quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória

25 de Agosto

Tudela. 

Não partimos sem antes passear pelo centro histórico, aproveitando para o necessário expresso que nos empurra as pálpebras e espevita as sinapses.

A Praça Mayor, que aqui se chama Plaza de los Fueros, vive já no bulício de uma equipa de roadies que monta palco e equipamentos para um qualquer festejo que mais tarde ali terá lugar. É bonita a praça, com os medalhões de azulejo nas paredes e o bem conservado coreto.




Passamos pela catedral, fechada e enorme. Enclausurada no meio de ruas que a apertam e que tornam a possibilidade de a fotografar no seu antónimo.


Continuamos caminho. aqui e ali street art nas empenas das casas. Gosto de street art; de ver as empenas nuas invadidas pela cor de morais gigantes, nem sempre excelentes, mas sempre melhores que paredes nuas e velhas a namorar a usura do tempo.


Retomamos o carro para visitarmos o alto onde se encontra a Torre Monreal, uma primitiva atalaia muçulmana, convertida em torre de mengaem de um castelo que aqui existiu. Daqui, mira-se a cidade , que se desenvolve entre esta colina e a outra, em frente. Cristo e a Mãe não se perdem de vista o dia todo, cada um de seu lado, empoleirados em sua colina, deste lado Maria; do outro Jesus, a lembrar que a fortíssima relação que Espanha sempre manteve com o catolicismo.

 

 
Seguimos para o outro lado da cidade  e tomamos a estrada serpenteante que sobe até ao miradouro do Corazón de Jesus, erguido onde antes se situava a Alcazaba Moura e o castelo de que hoje apenas restam vestígios.


Larga e desimpedida a vista sobre a cidade que termina na linha de ferro, longa companheira do Ebro, que a acompanha. Tão larga que talvez este seja mesmo o único sítio decente para fotografar a catedral, de preferência quando não existirem gruas por perto....



Próxima paragem Olite; cidade com um interessante centro histórico medieval que visitámos por fora. encostada ao castelo a igreja de Santa María la Real ainda ostenta vestígios de tinta numa fachada que deveria ser bela de ver na policromia original


Santa María la Real


Passamos um embalse, que a estrada acompanha durante vários quilómetros. Mais que a água, o que espanta é a enorme falta dela, que se percebe claramente e que atesta o enorme problema com que todos nos deparamos num futuro que é o tempo de hoje...


Embalse de Yesa

Sos de los Reys Católicos.

Curioso nome, de curiosa vila. Aqui nasceu Fernando II de Aragão, o tal que casou com Isabel I de Castela e que repartiu o mundo em dois pedaços, com João II de Portugal. Católicos, os reis que abriram o espaço aos desmandes inumanos de Torquemada, o Inquisidor-geral, e que expulsaram os Judeus, do seu território, coisa que o nosso D.Manuel achou por bem copiar, a imposição dos futuros sogros (Fernando e Isabel, pois claro) por ser moderno e benéfico para a doutrina da santa madre igreja...

Um casco medieval bem conservado e um passeio agradável iniciado nas escadarias que conduzem do estacionamento ao jardim do Parador, ainda que o dia esteja quente.
Uma bonita e inesperada estátua de um homem descalço, sentado, chama a atenção por entre as vielas. Uma claquete de bronze esclarece que o homenageado é Luis García Berlanga, cineasta espanhol.






Vem perto a hora de almoço, que o digam os grifos que sobrevoam baixo ao lado da estrada... volto atrás e paro para os fotografar. Deve haver um alimentador perto, porque são muitos, mas devem ter  acabado a refeição porque vão partindo, salvo um que fica de atalaia num poste de alta tensão e me permite uma foto mais aproximada embora a objetiva mais longa que tenho à mão seja uma 200 mm. 



Miradouro da Foz de Arbayun.

É aqui que paramos para almoçar à sombra das muitas árvores que ladeiam o estacionamento, não sem antes espreitar a belíssima vista do miradouro, maculada por um sol duro, zenital, que não ajuda para captar uma boa fotografia. Estamos no fim do verão e os primeiros traços de laranja outonal começam já a aparecer na vegetação. Deve ser um bom sítio para visitar daqui a algum tempo....




Há paisagens que se esquecem, por nada haver que no las faça reter na memória. Outras há que nunca esqueceremos, por inusitadas ou mesmo quase inacreditáveis. Os enormes penhascos dos Mallos de Riglos, pertencem a esta última categoria.  Inesperados, avistam-se de uma curva da estrada e , de imediato, obrigam a paragem, enquanto o queixo vai retomando o seu lugar habitual de repouso,..





Mas quando pensávamos que já tínhamos visto o melhor, a curiosidade levou-nos, em boa hora, para a direita, seguindo a seta que indicava Mallos de Agüero. As imagens falam pela extraordinária beleza do enquadramento de uma vila na sombra dos enormes penhascos.


Toda a vila é dominada pela sobranceria inquestionável das pedras, que de pronto tomam qualquer espaço que pudesse conduzir a uma linha de horizonte.




Não imagino o quão duro será aqui viver no inverno. Quem? Quantos? Que idades?

e, no entanto, há cor....


Saímos de Mallos de Agüero e tomamos o caminho de Mallos de Riglos. Não poderíamos por aqui passar sem visitar a vila que, no entanto, não tem nenhum local à beira da estrada que permita uma fotografia como a vila justamente mereceria.  Deixamos o carro no estacionamento e fazemos uma visita rápida na vila que ainda é mais dominada pela imponência das pedras que a sua vizinha de há pouco...




