Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória
11 de agosto
Deixamos o apartamento com a tristeza do tempo que não tivemos e do muito que ficou para ver. As montanhas lá estão, o azul e o verde também… que esses têm toda vida para ali ficar.
Formigal |
As pistas verdes de ski têm agora outro tipo de utilizadoras, pachorrentas e bem-dispostas.
Mordem-nas tranquilas, indiferentes aos pequenos grupos de caminhantes que
aproveitam o bom tempo para um passeio montanha acima (como eu gostava de poder
ir agora também…)
Formigal |
Mesmo no topo fica a fronteira – El Portalet – e se o
formigal já formigava de esplendoroso, aqui os mais superlativos adjetivos
são parcos e murchos para descrever o
panorama… decididamente matéria para
interlúdio de televisão com legenda de “no comments”.
Cá do alto, de onde a Europa apagou as linhas grossas dos
mapas, que indicam que daqui se passa para ali (embora, cada vez mais, a tinta
pareça querer ganhar novo vigor…), vê-se o verde que ondula não de erva alta,
mas das suaves curvas do terreno de onde, inesperadamente, não fosse a sua
óbvia e indesmentível presença, emergem fragas rudes, ásperas, na cor e no
corte.
El Portalet |
Até onde a vista alcança é tudo assim, pontuado aqui e ali
por calmos rebanhos ovelhas e vacas.
Deixamo-nos ir, estrada abaixo, imersos em verde, sempre o
verde, agora feito de encosta leves e ondulantes, depois de bosque cerrado,
depois de prazenteiro vale, cortado aqui e ali por linhas de água e telhados de
casas.
El Portalet |
Laruns: é a hora em que as pessoas saem da padaria com
baguettes a espreitar para fora dos sacos de papel e os cafés estão cheios.
Desentorpecemos as pernas e tomamos também nós um café na pequena vila.
Laruns |
Seguimos viagem, sem parar, até Pau.
Há vinte anos que por aqui não passávamos. Lembro a visita
ao castelo, um dia relativamente sombrio e pouco mais. Nada me é familiar, no
entanto.
Está calor e estacionamos bem perto do centro. As lojas
estão abertas e ainda temos de comprar prendas para as nossas filhas, por isso,
entremeamos um bom par de horas entre
compras e descoberta das simpáticas ruas, algumas estritamente pedonais, da acolhedora cidade alcantilada sobre o rio que toma a designação de Gave de Pau.
Respira-se por aqui o mesmo ar de afluência e bem-estar que
nos tem acompanhado todas estas férias: ruas bem cuidadas, casas pintadas,
pessoas nas ruas e nos restaurantes, comércio vivo… tudo o que uma cidade
saudável deve mostrar a visitantes e moradores.
Pau |
Voltamos à estrada e às curvas, às vacas, à subida, Pirenéus
adentro e passamos a fronteira no Col de la Pierre St Martin.
Olho para o indicador do combustível….devia ter metido algum em Pau….mas é sempre a descer, já não falta muito….Isaba. Chegámos!
Instalamo-nos rapidamente no acolhedor hostal e descemos
logo porque temos de tratar do problema do combustível, (que o carro está já a
andar só a vapor de gasóleo, acho…) e porque queremos ainda aproveitar o que
resta da tarde para mais uma caminhada.
A estação de serviço mais próxima fica em Urzainki, meia
dúzia de quilómetros para baixo da Isaba. Abastecemos e voltamos a subir agora para lá de Isaba, até ao
centro da vila de Uztarroze, onde, de acordo com o pequeno mapa que nos forneceram na
receção do hostal, começa um percurso circular que nos leva pelo que há de
melhor para ver por aqui.
Uztarroze |
Argynnis spec. |
O percurso está relativamente mal sinalizado e em alguns
troços nota-se que não têm sido muitos os pares de botas que têm pisado o chão,
tamanha a densidade e altura da erva que tapa por completo o trilho. À falta de
sinalização, embrenhamo-nos uma ou duas vezes por entradas sem saída, até que
encontramos na estrada três senhoras que, como nós, passeiam, já
provavelmente aconchegadas de jantar. Indicam-nos o caminho correto e depois,
como o percurso de volta se faz por estrada, já nada há que enganar.
É calmo, o passeio, e as subidas são leves, mas embora passando
por alguns locais com interesse, não é de todo comparável aos magníficos
passeios que já fizemos nestas férias. Fica a alegria de andar, de ver e de
respirar ar limpo, daquele que faz fome…
é que são horas de jantar….
Isaba |
Descemos a pé, até ao fim da vila, onde fica aquele que, segundo as críticas que lemos, será o melhor. Entramos: mesas cheias, dá para
ver que a comida nos pratos tem ar de merecer o que dela lemos. É já aqui,
digo. Pergunto por mesa para dois. Impossível é a resposta, está cheio e o
segundo turno está todo reservado. Que tente o Hostal Lola, que também serve
refeições.
Lá vamos a pé, vila acima e, pelo caminho, passamos outro
restaurante. Procura a entrada. Está fechado….
Hostal Lola: é coisa mais fina, dois ou três andares, grande
menu aberto à entrada… subo, pergunto… não, estamos cheios, há muita gente, são
as férias, os emigrantes, etc etc.
Temos dois croissants e uma lata de atum no carro…. Se calhar
vai ser o jantar… parece impossível...
Meia dúzia de pessoas bebem um copo encostados ao muro em
frente a um pequeno café que tem mesas (todas cheias) lá dentro. Pergunto de
novo. A rapariga do bar olha-me com ar de quem não está muito para aí virada,
mas pergunta lá para dentro, para a cozinha, se ainda se pode arranjar alguma
coisa. Sim. (Estamos safos!).
Vinte minutos depois estamos a partilhar a mesa com um outro
casal, enfiando o garfo e os dentes em duas ou três tiras de Txistorra, a magnífica
salsicha aragonesa, ovos estrelados e as piores batatas fritas que alguma vez
comi. Mas tudo nos sabe a augusto pitéu…
É o nosso último jantar, fora de Portugal, destas férias…
não é lá grande climax para oito dias de absoluto disfrute de algumas das mais
belas paisagens que alguma vez percorri…
É castigo, acho: não se pode passar por aqui e ficar tão
pouco tempo….!
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