domingo, 27 de outubro de 2013

A manhã teima em não acordar e esconde-se cinzenta no nevoeiro que lhe ocupa o lugar.
The morning refrains from awakening,  hiding in grey in the mist that has taken its place.



Ainda assim satisfaz-me o caminho, que faço sozinho. Tudo aqui me é familiar de tão repetido e, no entanto, a beleza da geometria que se agita à mínima briza, ainda deslumbra. 

São perfeitas as teias que refulgem num brilho de fio argênteo, desenhadas em espiral sobre os raios da armação que as sustem.

Still, walking along the path, alone,  as I always do, is a pleasant exercise. Everything is familiar, from having been here time and time again, and yet, the beauty of a geometry that flutters in the slightest breeze still dazzles. 

They are perfect, the shinning silver threaded webs, drawn in a spiral against the  spokes of the framework that bears them.


Elas, as aranhas tecedeiras,  aguardam imóveis ao centro, com paciência e certeza de pescador, na humidade que prenuncia o dia  e que, gota a gota, faz da armadilha colar de pérolas.

Their masters, the weaver spiders, wait motionless at the centre, with a fisherman’s certainty and  patience, in the moistness that foretells the day and that, drop by drop, turns the traps into  pearl necklaces.

                                                                         Araneus palidus

Com o sol e a brisa, os pequenos casulos de luz acabarão por secar e as armadinhas tornar-se-ão ainda menos visíveis, como compete à caça.

With the sun and the breeze, the little light cocoons will eventually dry out and the traps will become even less visible, as befits their hunting purpose.

 Argiope Trifasciata

As pessoas não gostam delas, regra geral:  que são venenosas; que mordem; que causam irritações; que são nojentas e peludas.

Ao fim ao cabo, os mesmos adjetivos que tantas delas tentam de si sacudir, mas que se lhes colam como se de teias se tratasse…ou de chuva... que o digam as libelinhas!

People usually do not like them: they are venomous; they byte; the cause irritation; they are disgusting and hairy… 

All in all the same adjectives that so many of them try to shake off from their own selves, but that keep clinging hard unto their skins, as if…. cobwebs… or rain drops… go ask the dragonflies…

Sympetrum fonscolombii


domingo, 20 de outubro de 2013


Choveu de noite e a manhã ainda escura não treme no sopro de qualquer brisa. Condições ideais para o que procuro, agora que o clarear do dia me ajuda a tentar encontrar nos talos secos das plantas que há uns meses enchiam de verde e flor o baldio onde tantas vezes passeio, alguma libelinha que ainda não tenha “acordado” e, entorpecida pelo frio da água e da noite, se deixe fotografar.



Quando chove, ou nos dias de acentuado arrefecimento noturno que por estas alturas do ano começam a ser comuns, encontro-as, por vezes, absolutamente imóveis, cobertas de minúsculas e fotogénicas gotas de água, da chuva ou da condensação, presas aos caules das plantas  pelos ganchos em que terminam as patas, aguardando pelo sol para começarem a secar os corpos e a asas que aquecem com uma frenética tremedeira, até que, refeitas para o dia, se erguem de novo no ar.


São Simpétrum de nervuras vermelhas (Sympetrum fonscolombii). Espécie muito comum, dizem os livros e a observação que tenho vindo a fazer. Até ao final do outono por aí andam. Os machos, vermelhos, quando maduros, mais irrequietos e difíceis de aproximar;  elas, amareladas, mais calmas e mais dadas a posar para a fotografia, desde que as abordemos com paciência e suavidade de movimentos.


A procura compensa, e com os primeiros alvores do sol descubro dois machos e ali, dois metros adiante, uma fêmea. Todos cobertos de gotas de água. Tal como eu queria.



Até que a brisa da manhã se levante, e com ela a impossibilidade de continuar a fotografar, resta-me cerca de uma hora de luz tímida e difusa pelas muitas nuvens. Aproveito-a contente. Ainda há boas maneiras de começar o dia....



