segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, 
tantas quantas me promete a memória

Journey notes stolen from a log that I haven't kept,
in parts,
As many as my memory can promise

XVII

Sábado, 10 de agosto

Entregue à condução mole, suburbana, de manhã de sábado que me leva do hotel ao centro de Bilbao, sinto a pequena alegria de estar a chegar onde me tinha imposto.

O rio, a curva, a ponte… e lá está ele.. o museu Guggenheim.  

De facto, foi nele que primeiro pensámos quando decidimos que o nosso verão de viajantes passaria forçosamente por aqui.

A vista que se obtém da ponte lateral ao estranho mas ainda assim belo corpo retorcido que Frank Gehry depositou na margem da ria que atravessa a cidade é insuperável. Terei de aqui voltar de alguma forma para fotografar  o museu, como, estou certo, milhões de outros visitantes o farão.

Estacionamos num parque subterrâneo à beira do museu. É cedo ainda. Passeamos pela avenida que lhe é fronteira e que apesar de quase deserta, respira “chic a valer”. Um bom café prepara-nos para o dia, num  estabelecimento de cuidada decoração, onde uma fileira de  magníficos exemplares de pata negra  suspensa sobre o longo balcão do bar, como de uma cortina de palco se tratasse, dialoga com as abstratas cores de alguns quadros modernaços adornando as paredes.  Enquanto bebo o reconfortante solo não posso deixar  de notar o apuro estético que sobressai dos pratos que, com cadência ritmada, vão saindo da cozinha para a zona do bar, cobertos de magníficos pintxos:  acamados em tiras de humilde cacete,  jamón, setas, huevos, anchovas, cebolla, pimiento, guindillas,  entregam-se  em felizes combinações se sabor e plasticidade. Não haverá arte mais verdadeiramente funcional (e efémera) que esta…a poesia é para comer, dizia a erudita e sabedora Natália… nos pintxos do café, leio, no mínimo, um inolvidável soneto, eu, que de poeta apenas tenho o estomago….

Um cão. Um enorme e intensamente florido cão. Puppy, Jeff Koons .  Sempre tive dificuldade na transmutação do figurativo banal em objetos de catálogo. Talvez por isso me irrite por cá todo o clamor em torno do crochet polícromo que aconchega a lagosta ou o manequim de vitrina….na proposta elevação do kitsch à dimensão do sublime…muß  es sein, Ludwig?



Fully engaged in a relaxed, suburban, Saturday morning drive that takes me from the hotel to the centre of Bilbao, I feel the petty joy of getting to my self-imposed destination. 

The river, the bend, the bridge... there it is… Guggenheim museum.

In truth, the museum had immediately popped up in our minds  when we were planning our trip and  decided that our traveller’s summer would have to pass through here.

The view from the bridge on the side of the strange and yet beautiful contorted body deposited by Frank Gerry on the bank of the river that runs through Bilbao is second to none. I will have to somehow go back here to shoot the museum as, I’m sure, millions of other visitors will have done.

We park in an underground lot in the vicinity of the museum. It’s early still. Following along the avenue that runs by its front façade we can’t help noticing that in spite of being almost deserted, it breaths posh. A good cup of coffee prepares us for the day, in a carefully decorated bar, where a row of magnificent specimens of ‘pata negra’ hams, hanging over the counter, as if a stage curtain, dialogues with the abstract colours of a few modernish paintings, adorning the wals. While sipping the conforting ‘solo’ I can’t help but notice the esthetical finesse emanating from the dishes, coming out of the kitchen in  rhythmic cadenza into the bar zone, filled with magnificent ‘pintxos’: laying atop humble slices of bread ‘jamón’, ‘setas’, ‘huevos’, ‘anchovas’, ‘cebolla’, ‘pimiento’, ‘guindillas’,  all come together in joyful combinations of taste and aesthetics. There must be no art more functional (and ephemeral) than this… poetry is to be eaten, said the erudite and wise Natália… in the bar’s ‘pintxos’ I read, at the very least, an unforgettable sonnet, I, that of a poet have but the stomach…..


A dog. A huge and extremely flowery dog. Puppy, Jeff Koons. I have always had difficulty accepting the transmutation of  everyday’s trivia into catalogue objects. That’s probably why I get irritated by all the commotion here about the polychromatic crochet that cuddles up the lobster or the shop window mannequin... the purported elevation of kitsch to the dimension of sublime . muß  es sein, Ludwig?



Puppy - Jeff Koons

Nada é o que parece, compreendo, há contextos, leituras, intenções… tudo à criação e à invenção se permite e, na verdade, só assim se pode mudar o mundo. Mas para um desprovido leitor – eu –  a evidência, a chispa que  faz abrir a boca e  dá brilho aos olhos, tem de ultrapassar a barreira da memória, do que nela guardo como inventário do dia-a-dia, do decididamente banal. Não basta reinscrever o objeto, forçar um contexto. É preciso um mínimo de algo mais, talvez a parte que se não racionaliza, quiçá o quinhão dos anjos, como sucede ao whisky que envelhece nos cascos.

