domingo, 31 de março de 2013

Reguengos de Monsaraz - Praça da Liberdade

A preto e branco continuam os dias. Talvez por isso a cidade esteja vazia e as cadeiras fiquem por ocupar, como num espetáculo de má crítica, ou em fim de temporada… ou as duas coisas. Lentos, desfazem-se na água que indiferente os encaminha para a sarjeta na borda da estrada, enquanto nas esquinas os velhos se juntam aos pares (unidade crítica de massa), e lembram os dias em que olhavam para os velhos que se juntam aos pares nas esquinas, sem darem por eles.

Não muito longe,  a luz coa forte pelo espartilho das nuvens, e os raios incendeiam cores que a cidade não conhece, ou escolheu esquecer: rosa, amarelo, lilás, todas procuram rima num verde tão perene quanto parecem ser as próprias oliveiras, elas que, velhas,  nunca procuraram uma esquina, nem mesmo nos dias de chuva.

Monsaraz - Lago de Alqueva

Black and white remain the days. That is probably why the city is empty and the chairs vacant , as if in a show with bad reviews, or in an end of season performance... or both. Slowly, they dissolve into water, the same water that, indifferent, leads them to a gutter on the side of the road, while on  corners old men assemble in pairs (the critical unit of mass) , to reminisce about the days when they would look at old men assembling in pairs on corners, without seeing them.

Not very far from there, light cuts undaunted through the tight cloud corset, and the rays alight colours that the city doesn't know, or chose to forget: pink, yellow, purple, they all look for a rhyme in a green as everlasting as the olive trees themselves claim to be. Them, that although old, have never searched for the comfort of a corner. Not even on rainy days.


Monsaraz 

domingo, 24 de março de 2013

Março, mais de meio, e no entanto corremos a abrigar-nos da chuva que teima.
Um excelente dia de praia, portanto, para mim que gosto do mar e da calma que, nos dias como o de hoje, revolve no torvelinho convulso do pedaço de oceano que mora perto da minha porta.

Passeio pelo paredão sem saber se as gotas que me humedecem a cara são  água doce ou salgada, se sopram dos cabelos brancos que as ondas atiram contra a rocha ao fundo do espigão de pedra, ou são cinza das nuvens que cobrem o céu.
Como eu, alguns, poucos, misturam-se com o vento fresco da manhã sombria. Correm também. Não fogem, apenas correm, (e eu, que não corro, acredito que não é mais que outra maneira de gostar do mar).


March, more than half past, and yet we run for cover, from the rain that persists.

An excellent day out on the beach, therefore, for me, who loves the sea and the calm  that on days like today, revolves in the turbulent vortex of the scrap of ocean living close by.

I stroll along the beachwalk, not knowing if the drops that moisten my face are fresh or salt water, blown away from the white locks of hair the waves thrust against the rocks down by the end of the stone wall, or if they are but ashes of the clouds that obscure the sky.

Some, like me - but a few -  mingle with the cold wind of the gloomy morning. They are also running. Not that they are running away, no: they just run (and I, who do not run, believe that it is but another way of loving the sea).




quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia Internacional da Floresta

Dia Mundial da Poesia

(mais um dia dos meus dias)



                                                      Um poema de letra em árvore
                                                      com folhas de tempo e
                                                      raiz de palavra.

                                                      É lá, no segredo doce da seiva,
                                                      que mora a  luz dos pirilampos
                                                      quando, no último verso,
                                                      se escreve o vermelho das papoulas
                                                      e o azul das  campânulas.

                                                      Foi por isso que  no tronco
                                                      Alguém colou um cartaz:
                                                      “Não entrar! Propriedade privada!”


Papaver rhoeas


                                                        A poem, a tree of letters
                                                        with leaves of time,
                                                        rooted in words.

                                                       There, hidden in the sweet secrecy of sap,
                                                        lives the  light of the fireflies
                                                        whenever the last verse
                                                        is written, with the red of the poppies
                                                        or the blue of the bellflowers

                                                        That was why someone
                                                        nailed a sign onto the trunk:
                                                        "Private Property! No trespassing!"

domingo, 17 de março de 2013




Húmido e frio é o dia. Mais um assim, como tantos têm sido os deste ano.

Saio à procura, caçador que busco ser de coisas e de espantos. E, como quase sempre, encontro.

Não é difícil, se bem olharmos: no verde, que faz agora tapete onde a terra rebentou, mora vida; o verde é, ele próprio, vida, que se celebra em flor.



                                         Lupinus luteus                                   Lupinus Angustifolius



 Arum italicum


Damp and cold is the day. Just another damp and cold day, not unlike many other that have made the year so far.

I leave on a search,  hunting for wonder. And as  I often do, I find  it.

It isn't that hard, it just takes some uncompromised looking: amisdt the green than now carpets the soil, there is life; the green itself is life, celebrated with flowers.


