A escrita também tem horror ao vazio: simples constatação física de quem olha a folha marcada pela certeza organizada do tipo ou da grafia; não menos simples, mas porventura mais inquietante, elação de quem lê e se vê preso na vontade urgente de virar a página, de galgar linhas para mais depressa se assenhorar da trama, de se sobrepor transparente a um dos personagens que fazem a história. É esta estranha empatia com o herói de papel, com o fruto de um qualquer 6º dia do escritor, que dá à escrita o sabor que nos assombra enquanto leitores, e nos faz invejar o génio dos bons artesãos das letras; que preenche verdadeiramente o vazio que as filas de carateres bem alinhados, por si só, não ocupam.
E no entanto, a escrita tantas vezes vale só por o ser, pelo que se afirma de si própria, pela forma como se escreve e se inscreve.
Dessas vezes, acho, o herói sobrepõe-se ao autor e a trama que nos prende é já não a história que este congeminou, mas a surpresa que nos oferece a escrita, ela própria, como se tivesse corpo, hábitos ou nome de gente.
A escrita, a que enche verdadeiramente o vazio, é raposa,… cativa. Saint-Ex sabia-o, Afonso Cruz também.
Written words do abhor a vacuum too: a simple physical conclusion drawn from looking at sheets where typed or handwritten characters fill in the empty white with well organized lines. Equally simple, albeit more disturbing is the elation of one who reads and finds himself trapped in the urge for turning the page, for skimming over the lines to capture the plot, for overlaying his own transparent self onto one of the characters that make the story. It is this, that strange empathy between reader and paper hero - the fruit of a writer's 6th day - that lends written words the ability to flabbergast us, that makes us look up in envy at the genious of the good craftsmen of words; that truly fills the void, which row upon row of perfectly aligned letters and lines cannot fully occupy by themselves.
And somehow, sometimes, written words live simply for their inherent value, for what they tell us about themselves, for that unique way in which they register and are written.
At times like that, I feel, the hero overbears the writer and the plot that enthralls us is no longer the plot that he conceived, but the surprise that written words deliver, as if they had a body, a soul or a personal name.
Written words that truly fill the vacuum are like the fox... they captivate. Saint-Ex knew it. So does Afonso Cruz.
PS Thank you, Silvya and Fraser, for your attentive reading and outstandig help in getting the translation to work.
Sem comentários:
Enviar um comentário