quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Resolução de Natal
 
 
Não abro o presente. Tampouco o futuro!
 
 
A Christmas resolution
 
I won't open the present. Nor the future!  

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Cohen

Palavras, outra vez e só. Como se o corpo a elas se resumisse, porque dele é o que sempre resta: escritas, lidas, cantadas, ouvidas.

Palavras que se erguem em descomunal epitáfio. Graves de timbre e feitio mas tão eternamente doces como um lago no meio da floresta, daqueles que espelham uma estrada raiada de luz, entre as margens, entre as árvores, entre o ar que sustenta, lá em cima, o brilho alaranjado de um sol descente, de postal ilustrado, algures nos confins do Canadá.

Outros já tudo disseram. A mim restam-me elas, as palavras, e o que delas faz música, eterna!

segunda-feira, 31 de outubro de 2016


Mudou a hora, o dia, a noite, a luz, e, logo, até mesmo o mês.

Mas os flamingos não, nem tampouco os corvos marinhos!







Guincho (Chroicochephalus ridibundus)

Olhar a mais comum das aves é exercício bastante para invejar a desconcertante beleza do voo submerso na grandeza transparente do ar; do tal ar "onde tudo ondeia, onde tudo existe".

Eu, que não voo, olho os guinchos na calma de uma manhã solta de preocupações e pressas e, pés bem assentes no chão, procuro também a imponderabilidade. Não a do corpo, reservada a quem tem asas, antes a dos sentidos, que nos é fácil, se também nós aceitarmos que "há metafísica bastante em não pensar em nada"!



quinta-feira, 27 de outubro de 2016


Dylan
They’re selling postcards of the hanging

Nada! Desolação?, sim,  talvez,.. antes crueza, dura, zenital, mesmo genital, como a luz que espalha, em verso com tanto de cuidado quanto de inesperado, feito musica, como se as palavras não o fossem já.
Milhões de palavras, ouvidas, copiadas, ditas, cantadas, lidas. Deixadas ao ar, replicam-se; expulsam pólen; alastram e eclodem com o estrondo da descoberta para alguns e todos, pois são sempre novas.

They’re painting the passports Brown

Não dispensam audição, intuição ou reflexão, por muito que valham apenas por elas, estas palavras: lembram histórias, recusam outras, fermentam novas.

Horas a fio a ouvir é como horas a fio a ler. No exercício sensorial, consome-se a mesma matéria - a palavra – e o efeito é o mesmo: como droga, a palavra vicia, e nós procuramos, exigimos mais, sempre mais.

The beauty parlor is filled with sailors

É da palavra que se fazem as religiões também. Perigosas são pois as palavras se deixadas ao arbítrio semântico de quem as força numa direção que escolhe intento próprio, interesseiro e interessado.
Não que as palavras não possam Servir. Não há como o impedir e, na verdade, só por si são manifesto de vontade. É a leitura que deve procurar o exercício da nudez, de uma virgindade incógnita, dormente nos meandros mais sinuosos do córtex.

The circus is in town

Liberdade. Talvez a maior palavra, se nos esquecermos de “tudo”, a única que a pode incluir. De dizer, de pensar, de agir, de não querer saber, de mudar, de não mudar e de ser ou não ser… tudo, afinal, reflexo da condição de individuo e criador.
Nas linhas que se desdobram roucas, nasaladas, ao ritmo de um compasso que se serve ao poema, o que é muito diferente do seu contrário, talvez a memória; talvez a linha que nos une sem que nos conheçamos; seguramente a admiração, muita, a minha obviamente!

Here comes the blind commissioner

Parte da história, da minha história, da que eu estudei, da que eu vi, da que eu fiz, tem esta poesia por banda sonora. Como se de um gigante documentário se tratasse em que à irrelevância da trama se sobrepusesse a genialidade da poesia, que, para mim, tem o cheiro das ilhas, dos gira-discos portáteis de plástico, dos cigarros de palha de milho, do azul escuro do mar, do dia em morreu o arcaico ditador e de tantas outras memórias que se entremeiam com a descoberta púbere do essencial (qual ele seja, a seu dado momento).

They’ve got him in a trance

Mostrar ao outros é uma forma de admirar, de disseminar, talvez a mais sincera porque tal como acontece com as aves é involuntária, expelida que é como resíduo involuntário de anterior fruição.
Talvez por isso os dedos ainda exibam calos e algumas harmónicas languesçam numa qualquer gaveta  lá por casa, tomadas pela memória e pela ferrugem.

Mostrar a nós próprios é admirar ainda mais, não pela irrazoabilidade da emulação pura, para sempre condenada à vacuidade  – o que é ímpar sempre assim será -  mas pelo prazer da assimilação, da apropriação sensorial das palavras, dos significados, da sua própria articulação, da justaposição de palavra e acorde, do imenso prazer de fazer, ainda que utilizando a matéria que é de outros.