Euphorbia helioscopia




domingo, 10 de março de 2013

A escrita também tem horror ao vazio: simples constatação física de quem olha a folha marcada pela certeza organizada do tipo ou da grafia; não menos simples, mas porventura mais inquietante, elação de quem lê e se vê preso na vontade urgente de virar a página, de galgar linhas para mais depressa se assenhorar da trama, de se sobrepor transparente a um dos personagens que fazem a história. É esta estranha empatia com o herói de papel, com o fruto de um qualquer 6º dia do escritor, que dá à escrita o sabor que nos assombra enquanto leitores, e nos faz invejar o génio dos bons artesãos das letras; que preenche verdadeiramente  o vazio que as filas de carateres bem alinhados, por si só, não ocupam.

E no entanto, a escrita tantas vezes vale só por o ser, pelo que se afirma de si própria, pela forma como se escreve e se inscreve.

Dessas vezes, acho, o herói sobrepõe-se ao autor e a trama que nos prende é já não a história que este congeminou, mas a surpresa que nos oferece a escrita, ela própria, como se tivesse corpo, hábitos ou nome de gente.

A escrita, a que enche verdadeiramente o vazio, é raposa,… cativa. Saint-Ex sabia-o, Afonso Cruz também.

Written words do abhor a vacuum too: a simple physical conclusion drawn from  looking at sheets where typed or handwritten characters fill in the empty white with well organized lines. Equally simple, albeit more disturbing is the elation of one who reads and finds himself trapped in the urge for turning the page, for skimming over the lines to capture the plot, for overlaying his own transparent self onto one of the characters that make the story. It is this, that strange empathy between reader and paper hero - the fruit of a writer's 6th day - that lends written words the ability to flabbergast us, that makes us look up in envy at the genious of the good craftsmen of words; that truly fills the void, which row upon row of perfectly aligned letters and lines cannot fully occupy by themselves.
And somehow, sometimes, written words live simply for their inherent value, for what they tell us about themselves, for that unique way in which they register and are written.
At times like that, I feel, the hero overbears the writer and the plot that enthralls us is no longer the plot that he conceived, but the surprise that written words deliver, as if they had a body, a soul or a personal name.
Written words that truly fill the vacuum are like the fox... they captivate. Saint-Ex knew it. So does Afonso Cruz.


PS Thank you, Silvya and Fraser, for your attentive reading and outstandig help in getting the translation to work.


segunda-feira, 4 de março de 2013


Dos Meus Dias

(e se os faço bilingues, não será por pedantismo, mas por acreditar que uma língua franca é uma ideia tão verdadeiramente necessária quanto a de todos termos outra língua, a que chamamos mãe).




Os meus dias não são mais especiais que os de todos os outros, embora tenham a particular graça de serem meus.

Aplica-se-lhes, por isso, como aos de todos os outros, a  tradicional classificação de bons, assim assim ou verdadeiramente maus, embora a bitola que os afere não esteja guardada algures em Paris, mas sim na forma como encaro o acaso de que são essencialmente compostos.

É por isso que hoje é um dia bom! Estou mais velho, é certo; lá fora chove desalmadamente; está um frio húmido, desconfortável; os telejornais são a desgraça do costume...tudo se poderia conjugar para que o dia 4 de Março de 2013 fosse empurrado para o lado da escala que acolhe os desalentos, mas não... não será assim.

Hoje vou fazer de conta. E é isso que vai fazer melhor o dia. Como os milhões de outros escritores, fotógrafos, filosofos, artistas ou  empregados de escritório aborrecidos com a vida a que a internet veio dar uma parede que lhes devolva o eco,  vou fazer de conta que Escrevo, que consigo Ver onde os outros apenas olham, que sou capaz de tingir o branco do nada com tinta que lhe acrescente cor, ainda que só pintado a preto.

é a partir de hoje, num blog ao pé de si!






Manifestação "Que se lixe a Troika" - 2 de Março, Lisboa
 
 
My days are as special as those of everybody else, although exhibiting the singular peculiarity of being decidedly mine.
 
As a consequence, the traditional 3 level classification into  great, so and so and purely rotten appllies unto them as much as it appllies unto everybody else's, although the yardstick for their evaluation isn't kept in a safe somewhere in Paris, but simply in the  way I look at chance, the brickwork they are built upon. 
 
And that is why today is a good day! I've just turned older, no doubt about it; outside it's pouring elephants and seals; it's  cold, damp and uncomfortable; TV news are the usual disgrace... all things considered March, the 4th, 2013 has all it would take for it to be pushed over to the despair side of the scale. But that shall not be... not today!
 
Today I'm going to pretend. And that's why it'll be a better day. As with  the hordes of other writers, photographers, philosophers, artists or fed up office clerks to whom the internet has provided a wall to bounce  an echo back, I will pretend that I Write, that I am able to See where others simply look at, that I am able to add chroma to the white of the vacuum with some color lending ink, even if painted in black only.
 
As of today, in a blog near you!