segunda-feira, 27 de janeiro de 2014



Só a luz que fere  o escuro  toma o horizonte, carregado e denso. Tudo o resto é sombra, apesar da manhã.

Dias de inverno, mais que isso, de invernia, ou não se sentisse no ar o silvo do vento húmido que desconforta e tudo afasta, mesmo as gralhas, mesmo os pardais…

Subo a pequena elevação a custo. É  íngreme, e a areia por baixo dos pés é relativamente mole. Procuro a vantagem de um horizonte desimpedido. Não é fácil:  um mar de copas verdes, aqui e ali pontuado por esta ou aquela árvore mais alta, perturba-me a  largura do grande écran.

Detenho-me a olhar.  Fotografo. Quero guardar a luz, o torvelinho das nuvens, o escuro do dia. Aguardo um pouco tomado pela inconstância do efémero. Até que as nuvens se fecham. Por completo.

Mata dos Medos

Olho o chão: o amarelo de uma tenra flor de chorão, a primeira do ano, é agora a luz que há pouco me sangrava o céu.

Magia certamente. Eu sei, que tudo vi e tudo fotografei!



Only the light that lacerates the darkness, takes hold of the laden, dense horizon. All that remains is shadow, in spite of the morning.

Winter days, better yet, wintery days, or would not the  air come alive with the whistle of the damp wind that discomforts and repels everything, even the crows, even the sparrows… 

I climb the small elevation at cost, It is steep, and the sand underneath my feet is relatively soft. I look for the advantage of an unencumbered horizon. It isn’t easy: a sea of green tree tops, punctuated here and there by this or that taller tree, hinders my view of the majestic screen.

I stop to look. I photograph. I want to register the light, the whirlwind of clouds, the darkness of the day. I stay for a while, overwhelmed by the inconsistency of the ephemeral. Until the clouds fold unto themselves. Totally.

I look down to the ground: the yellow of a tender ice plant flower, the first of the year, is now the light that a while ago bled the sky.

Sheer magic. I know it. I that have seen and photographed  it all!





quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Costa de Caparica


Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam lentas

Nos olhos, que lhe tomam a cor
no cabelo, que lhe toma as ondas
no corpo, que lhe toma o sal
no beijo, que lhe toma a madrugada,
cabe o mar que lhe molha a mão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam brancas

Escreve o nome em letras de areia
rápidas, urgentes como a espuma.
Para sempre… um coração…,
coisas de criança, ou não fossem namorados,
seres privados de razão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam longas

Tomam-se de enlevo, abraçam-se,
olham o céu e juram
que é cavalo, tigre, águia…leão,
até mesmo um unicórnio,
que tudo lhes deixa a paixão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam tolas
e fingem ser o que não são.






There is too much space in the air, hence the clouds that pass slowly

In the eyes that seize its colour
in the air that seizes its waves
in the body that seizes its salt
in the kiss that seizes her dawn
breathes the sea that wets her hand  

There is too much space in the air, hence the clouds that pass in white

He writes his name in sand letters,
fast, urgent as the foam.
For ever…. a heart…,
childish things, as if lovers were not
senseless beings.

There is too much space in the air, hence the clouds that pass in waiting

Enraptured,  they embrace each other 
and look at the sky and swear
that it is a horse, a tiger, an eagle… a lion,
a unicorn even
for passion thus allows

There is too much space in the air, hence the clouds that pass foolish
and pretend to be what they are not.


Note:
It is a known fact that poetry is hard, if not impossible, to translate... the lousier, the harder... so bear with me :-)




Costa de Caparica



sábado, 11 de janeiro de 2014

Cáceres, 4 de janeiro




Saio ao vento forte que empurra a manhã sobre a cidade ainda dormente. Por agora, a chuva ininterrupta que nos acompanhou desde que chegámos parece ter parado, quem sabe se para retemperar forças e cair ainda mais forte daqui a umas horas, que o céu, esse continua bem toldado.

Na rua erma, o casal de bronze, embalado pelo marulhar de folhas de palmeira e pelos primeiros chilros da passarada, teima em dançar. Para mim, que sou seu único espectador. Fazem-no para perpetuar a tradição da dança local, o Redoble, parece. Demoro-me apenas o tempo de uma fotografia e desço lesto em direção à Plaza Mayor. Quero apanhar a primeira luz sobre a pedra castanha de que se faz o centro histórico.

I go out in the strong wind the pushes morning over the still sleeping town. For now, the constant rain that has kept us company since our arrival seems to have stopped, if just to muster strength and  fall again in a couple of hours,  ever more strong, given that the sky still seems to be pretty laden.

In the empty street, the bronze couple, carried away by the murmur of the palm tree leaves and the first chirps of the birds, keeps on dancing. They do it for me, their sole spectator. They do it, so it is said, to perpetuate the tradition of a local dance, the ‘Redoble’. I stay only long enough to take a photograph and swiftly descend towards Plaza Mayor. I want to catch the first light on the brown stone of which the historical centre is built.



Cheira a pão aqui e, no café que ocupa uma das esquinas, a esplanada começa já a ser montada. Na outra ponta, um varredor esforça-se por limpar o que o vento espalhou, ao pé da enorme árvore de natal que já só há-de voltar a brilhar logo à noite, quando lhe acenderem de novo as fitas de cor vermelhas e verdes que lhe dão vida.

Só, especado no meio da grande praça, olho em torno de mim. Não com a pose garbosa, estudada, de um matador, que me não cabe, nem me encanta, mas sim com a vontade de ver que me aguça o olhar.

Aqui, no centro de Cáceres, numa fria e desagradável manhã de início de ano, não serei o único madrugador… talvez seja o único que o faz por puro prazer, no entanto.





I smell bread here and, in the café on one of the corners, the terrace is already being set up. On the  other end of the square, a sweeper tries hard  to clean what the wind has scattered about by the foot of the huge Christmas tree that will only shine again later at  night, when the red and green bands of light that make it come alive, are again turned on.

Alone, standing in the middle of the large square, I take a good look around.  Not in the proud and studied pose of a matador (which would not befit me, anyway) but expectant and eager to see.

Here, in the centre of Cáceres, in a cold and uncomfortable morning of a new year, I will not be the only early riser… but maybe I’ll be the only one to do it just for pure pleasure…