É por isso que os músicos tocam o que não escreveram sem qualquer tipo de vergonha ou remorso e tantas vezes com a extraordinária satisfação do gosto, (deles e nosso)!

Bach – Sim!
Handel – Sim!
Mozart – Sim!
Beethoven – Sim!
Brahms – Sim!

One hand is tied to the tight-rope walker

Mas é preciso estar para lá da fruição harmónica quando a palavra importa ao exercício.
Não, não falamos todos a(s) mesma(s) língua(s). Mas não é isso que me impede de ouvir um canto estranho de um país de geografia difusa e de gostar ou não. A língua, as palavras têm som, diria mesmo timbre, pois há palavras mais ou menos graves; mais ou menos suaves; mais ou menos metálicas; mais ou menos percutidas; mais ou menos sopradas; em suma: há palavras mais ou menos!

Por baixo do brilho quase soporífero da harmonia, no entanto, está a crueza nua do significado, as entranhas, o latejar visceral e primevo do texto.

Dylan – Sim!
Cohen – Sim!
Brel – Sim!
Ferré – Sim!
Afonso – Sim!
 
The other is in his pants

Este é um dos artifícios da poesia e dos poetas: insinuarem-se nos leitores e ouvidores pela essencialidade do que lhes é património. Só assim se explica que nos possamos deslumbrar com aquilo que não fizemos e que, medíocres ou remediados, nunca conseguiremos fazer.
Porque há génio.

Diremos, para consolo próprio, que cada um é bom em algo, à sua maneira; diremos depois que o génio também tem muito trabalho lá escondido; diremos ainda que os que se destacam são produto de conjugações (condicionais, conjunturais, astrais …) irrepetíveis, únicas….acasos de sorte.
E depois, ainda assim, há génio, ponto final

 And the riot squad they're restless

Era na radio. Era na raio que tocava, que se ouvia a literatura da música, quando a radio era verdadeiramente auditório e não escaparate comercial do imenso economato que nos serve de lebensraum, onde a própria música é antes de mais, e tal como o resto – oh suprema igualdade – produto e não alimento.
“Dois pontos”; Jaime Fernandes.[1] A telescola da literatura auditiva. 33 rpm, a tocar , de um lado, primeiro; do outro, depois, sem interrupções, como quando se lê, se folheia. O respeito pelo leitor, pelo autor, pela obra.

De um dia para o outro; de um álbum para outro, como promenade dos Quadros de Mussorgsky, a voz calma, timbrada, conhecedora, fazedora de uma intimidade minha, que não compartia com ninguém. A radio, aquela radio tocava só para mim. Esse o meu segredo (e o de tantos outros que da mesma forma a sentiam).

They need somewhere to go

As palavras, sós, tecem o sentido, independente de uma trama que se não descortina, se é que pura e simplesmente existe. Diletante surrealismo, divergente realidade, modelo maior de uma literatura que segue entre o facto e o nada. E se inventa, sempre, e retoma, e volta a dar e que, por tudo isso é inqualificável senão como verbo, senão como Literatura.

Há muitos anos que é assim, contínuo, sustentado, o que é mais assombroso ainda. O incorruptível teste do tempo vivido em vida, como só acontece a muito poucos, os verdadeiramente melhores de entre nós, género Homo espécie sapiens.

 As Lady and I look out tonight

Alguns outros poderiam ganhar o prémio também, que as palavras são matéria universal. Nem sei bem como se consegue inventariar uma lista, porque “todas as literaturas do mundo” é uma ordem de grandeza astrofísica e não há astrocríticos nem astroacadémicos que cheguem para compor um rol minimamente exaustivo.
Não há, mas hoje também me não importa.

Porque houve um prémio que eu, que li, que ouvi, que reli, que disse, que cantei, também quis dar

Aqui, da minha pequena mas larga janela, cortinas abertas à inquieta briza que sopra

From Desolation Row.

 




[1] Ele há coisas... Acabo de abrir a homepage da TSF, hoje, na data em que escrevo esta parte do texto e a notícia de cabeçalho é: Morreu Jaime Fernandes, provedor do telespetador da RTP.  Ergo Dois Pontos na tristeza de um ponto final.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Cotovia Montesina - Galerida theklae


Algures, num ninho, alguém espera...

In a nest, somewhere, someone waits...

quinta-feira, 16 de junho de 2016



Vulpes vulpes

Assusto-a ao sair da curva, no fim de tarde quente que se vai deitando sobre o xisto e as estevas. Ligeira,  trepa o barranco em saltos curtos e rápidos. “Perdi-a”, penso, com o indicador pousado no botão do obturador na esperança de pelo menos ter conseguido guardar uma imagem aproveitável de tão inesperado encontro.

