quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Monsaraz
Há água, muita água, no ar, roubada ao enorme lago em que se metamorfoseou o rio que o alimenta, desde que o gigantesco garrote de betão precintou, mais a sul, as encostas bordadas de estevas e pedra escura, xistosa.



Tanta que se não vê o sol. Tudo na volta do olhar parece rendido à palidez de uma inesperada escala de cinzentos, de onde sobressai, aqui e ali, um esbracejar aflito de verde ou castanho, logo engolido pela enorme onda da névoa densa que alastra, varrendo chão e ar.




Na imobilidade das árvores, cobrem-se também elas de água, em minúsculas gotas que lhes vestem a fina pele, em algumas ainda verde, noutras já luzidio breu e noutras ainda misturando matizes de ambos, conforme a maturação as pinta.




Dentro guardam o que agora se não vê: a luz dourada que meses a fio foram acumulando na densa e acre polpa e que, a custo e contra vontade, libertarão mais tarde, esmagadas na força bruta das prensas.

Luz que me adoça o pão que, de quente ainda, se não consegue cortar e se parte com as mãos. Sai dele fumo que cheira a milagre, a fermento, a farinha. Prazeres de essência que fundem a terra com as coisas e nos lembram que também nós temos lugar aqui, mas que, para o termos, precisamos conquistá-lo, a pulso, com o esforço a que a terra obriga, mas que generosamente retorna em fruto, como as azeitonas que me empenho em arrancar às oliveiras do pequeno pomar.



Não é ainda o tempo dos frios e se tenho o corpo molhado não é só da água que anda no ar, mas também da água que me sai pelos poros. Empenho-me com vigor na tarefa. Sabe-me bem o esforço. Por certo o saber bem que deslumbra os citadinos, bem sei, que olham o trabalho árduo do campo com um misto de curiosidade e cautela (senão mesmo de puro  desdém) por o saberem, para eles, episódico e… exótico.

Tão diferente o é para quem da terra faz sustento…

A manhã vai já  a meio, e o dia segue escuro, à míngua da estrela que teima em não sair por detrás da cortina cinzenta que tudo tapa. Temo mesmo que hoje não chegue a mostrar-se se, depois da névoa, as nuvens não se arredarem também.

E, ainda assim, ao fundo do pomar há luz e cor: vaidoso, soberbo, o diospireiro olha o pálido dia e, orgulhoso, mostra o lume que, por estes dias, lhe aquece as folhas e me doura a alma.


There is water in the air, lots of it, stolen from the vast lake that its feeding river has become ever since the huge concrete garrote has strapped up, further downstream, the slopes of the banks, laced with rock roses and dark schistose stones.

So much water that the sun is nowhere to be seen. Everything within eyesight seems to have yielded to the paleness of an unexpected palette of greys, from where, here and there, distressed notes of green or brown emerge, only to be fast engulfed by the spreading mist wave that sweeps both soil and air.

In the stillness of the trees they too are covered in water: tiny droplets that coat their thin skin, still green in some of them, pitch black already for some other, or exhibiting varying mixes of both colours, for yet some other,  as ripeness will have it.

Inside they harbour what cannot now be seen: the golden light that for months they have been accumulating in their dense and sour pulp  and which they will later reluctantly  liberate under the crushing force of the press. 

Light that sweetens the still warm bread that cannot be cut and has to be hand broken. It exhales smoke, and it smells of miracle, of yeast, of flour. Pleasures of essence that blend soil and things and remind us that we too have our place in here, but also that we will have to conquer it, by hand, with the effort that the land demands and which it so generously returns in fruit, like these olives that I so hard try to strip from the trees in the small orchard.

It is not the time of the colds yet and if my body is wet it is not only from the water that hangs in the air but also from the water that spurts from my pores. I take to the task with vigorous commitment and I find pleasure in the effort. Most certainly the type of pleasure that awes city people - I know  it well - who look down on the hard work in the fields with a mix of curiosity and cautiousness (if not with pure contempt…) knowing that for them it is but  episodic and… exotic.

So different from what it really is like for those that take their sustenance from the land…

The morning is already half gone and the day is still dark, lacking the star that persists in hiding behind the grey curtain that, for now, shadows everything. I fear it might  not show itself today, if after the mist has cleared, the clouds themselves will not get out of its way.

And yet, by the end of the orchard there is light and colour: vain and arrogant, a persimmon tree stands up to the pale day and proudly exhibits the fire that these days warms its leaves and gilds my soul.




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