It has rained during the night and the still dark morning does not flutter in any sort of breeze. Ideal conditions for what I’m after, now that dawn helps me in trying to find amidst the dry twigs  that a couple of months ago filled the  waste land I often visit with green and flowers, any dragonflies that haven’t yet awaken and, numbed by the cold of the water and the night , will let themselves be photographed.




When it rains, or in the mornings following the deep cooling nights that are now getting to be common this time of the year, I  find them now and them, absolutely still, all covered in minuscule and photogenic water droplets, from rain or condensation, hanging from the plant stems by the hooks that terminate their legs, waiting for the sun to dry their bodies and wings that they warm up in a frenetic flapping until, once again ready for the day, they take to the air.


They are red veined darters (Sympetrum fonscolombii). A very common species, so say the books and my observation. They will be around until the end of autumn. The males, red when mature, are more restless and hard to get close to; the females, yellowish, are more calm and prone to pose for a nice photograph, provided we stalk them patiently and without brisk movements.


The hunting delivers and with the first light of day I discover two males and,  a couple of meters further up, a female. All covered in water droplets. Just the way I wanted it!


I have about an hour of timid and cloud diffused light until the early morning breeze starts to blow, making it impossible to continue to photograph. I happily make the most of it. There are still nice ways to start a day...





quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A propósito de um excerto de uma carta de Ramos Rosa, publicada no Jornal de Letras:
On reading an excerpt of a letter by Ramos Rosa, in Jornal de Letras


Farei como o poeta triste
que manchava as manhãs de tinta
porque a tarde, dava-a à leitura.
Tento o verso:  não existe,
mesmo que  me esforce e minta.
Resta-me a  tarde e a literatura
para igualar o triste vate.
Toma lá, Ramos Rosa: Xeque-mate!

I'll do like the sad poet
who would stain the mornings in ink
for he kept the afternoon for reading.
I try the verse: it’s absent 
even if I try hard and lie.
I'm left with the afternoon and literature 
to emulate the sad bard.
There you have it, Ramos Rosa: Checkmate!


sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Maratona!

Não, não corro. Embora adore andar a pé e o pratique com regularidade e apego, detesto correr: tudo na corrida para mim é sofrimento; cansaço sem  a justificação do motivo; esforço sem a cereja de prazer que compensa o afinco e o sacrifício do corpo.

O desafio é outro e de corrida apenas toma o nome que aqui se não mede em 42 km, mas sim em 12 horas de clics feitos de luz, ou da falta dela, nas suas mais íntimas gradações:

Maratona fotográfica 2013 FNAC Almada, dizia o anúncio há uns tempos. Porque não?

Nunca participei e o regulamento não me diz tudo. Apenas que no próprio dia serão dados aos participantes os  temas  e que, em cada um, terão  meia hora  para  comprovarem a sua presença no ponto de controlo indicado.

Em tudo um jogo, que não um desafio fotográfico. Na verdade, a fotografia de que gosto, que pratico,  faz-se  do correr do tempo - que determina o que se vê - e da  vontade de o fixar,  que não de relógio e controlos.

Mas aceito. Porque não? O número de participantes, a julgar pelas fotos que vi de edições anteriores, não deverá ser enorme, o que me promete o relativo isolamento que me é essencial , misantropo que sem o exageradamente ser, conheço que sou.

Na verdade, o grande prazer da fotografia (como da grande maioria dos meus vários e variados interesses, de resto), reside, para mim,  no facto de ser um ato profundamente íntimo.  Eu elevado a demiurgo por interposição tecnológica. E não interessa que este Eu não seja sinónimo de Ansel Adams ou Augusto Cabrita, para citar dois. Como é habitual dizer… faz-se o que se pode, e primeiro está sempre a vontade de ver: o que escrevi na imagem e o que a imagem me deixa ler. Por vezes é quase uma epifania, uma enorme revelação. Muitas outras é a constatação do banal. Tal qual como nos acontece com os dias, que ordenadamente se sobrepõem, sem que façamos grande coisa por isso (se excluirmos a dialética cadência sistólica/diastólica , que, apesar de não controlarmos diretamente, nos é  também intimamente “nossa”) .

9 às 9, 12 horas e 6 temas, dizem-me no ponto de partida.

