na verdade, e mentiria se dissesse o contrário, enche-me de
prazer ser o sujeito da generosidade de outros, da mesma forma que me agrada
retribuir tais gestos ou, inopinadamente, tê-los para com outros.
Vem isto a propósito de muito recentemente, pessoas que me
nunca viram, me não conhecem, nada de mim sabem, terem tido para comigo atos
generosos de oferta, só porque sabiam que os objetos oferecidos, no caso selos de correio, me agradariam.
Quiçá, se melhor me conhecessem,
discordassem das minhas opiniões, me achassem escasso em qualidades, me
encontrassem rotundo de defeitos, ou pura e simplesmente - como tantas vezes
acontece sem que consigamos explicar - “não fossem com a minha cara”, ainda assim o
fariam.
É isto que me agrada pensar.
Apesar de todas as diferenças, juízos de valor, preconceitos, ideias bem ou mal formadas, pode sempre haver um ponto de contacto, um elo de cadeia, um
mínimo denominador comum que nos aproxime e nos acomode enquanto espécie
diversa, plural, multitudinária.
Um selo, o que ele
representa - o direito de viagem, uma afirmação de nacionalidade (que não de
nacionalismo, hoje tão em voga pelas piores razões) e soberania – e no que ele
se centra – um marco cultural, uma efeméride, uma realização científica, o
nosso património, natural ou construído, etc., etc. – é talvez um exemplo
perfeito disso mesmo.
Em todo o mundo, pessoas como eu, desconhecem outros que com
eles partilham um interesse. Fundamental
é que esse interesse seja positivo, construtivo, contribuinte líquido
para a concórdia e o entendimento (que não o unanimismo e o chauvinismo), numa
palavra, é fundamental que esse interesse se alicerce numa dimensão cultural.
Depois, é não menos fundamental que nos descubramos, uns aos outros e nos deixemos tomar pelo nosso dever de embaixadores culturais, que todos somos, ao pertencermos a uma (ou diversas) unidade(s) cultural(is) que no simples ato de viver nos forjou os gostos, os costumes, as crenças (ou a sua ausência).
Porque se a cultura é base, fulcro e sustentáculo de
relacionamentos geradores de entendimento e progresso, o sermos isto ou aquilo; de aqui ou de ali; assim ou assado é, não o esqueçamos, obra do acaso. Não pedimos aos nossos pais para sermos, nem para nascermos, muito menos aqui ou ali.
Não percamos a capacidade de nos questionarmos. Não fomos mandados ao mundo com uma missão. Fazemos o caminho que escolhemos, sempre, e esse pode sempre ter espaço para acomodar caminhantes outros, todos, desde que connosco partilhem a vontade da caminhada, ou um gesto sincero e generoso como comigo aconteceu há pouco quando pessoas que me nunca viram, me não conhecem, nada de mim sabem, me ofereceram selos, que eu gosto de colecionar.