segunda-feira, 30 de junho de 2014
Porque não escrevo mais? Pergunto-me.
E, no entanto, escrevo. Muito. Fora do caderno, do teclado, são inúmeras e imensas as folhas que encho com as mais estonteantes palavras, as mais intensas crónicas, os mais deslumbrantes poemas.
Sou um perfeito artesão das letras, quando estou longe da secretária que me vê tentar não deixar a putativa folha tornar imaculada à eletrónica e infindável resma que habita algures no meu computador. Nessas alturas, só, entre dois passos de caminho ou uma volta da pedaleira, escrevo o que não conto, e imagino-me leitor de mim.
Orgulhoso de tanto pensar, de tão intensamente refletir, satisfaz-me saber que cumpro o que não faço: quem de tamanha forma se esforça não merece o castigo do remorso e pode olhar a invicta inércia olhos nos olhos e queixo bem levantado!
A folha, essa, continua vazia, mas não é por falta de vontade…, é só porque há sempre, mas sempre, uma boa razão… mesmo que a não conheçamos!
Why don’t I write more? I ask myself.
And yet I do write. A lot. Away from the notebook or the keyboard, countless and immense are the pages I fill with the most stunning words, the most intense chronicles, the most dazzling poems.
I am a craftsman of the perfect word, whenever I am away from the desk that watches me trying hard not to let the putative sheet turn back untouched to the electronic and endless ream that inhabits my computer somewhere. At those times, alone, in between two steps or a turn of the pedal wheel, I write what I do not tell, and imagine myself a reader of me.
Proud from thinking so much, from such an intense reflection, I revel in the knowledge that I quite accomplish what I do not: he who commits himself in such a dedicated way shall not endure the punishment of remorse and can proudly look the undefeated inertia right in the eyes.
The sheet?... well, it will remain empty, but not from lack of will… it’s just that there is always, but always, a good reason… even if we don’t really know what it might be!
quarta-feira, 4 de junho de 2014
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Junho é mês da criança. É por isso que nos campos as flores ganham o escarlate das joaninhas, embora hoje, os urbanos e pós-modernos homenageados do mês, como muitos dos seus orgulhosos progenitores, as prefiram em versão digital, 64 bits, com ligação à internet e possibilidade de sincronização com o correio eletrónico, compatível com inserção simultânea no feicebuque.
“Joaninha avoa, avoa, cu teu pai foi pra Lisboa”, desejo tantas vezes repetido, com a solenidade de um verdadeiro mantra, enquanto pelos dedos da mão aberta o pequeno e simpático coleóptero, roubado à flor com o cuidado de quem mal não deseja, corria, em desorientado vaivém.
E de repente, avoava mesmo. Para alegre desconsolo de quem nunca sequer lhe imaginara asas sob o brilhante nacarado dos élitros, apenas maculados pela graça carnavalesca dos negros pontos que lhe emprestam a graça ao fato.
Junho é mês da criança. É por isso que na mesma umbela já desnuda de flor, os percevejos listados passeiam as irrepreensíveis camisolas de futebolistas, e que miríades vermelhas de diminutos ácaros tomam de assalto as flores.
“Joaninha avoa, avoa, cu teu pai foi pra Lisboa” (*), a wish time and time again repeated , with the solemnity of a true mantra, while the small and charming coleopteron, stolen from the flower with the care of one that means no harm, would run disoriented, back and forth along the palm of the opened hand.
And all of a sudden it would actually fly, for the joyful disappointment of those who had never even imagined wings under the bright pearly elytra, solely marred by the festive grace of the black dots that lend elegance to its vest.
And yet, in my woods, I see no other child than me…that is… what’s left of it, in what they have of the eternal age of whys.
Coccinella semptempuctata |
E de repente, avoava mesmo. Para alegre desconsolo de quem nunca sequer lhe imaginara asas sob o brilhante nacarado dos élitros, apenas maculados pela graça carnavalesca dos negros pontos que lhe emprestam a graça ao fato.
Graphosoma Lineatum |
Junho é mês da criança. É por isso que na mesma umbela já desnuda de flor, os percevejos listados passeiam as irrepreensíveis camisolas de futebolistas, e que miríades vermelhas de diminutos ácaros tomam de assalto as flores.
Scabiosa artopurpurea
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E no entanto, na minha mata, não vejo outra criança que não eu…ou melhor…o que dela resta, no que têm de eterna idade dos porquês.
June is the month of the children. That is why flowers in the fields earn the scarlet of the ladybugs, although, nowadays, the urban and post-modern recipients of the month’s honours, as many of their proud progenitors, would prefer their digital version: 64 bits, with internet connection and the ability to synchronize email, compatible with simultaneous feicebuque posting.
June is the month of the children. That is why on the same already flowerless umbel, the striped bugs perambulate their irreprehensible soccer team shirts, and that red hordes of diminutive mites assault the flowers.
And yet, in my woods, I see no other child than me…that is… what’s left of it, in what they have of the eternal age of whys.
(*) Fly Ladybug, fly, for your father has gone to Lisbon... (a time honoured children's rhyme)
Tuberaria gutatta |
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