De repente, perto do cimo, talvez persentindo-se segura (mais dois pulos e não mais a veria) para. Olha para baixo, para mim, olhos nos olhos.

E não mais deixa de me olhar enquanto galga o pouco que resta do barranco e vem por fim acoitar corpo e curiosidade no calor das pedras nuas.


Alguns minutos passam. Olhamo-nos, nada mais. Eu, seguramente, muito mais espantado do que ela, que se mantém imóvel.

Ao meu lado abre-se a porta do carro. O súbito movimento é o suficiente para lhe causar o incómodo da incerteza e, ágil, levanta-se, rodopia e desaparece por entre os caules secos das estevas.

Do outro lado da estrada, pousado na cerca de arame farpado, um abelharuco (afinal foi à procura deles que eu vim até aqui) observa atento, seguramente estranhando que uma simples raposa possa causar tanta admiração...

Merops apiaster

I startle her Coming out of the bend on the late afternoon warmth that slowly comes to rest upon schist and rockroses. Lightly, she climbs the ravine with short and quick hops. “Lost it”, I say to myself, index finger pressing the shutter button in the hope of having at least managed to get a usable image of such an unexpected encounter.

Suddenly, close to the edge, maybe feeling secure (a couple of hops more and she wouldn’t be seen anymore) she stops. And looks down, towards me, gazing at me deep into the eyes.

And she keeps on looking while climbing what is left of the ravine, finally coming to rest her body and curiosity upon the warmth of the naked stones.

Minutes go by. We look at each other. Nothing more. I much more in awe than her, who remains absolutely motionless.

To my side, the door of the car opens. The sudden movement is enough to impose upon her discomfort and uncertainty and, agile, she stands, whirls and vanishes into the dry stems of the rockroses.

By the side of the road, perched on the barbed wire fence, a bee-eater ( it was looking for them, after all, that I came to this place) attentively observes, finding it probably odd that a simple fox might be the cause for so much commotion....

terça-feira, 24 de maio de 2016

Mozart, uma vez mais. O Requiem. Cantei-o no sábado, em Torres Novas. 50 minutos de dilacerante beleza, ora grave, ora alegre, ora mesmo exultante, à memória de alguém, dos outros, da nossa, mas, para mim, primeiro que tudo, à memória dele, que os escreveu em boa parte, e à do amigo que lhe os completou.

É tão diferente ouvir de dentro, do palco, quando se canta. Confinados à disciplina das nossas vozes, perde-se a noção de conjunto, mas ganha-se na perceção dos diálogos e dinâmicas entre naipes, da construção das harmonias. As fugas, por exemplo: o Kyrie… como soa tão diferente ouvido numa gravação ou lá em cima do palco, quando as vozes femininas flutuam, urgentes, por cima da gravidade pungente dos baixos…

E ver, cá de trás e de cima, mais alto que a orquestra, é também outro enorme privilégio: o trabalho de todos, o conjunto, a concentração dos executantes,  o vai-vem síncrono dos arcos, o grito dos metais, o circunspecto ribombar dos tímpanos, as mãos que dirigem como apêndices do olhar do maestro…

E depois, quase no fim, responder à doçura implorante  do soprano com a mesma prece: “Lux aeterna, Lux aeterna”...


Há alturas em que é mesmo bom ser!

segunda-feira, 21 de março de 2016

Dia Internacional da Árvore
Dia Mundial da Poesia
(histórias de um dia que é só um,
embalado em óbvia redundância)




Se me interrogo na sombra dos teus olhos
É por saber do caminho que os leva ao óbvio:
são verdes as folhas que os refletem,
os mares que lhes dão cor,
os olhares que os invejam.

Para serem perfeitos, dou-lhes o que não lhes falta,
ou não fossem eles os teus:
e não fui eu, foi o céu que te o quis dar,
que  a luz para mim não se desnuda
e a chuva só cai para me molhar… 



sexta-feira, 11 de março de 2016

Folhas pálidas, as tuas mãos
transparentes.
A seiva vermelha
que lhes não dá cor
 - E, no entanto, ela corre! -
e as marcas, muitas
de tudo: o sol; o tempo; eu; a minha irmã;


(tu, principalmente)

como líquen
que só medra em ambiente impoluto
e leva uma eternidade a crescer!

sexta-feira, 4 de março de 2016

nos 3 anos do meu blogue, e de alguns mais de por aqui andar

Afora a  constância da vontade
e o deleite da descoberta
só já resta menos de metade
de tudo: certeza incerta…

e tampouco se me importa
desde que luz, dia e mar
me olhem por detrás da porta
e mesmo impotente consiga amar!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016


Apesar do dia,  a lua. Cheia, branca, redonda.  A subir, devagar por cima das copas velhas. O  ruído sem nome  do vento por entre  sabinas  e  carrascos acompanha, aqui e ali, um  restolhar de vida, que se pressente mas não se vê.

