terça-feira, 29 de abril de 2025

 Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...


13 de Abril de 2025 -  Tashkent - Praça da Memória e da Honra


As sociedades honram aqueles que por elas lutaram e as defenderam, por vezes em guerras inúteis, sem sentido, como muitas são ou, de um ponto de vista estritamente racional, todas são. 

Na verdade, não poucas vezes vivemos o desconcertante paradoxo de nos tentarmos aniquilar uns aos outros, para que possamos sobreviver...na forma que nos é culturalmente herdada, e que julgamos a mais justa, até que outra descubramos, num processo de amadurecimento evolutivo difícil, de constante tensão com outras sociedades ao nosso lado, ou que outra nos seja imposta e, com ela, a certeza de que cedo ou tarde, as sementes da resistência eclodirão...

Caminho difícil este, não raras vezes obtuso, contraditório, quase sempre rasgado a suor, lágrimas e sangue... muito...

Hoje, este sangue vive na pedra vermelha com que se talha a Praça da Memória e da Honra, um monumento erguido em 1999, honrando os soldados Uzbeques mortos naquela que por ali é conhecida como a Grande Guerra Patriótica, e para nós ficou como a Segunda Guerra Mundial.

A chama eterna ilumina o olhar de uma mãe que chora a não menos eterna perda... em ambos os lados da praça, pavilhões albergam as folhas de metal, organizadas por províncias, com os nomes dos mais de 400 000 soldados Uzbeques, que tombaram na guerra.

A solenidade do local no entanto é óbvia e é impossível não sentir o seu peso, no silêncio que aqui reina e acompanha a visita de pessoas que procuram, ainda hoje, nas grandes placas de metal, a inscrição que lembra um cada vez mais distante familiar, conhecido, vizinho... 

De súbito, uma gargalhada franca, insuspeita na sua inocência, corta o ar.... uma criança corre pelo relvado.... faz sol.... no peso condoído do bronze, a mãe olha a chama e chora...

Uma vez mais, as imagens das horríveis paradas do 10 de Junho no Terreiro do Paço vêm-me à memória....

No meu país não há folhas de metal com os nomes de todos os que tombaram, mas se houvesse, o meu nome não lá constaria.... falta uma semana para o 25 de Abril... e eu sinto uma enorme alegria.








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