Como numa verdadeira corrida, o dia faz-se de oscilações de motivação e alguns intervalos entre temas parecem não passar enquanto outros se apresentam curtos. Chego mesmo a desinteressar-me a meio quando me é dado um tema que se me afigura impossível nos locais recomendados. A inexperiência não me lembra que posso usar tempo sobrante de outros temas para voltar ao tema que me pareceu impossível.

No fim, com maior ou menor dificuldade, cumpri.   Tenho fotos para os 6 temas e para  alguns tenho até opções múltiplas.  Por certo não ganharei qualquer prémio, mas  ainda assim consegui  cartas suficientes para mostrar o jogo.

Amanhã, pego na mochila outra vez e volto à mata. Sem tema, nem ponto de controlo!

Afinal esta é a minha maratona, que  venho correndo há anos, e que acho continuarei a correr, enquanto o sol se me não puser!


Tema 1 - Artes de pesca
Theme 1 - fishing implements


Barcos de pesca - Trafaria


Tema 2 - Paz Franciscana
Theme 2 - Franciscan peace

Convento dos Capuchos - Capuchos

Tema 3 - Arquitetura rural
Theme 3 - Rural arquitechture

Solar dos Zagalos - Sobreda da Caparica

Tema 4 - Arqueologia industrial
Theme 4 - Industrial archeology

Lisnave - Margueira

Tema 5 - Portas e janelas
Theme 5 - Doors and windows

Almada velha

Tema 6 - Livre
Theme 6 - Free
Metro - Almada


Marathon!

No, I don’t like running. Even though I absolutely adore to walk, something I  regularly and dedicatedly do, I detest running: for me running is all about suffering; exhaustion without the justification of a purpose; effort without the cherry of pleasure that compensates for the commitment and the sacrifice of the body.

The challenge is of a different nature, the only relation to running being  the name it takes, even if it is now not measured in 42 km but in 12 hours of clicks made out of light, or of its absence, in its most intimate gradations:

FNAC Almada Photo Marathon 2013, proclaimed the ad some time ago. And why not?

This is the first time I take part in it and the rules don’t tell me all there is to know. Only that on the very day, six themes will be disclosed to the participants and that for each of the themes there will be an half an hour window for them to control at the given check point.

More of a game than of a photographic challenge. In truth, the photography I like, and practice, is made out of the flow of time – that establishes what is there to be seen -  and of the will to capture it, and not of watches and controls.

But I acept it. Why not? The number of participants, judging from the photos I’ve seen of previous editions, should not be exaggerated, what promises me the relative isolation  that the  slight misanthrope in me demands.

In truth,  the ultimate pleasure of photography (as well of the vast majority of my  multiple and varied interests) resides, for me , in the fact that it is a deeply intimate deed. “I” elevated to demiurge status through technological interpolation. And it doesn’t matter that  “I” isn’t a synonym for Ansel Adams or Augusto Cabrita, to name but two. As it is said, one does what one can do, and the longing for seeing always comes first: what I have written on the image, and what the image lets me read. Sometimes it comes as an epiphany, a tremendous revelation. Many others it is but the realization of the trivial. Same as happens with the days, neatly overlapping each other without us doing much for it (is we exclude the dialectic systolic/diastolic cadenza, that although not being directly controlled by us, is also very profoundly “ours”). 

9 to 9, 12 hours, 6 themes, they tell me at the departure point.

As in a real race, the day is made of motivation oscillations and some periods in between themes seem to be everlasting while others appear to be too short. At some point midway, I even loose all interest, when a theme is given that I find impossible to capture in the recommended locations. The lack of experience does not remind me that I could use the leftover time from other themes to go back to the theme that seemed impossible at first.

In the end, with more or less difficulty, I managed to deliver. I have six shots for the six themes and for some of them I even have multiple options. I am sure I will not win any prizes, bus still I have enough cards to show my hand. 

Tomorrow, I’ll grab my backpack again and go back to the woods. Without a theme, or a checkpoint!

After all, this is my real marathon, the one I have been running for several years and which I think I will keep on running, until the sun goes down on me!