segunda-feira, 20 de outubro de 2014






Deixa o vento ser-te mão
Deixa-o tocar-te
Dentro


Deixa o vento ser-te lábio
Deixa-o beijar-te
Lento


Deixa o vento ser-te olhos
Deixa-o  olhar-te
sedento

Deixa o vento
ser-te

deixa,
deixa,
deixa,

o vento!


 
Let the wind be hand
Let it touch you
Inside
 
Let the wind be lip
Let it kiss you
slowly
 
Let the wing be eyes
Let it look at you
thirsty
 
Let the wind
be you
 
let
let
let
 
the wind
 


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Outono.

No calor mole da manhã o vento varre forte os caules da erva seca e faz-se ouvir entre as copas dos pinheiros, talvez para me saudar (que foi larga a ausência); talvez para me lembrar que os dias já vão bem mais curtos e que logo, logo, tudo se recolherá, à míngua de sol.

Ischnura pumilio

Estimulados pela luz e pela temperatura, gafanhotos e libelinhas vivem tempos de urgência, na pressa da multiplicação (que, não tarda, vem aí o inverno e  outra vez as chuvas, que este ano tantas foram…).



Voam frenéticas. Procuram parceiros. Copulam. Em pleno voo, num acrobático e coordenado exercício de esforço. Na contra-luz é fácil perceber que são inúmeras, tantas são as asas que chispam por entre a vegetação rasteira.  Lá em baixo, no tanque, que se espera nunca venha a servir para abastecer  os helicópteros,  guardado pela aparente indiferença das rãs, vejo-as, voando ainda emparelhadas, depositar ovos aqui e ali, num saltitar sincopado, a lembrar a movimentação robótica de  uma qualquer máquina de alta precisão.

Pelophylax perezi


Ischnura pumilio

48 horas depois, no mesmo lugar, tudo mudou.

No rescaldo de uma noite que trouxe um marcado arrefecimento, já quase se não  veem.  Procuro com cuidado entre os caules e não tardo a encontrar uma: imóvel, tomada pela humidade que lhe assenta pequenas gotas no longo corpo. Fotografo-a durante longos minutos. De tempos a tempos abana freneticamente as asas, aquecendo-as, em resposta à temperatura do dia que, entretanto, vai subindo. Passa as patas pela cara para a libertar da água, como eu há pouco também fiz, em casa. Um último abanar de asa e, rápida como sempre são, desaparece entre as copas baixas dos pinheiros mansos.

Sympetrum fonscolombii

Sigo caminho e desço uma encosta mais protegida do vento: por aqui ficou à noite agarrada à haste de uma já seca flor de rosmaninho. De asas abertas,  totalmente perlada pelo orvalho que, aqui, ainda levará algumas horas a evaporar. Há-de também aquecer e partir,  caso algum pássaro ou lagarto mais afoito não dê por ela …que assim se passam as coisas na natureza e nem todos as contemplam pelo prazer de olhar...


Chrocothemis erythraea
Autumn

In the lax  heat of the morning the wind swipes across the dry grass stems and makes itself be heard through the canopies of the pines, to salute me, maybe (for the absence has been long); or maybe to remind me that the days are already quite shorter and that in no time all will take shelter, for want of sun.

Driven by  light and temperature, grasshoppers and dragonflies live times of urgency, in the haste of multiplication (for soon winter will come and with it the rains, many as they were this year...).

They fly frantically. Looking for partners. They copulate. In mid-flight, in an acrobatic and coordinated exercise of effort. Against the sunlight it is easy to understand  they are countless, so many are the wings that sparkle amidst the undergrowth. Down there, in the small reservoir, which one hopes will never have to be used to feed the helicopters, I watch them, under the apparent indifference of the frogs,  flying, still in tandem, laying their eggs here and there, in syncopated hops, as if the robotic movements of any high-precision machine.  .

48 hours later, in the same place, all has changed.

In the aftermath of a night that has brought about intense cooling, they are almost nowhere to be seen. Still, I carefully look in between the stems and soon I find one: motionless, taken by the humidity that generates small droplets over its long body. I photograph it for quite a while. At spaces it franticly waves its wings, warming them up, in reply to the slowly rising temperature of the day. It rubs its eyes to clear them of the water, just as I did a while ago at home. One last wave of the wings and, as fast as they always are, it disappears amongst the low set canopies of the stone pines.

I keep on going and go down the slope on the leeward side: it spent the night here hanging to the stem of an already dry rosemary flower. Wings wide open, fully pearled by the dew that will still take a couple of hours to evaporate. It too will warm up and go, (that is if no daring bird or lizard will notice it…. For that’s the way things go in nature and not all contemplate them for the sheer pleasure of looking….