quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, 
tantas quantas me promete a memória


11 de agosto


D
eixamos o apartamento com a tristeza do tempo que não tivemos e do muito que ficou para ver. As montanhas lá estão, o azul e o verde também… que esses têm toda vida para ali ficar.



Conduzo devagar, tentando absorver tudo na memória, até o brilho do sol sobre o plano de água de Lanuza, o recorte das fragas cinzentas contra o céu, o reflexo das árvores e das casas sobre o calmo pano verde esmeralda, e sigo, sigo em frente, a subir, em direção a França, na fronteira que fica algures aqui perto a seguir à estação de ski de Formigal.


Formigal


As pistas verdes de ski têm agora outro tipo  de utilizadoras, pachorrentas e bem-dispostas. Mordem-nas tranquilas, indiferentes aos pequenos grupos de caminhantes que aproveitam o bom tempo para um passeio montanha acima (como eu gostava de poder ir agora também…)


Formigal

Mesmo no topo fica a fronteira – El Portalet – e se o formigal já formigava de esplendoroso, aqui os mais superlativos adjetivos são  parcos e murchos para descrever o panorama…  decididamente matéria para interlúdio de televisão com legenda de “no comments”.

Cá do alto, de onde a Europa apagou as linhas grossas dos mapas, que indicam que daqui se passa para ali (embora, cada vez mais, a tinta pareça querer ganhar novo vigor…), vê-se o verde que ondula não de erva alta, mas das suaves curvas do terreno de onde, inesperadamente, não fosse a sua óbvia e indesmentível presença, emergem fragas rudes, ásperas, na cor e no corte.



El Portalet

Até onde a vista alcança é tudo assim, pontuado aqui e ali por calmos rebanhos ovelhas e vacas.
Deixamo-nos ir, estrada abaixo, imersos em verde, sempre o verde, agora feito de encosta leves e ondulantes, depois de bosque cerrado, depois de prazenteiro vale, cortado aqui e ali por linhas de água e telhados de casas.





El Portalet


Laruns: é a hora em que as pessoas saem da padaria com baguettes a espreitar para fora dos sacos de papel e os cafés estão cheios. Desentorpecemos as pernas e tomamos também nós um café na pequena vila.



Laruns

Seguimos viagem, sem parar, até Pau.

Há vinte anos que por aqui não passávamos. Lembro a visita ao castelo, um dia relativamente sombrio e pouco mais. Nada me é familiar, no entanto.

Castelo de Pau

Está calor e estacionamos bem perto do centro. As lojas estão abertas e ainda temos de comprar prendas para as nossas filhas, por isso, entremeamos  um bom par de horas entre compras e descoberta das simpáticas ruas, algumas estritamente pedonais, da acolhedora cidade alcantilada sobre o rio que toma a designação de Gave de Pau.

Respira-se por aqui o mesmo ar de afluência e bem-estar que nos tem acompanhado todas estas férias: ruas bem cuidadas, casas pintadas, pessoas nas ruas e nos restaurantes, comércio vivo… tudo o que uma cidade saudável deve mostrar a visitantes e moradores.


Pau

Voltamos à estrada e às curvas, às vacas, à subida, Pirenéus adentro e passamos a fronteira no Col de la Pierre St Martin.




Olho para o indicador do combustível….devia ter metido algum em Pau….mas é sempre a descer, já não falta muito….Isaba. Chegámos!

Instalamo-nos rapidamente no acolhedor hostal e descemos logo porque temos de tratar do problema do combustível, (que o carro está já a andar só a vapor de gasóleo, acho…) e porque queremos ainda aproveitar o que resta da tarde para mais uma caminhada.

A estação de serviço mais próxima fica em Urzainki, meia dúzia de quilómetros para baixo da Isaba. Abastecemos e voltamos a subir agora para lá de Isaba, até ao centro da vila de Uztarroze, onde, de acordo com o pequeno mapa que nos forneceram na receção do hostal, começa um percurso circular que nos leva pelo que há de melhor para ver por aqui.


Uztarroze

Argynnis spec.


O percurso está relativamente mal sinalizado e em alguns troços nota-se que não têm sido muitos os pares de botas que têm pisado o chão, tamanha a densidade e altura da erva que tapa por completo o trilho. À falta de sinalização, embrenhamo-nos uma ou duas vezes por entradas sem saída, até que encontramos na estrada três senhoras que, como nós,  passeiam,  já provavelmente aconchegadas de jantar. Indicam-nos o caminho correto e depois, como o percurso de volta se faz por estrada, já nada há que enganar.

É calmo, o passeio, e as subidas são leves, mas embora passando por alguns locais com interesse, não é de todo comparável aos magníficos passeios que já fizemos nestas férias. Fica a alegria de andar, de ver e de respirar  ar limpo, daquele que faz fome… é que são horas de jantar….

Isaba
Um duche rápido no quarto e de novo na rua para procurar restaurante, que há pelo menos 4 em Isaba, segundo a internet.

Descemos a pé, até ao fim da vila, onde fica aquele que, segundo as críticas que lemos, será o melhor. Entramos: mesas cheias, dá para ver que a comida nos pratos tem ar de merecer o que dela lemos. É já aqui, digo. Pergunto por mesa para dois. Impossível é a resposta, está cheio e o segundo turno está todo reservado. Que tente o Hostal Lola, que também serve refeições.

Lá vamos a pé, vila acima e, pelo caminho, passamos outro restaurante. Procura a entrada. Está fechado….

Hostal Lola: é coisa mais fina, dois ou três andares, grande menu aberto à entrada… subo, pergunto… não, estamos cheios, há muita gente, são as férias, os emigrantes, etc etc.

Temos dois croissants e uma lata de atum no carro…. Se calhar vai ser o jantar… parece impossível...

Meia dúzia de pessoas bebem um copo encostados ao muro em frente a um pequeno café que tem mesas (todas cheias) lá dentro. Pergunto de novo. A rapariga do bar olha-me com ar de quem não está muito para aí virada, mas pergunta lá para dentro, para a cozinha, se ainda se pode arranjar alguma coisa. Sim. (Estamos safos!).

Vinte minutos depois estamos a partilhar a mesa com um outro casal, enfiando o garfo e os dentes em duas ou três tiras de Txistorra, a magnífica salsicha aragonesa, ovos estrelados e as piores batatas fritas que alguma vez comi. Mas tudo nos sabe a augusto pitéu…

É o nosso último jantar, fora de Portugal, destas férias… não é lá grande climax para oito dias de absoluto disfrute de algumas das mais belas paisagens que alguma vez percorri…

É castigo, acho: não se pode passar por aqui e ficar tão pouco tempo….!

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