Faz frio.

Caminho lento na areia solta do trilho encurralado em sombra e paredes de verde. Ainda é cedo para as flores parece, apesar dos poucos e espalhados  pontos negros  de branco e amarelo que prenunciam equinócio.

Só os melros gritam. Como sempre. Os melros gritam sempre.

Mas nada nem ninguém responde (acho eu, que não sei conversar com as aves…).

Sei do mar lá ao fundo. E das pessoas que passeiam de mãos dadas ou se aconchegam numa taça de café a olhar as ondas pela vidraça, enquanto falam sem dizer palavra, consigo ou com o outro, na felicidade esquiva do fim da tarde.

Aqui, porém, não há azul que não seja o do céu e a janela é tudo. Talvez haja pessoas, outras que eu e a minha filha que me acompanha. Mas não as vemos, que o verde é muito e denso. Cruzamos pegadas de outros e sobre elas deixamos as nossas, indiferentes.

Falamos de aberturas, diafragmas, velocidades, sensibilidades…fotografia; a poética das coisas simples que se fixam na efemeridade elétrica de zeros e uns. Olhar para ver; sentir o olhar; perguntar o olhar…

E que melhor exemplo nos poderiam dar que o de um dia que  se esfuma em pinceladas ocre, e doura, a terra de siena, o cinzento eterno dos troncos dos pinheiros?


































In spite of the day, the moon. Full, white, round. Climbing slowly above the old canopies. The nameless noise of the wind blowing through junipers and oaks pays company, here and there, to a rustling of live that can be felt but not be seen.

It is cold.

I walk slowly in the loose sand of the path, trapped by shadow and walls of green. It is still soon for flowers, it seems, in spite of the few and sparse white and yellow dots that spell equinox.

Only blackbirds cry. As always. Blackbirds are always crying.

But nothing nor anyone answers (at least that’s my conviction, not knowing how to talk to birds…)
I know there’s the sea somewhere down there. And I know that there are people  walking hand in hand, or taking comfort in a cup of coffee, looking at the waves through the window panes, while talking, without uttering a word, to themselves or the other, in the fatuous happiness of the dying afternoon.

Here, though, there is no blue other than that of the sky and the window is all that can be seen. Maybe there are people, other than  my daughter – who is with me - and I. Still, we don’t see them, for the green is thick and dense. We come across footprints of other people and, carelessly, we lay ours on top of them.

We talk about apertures, diaphragms, shutter speeds, sensibility… photography; the poetics of simple things that are secured forever in the electric ephemerality  of zeros and ones. To look in order to see; to feel what one sees; to question what one sees…

And what better example could we be given that that of a day slowly evaporating in ochre brushstrokes gilding the eternal grey of the pine trunks in burnt sienna.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016




O dia morre escuro, frio, ferido pelos últimos dardos de um sol que teima em se não ver mas se pressente no sangue que suja as nuvens.


Nada nem ninguém o perturba. Só o vento. Que sobe lá do fundo, da planura, e traz o cheiro da chuva na terra antes seca e dura.

As oliveiras, essas, já tudo viram, tantas e tantas vezes que também parecem pedra, não fosse o verde perene das folhas.


Roídas pela inveja, as pedras procuram o verde e cobrem-se de líquenes e musgos na vã esperança que um dia pareçam árvore.



Indiferente, a grande azinheira estende o tapete de verde e luz sob a copa generosa: olho em redor e só me vejo.




segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Um conto de ano novo

Nuas, as árvores parecem perguntar porque meus os passos que, do fundo, lá do lado da igreja, um após outro, nos aproximam.

Nuas, as árvores ignoram-me, quando por elas passo. Tomara ter com elas o à-vontade dos melros; das folhas que delas jazem; dos cogumelos ínfimos que lhes cercam o tronco.

Nuas, as árvores parecem perguntar porque meus os passos que delas se afastam.

Calado, empurrado pelo vento, sigo célere o caminho, esperando que rápido se cubram.


A tale of new year

Naked, the trees seem to ask why mine the steps that, one after the other, from the church down at the far end of the garden, lead us closer together.

Naked, the trees ignore me when I pass them by. I wish I could feel as much at ease with them as the blackbirds do; as fallen leaves do; as the minuscule mushrooms that encircle their trunks do.

Naked, the trees seem to ask why mine the steps that walk away from them.

Silent, pushed by the wind, I resolutely follow my own path, hoping that soon  leaves come to cover their branches.