Não paramos mais e seguimos direitos a Asín de Broto, pequena localidade já encrustada na base dos Pirenéus, que nos premeia com um magnífico céu que, ao descair para o anoitecer, liberta as  últimas cores que lhe deu um sol já há algum tempo escondido por detrás das montanhas.







terça-feira, 26 de outubro de 2021

Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória


24 de Agosto

Saímos cedo, bem cedo de Aranda de Duero. Tanto assim que pudemos presentear-nos com um belo nascer-de-sol  a romper por sobre a campina, como se os girassóis lhe esperassem a luz para de novo se altanarem,  cabisbaixos que estavam enquanto se acossavam uns aos outros no escuro da madrugada.


Sobe a estrada que nos leva até à primeira caminhada programada de várias que escolhemos fazer estas férias. Não muito longas, que estamos sempre de passagem e também porque temos as nossas  inerentes limitações de caminhantes de fim-de-semana, mas, ainda assim queremos andar. Pelo caminho delicio-me com as paisagens tomadas pelas nuvens que a inversão térmica da noite criou. Deixamo-nos guiar pelo Google maps mas, às tantas, perdemos o sinal… não importa, seguimos em frente. Estamos perto, é sempre a subir até ao cume. Somos dos primeiros a chegar ao parque de estacionamento. É cedo ainda. Pessoas que passaram ali a noite em auto-caravana tomam o pequeno almoço com a mais deslumbrante das vistas. Procuro o início do caminho e seguimos em frente, para umas horas de bom passeio, aqui e ali mais duro, porque nem sempre o terreno é fácil, mas vale bem a pena o esforço.

São várias as lagoas e começamos pelas que nos estão mais perto, lagoa dos Patos e Lagoa Brava, não sem antes trocarmos os "bons-dias" com alguns cavalos que por ali pastavam calmamente.



Lagoa dos Patos

Lagoa Brava (sim, juro que está atrás dos cedros)

Ambas as Lagoas vista a partir do caminho para a crista que bordeja as lagoas Negra e Larga

A vista mais interessante, no entanto, está lá em cima, na crista que circunda as lagoas Larga e Negra, por isso atacamos a subida, que nos vai levar dos 1875m de altitude do parque de estacionamento até aos 2050m  do marco lá colocado.

Esta um dia bom para caminhar, e apesar de ser sempre a subir, lá atingimos o nosso objetivo, sorvendo depois a bela vista panorâmica que se nos oferece, acompanhados aqui e ali  pelo sorriso colorido da quita-merenda (Colchicum montanum), um endemismo ibérico,  por entre o amarelo da parca vegetação já seca.

Quita-merenda (Colchicum montanum) 


Lagoa Larga (mais próxima) e Lagoa Negra

A mania da "mariolas" também por aqui passou, como não podia deixar de ser. Eu tenho mais que fazer que brincar às pedrinhas e sigo em frente, até porque a minha companhia já se adiantou bastante enquanto eu tirava mais um ou duas fotografias. chegamos ao fim da crista e agora o caminho deveria levar-nos para a lagoa da cascata, mas temos de encurtar o passeio e seguimos para a base da Lagoa Negra por um estreito e difícil carreiro íngreme de pedra solta, com o cuidado que a ocasião demanda.



Uma vez  cá em baixo, o caminho é fácil e plano, até ao parque de estacionamento, correndo em torno das duas lagoas que, lá de cima, avistámos. Antes de chegarmos ao fim da estrada que se segue à trilha de terra batida, ainda conseguimos vislumbrar a lagoa da cascata, lá em baixo... talvez numa outra visita.... quem sabe...


 

Procuramos a sombra dos pinheiros negros que circundam o parque de estacionamento. São horas de almoço e o local é propício, por isso aproveitamos para comer enquanto descansamos do excelente passeio da manhã. 

Refeitos e satisfeitos, partimos, que o dia ainda tem muito que dar. O nosso destino para a noite é Tudela, mas antes, já perto de lá chegar, vamos deixar que a tarde nos leve pelas  cores de mais um daqueles sítios que não se esperam e se descobrem com um misto de espanto e contentamento: Bardenas Reales.

Gessos e argilas e luz, muita luz, refletida numa orgia de brancos, ocres e rosas que contrastam cada vez mais com o azul do céu à medida  que o sol desce no horizonte.

Terra mãe? o colo da terra?

Ficava aqui mais tempo. Gostava de voltar aqui muitas mais vezes, em várias altura do dia, em várias alturas do ano. só tenho um dia e aproveito-o o melhor que posso. a estrada, a berma o chão, tudo ´uma camada de pó fino, caulino, gesso, a roupa, os sapatos, o carro, tudo fica cheio de pó, apenas a máquina e as lentes me preocupam, e tento protegê-las o melhor que posso; ultima paragem, nos 30 km de estrada que percorrermos devagar, ao ritmo das muitas fotos que tirámos: Cabezo de Castildetierra, a imagem mais conhecida de um local que me era desconhecido. Para proteger a formação é proibido chegar perto dela, o que é excelente para os fotógrafos também, porque assim a podem fotografar sem a intromissão de pessoas... isto é, seria assim se um idiota de um turista não resolvesse furar a proibição e pisar onde não devia.. felizmente  parece não ter havido estrago e o pateta lá se foi embora, sem perder o ar de parvo com que me olhou (deve ter percebido pelo meu olhar que eu não estava propriamente a sufragar o seu tonto ato...)






A turista italiana vestida de vermelho até que estava no sítio certo, à hora certa....


Cabezo de Castildetierra


Fotogenia também na estrada à saída do parque... 

O parque, com estatuto outorgado pela UNESCO de reserva da Biosfera  fecha por vezes, fico a saber pela minha pesquisa na internet... é um campo de tiro para a força aérea também,... mesmo no meio do parque existe uma instalação militar com este fim, estranho....

Rumamos cansados a  Tudela. Está o dia feito e o corpo pede descanso e o aconchego de um bom jantar e de melhor cama.