E o Puppy tem-no. Decididamente. Talvez na admiração da cor que mudará ao ritmos da estações e dos esforçados jardineiros que terão de manter o pelo florido do bicho, no humor que do cão transpira, na inversão da ordem natural das coisas (afinal, são geralmente os cães que pisam os jardins…)

Entramos. Não há enchente embora sejam bastantes as pessoas que já se distribuem pelos andares e salas. O bilhete de entrada dá direito à utilização de um áudio guia. Boa ideia.

Nothing really is what it looks like -I do understand it. There are contexts, readings,  purposes… everything is allowed to creation and invention and, in due truth, this is the only way to change the world. But for an unassuming reader – me – the evidence, the flare that throws the jaws ajar and brightens the eyes has to overcome the hurdles of memory, of all that I keep in it as an inventory of my day-to-day, of all that is decidedly commonplace and dull. It is not enough to reregister the object; to force a context.  A modicum of something else is needed; maybe the part that one cannot rationalize, maybe the angels’ share, as it happens to whisky ageing in casks.

And the Puppy has it. Decidedly. Maybe in the awe inspired by the colours that will change to the rhythm of the seasons and of the hard working gardeners who  will have to maintain the critter’s flowery fur, on in the humor that transpires from the dog, in the subversion of the natural order of things (after all, it is dogs that usually step on gardens…)


We go in. The hall isn’t crowded even though many people  are already scattered through the rooms on the different levels.  The entrance ticket entitles you to use an audio guide. Great Ideia.




 Guggenhein


O rés do chão é ocupado principalmente por uma sala com uma enorme instalação:  la materia del tiempo, the matter of time.

Estranhas formas recortadas em grossas folhas de aço patinado por óxido, também ele uma representação da matéria do tempo no aço…

Uma sala adjacente explica ao detalhe com maquetas e painéis a genética  da obra, complexa  matéria de geometria e engenho

Com o auxilio do áudio-guia corremos todas as salas do piso térreo antes de subirmos para as exposições temporárias, ocupando o piso superior, uma delas - A França em guerra 1938-1947 - apela-me particularmente ao interesse.

O contraste entre a arte “oficial” de Vichy e a arte proscrita, entre a figuração neoclássica nazi e a exultante transgressão moderna. Também aqui, felizmente, a Alemanha perdeu a guerra!

Cansados pelo andar e pelo esforço de leitura, como sempre acontece em qualquer visita a um museu, retomamos o ar que circula, o lado de fora.

The ground floor is mainly occupied by a room with a huge installation: ‘La materia del tiempo’,  the matter of time.

Strange shapes cut from thick steel sheets exhibiting a patina of oxide, it too a representation of the matter of time on the steel , I reason…

In the adjoining room the genetics of the work, a complex interrelation of geometry and talent,  is explained by models and information boards.

Relying on the audioguide we browse all  rooms in the ground floor before going up to see the temporary exhibitions on the upper floor. I am particularly interested in one of them – France at war 1938-1947.

The contrast between the ‘official’ art of Vichy and the proscribed art; between the nazi neoclassical figuration and the exulting modern transgression. Here again, gratefully, Germany lost the war!


Tired from walking and from the strain of digesting what we see, as it always happens in any museum visit, we rejoin the circulating air, the outside.




Tulips - Jeff Koons


O museu é ele mesmo uma estranha e complexa escultura. Subo rápido ao início da ponte para a tal fotografia. Filmagens para uma qualquer TV de leste impedem uma vista desimpedida da ponte a enquadrar o edifício. Irritado e suado pela correria, volto para o parque ao pé do rio, onde terminamos a visita.

The museum itself is a strange and complex sculpture. I run back to the beginning of the bridge, to take that one shot. A couple of guys filming for an eastern Europe TV prevent me from getting a clear shot of the bridge framing the building. Irritated and sweaty from running, I go back to the park by the river, where we finally complete our visit to the museum.




A vista da ponte



XVIII

A cidade.

Bilbao tem um casco histórico relativamente compacto, delimitado pelo rio. É hora do calor e é sábado. Não se vê quase ninguém na rua. Uma desagradável surpresa: O zoom da objetiva que mais utilizo bloqueou e não progride acima dos 24 mm.

The city


The ancient quarters of Bilbao are rather contained, their expansion limited by the river. It is Saturday and the hottest time of the day; there’s almost no one on the streets. A very unpleasant surprise: the zoom on my most used lens has stuck and won’t go above 24mm.





Passeamos sob um sol intenso e quente, à beira rio. O teatro, a igreja de S. Nicolau. Passamos o enorme e curioso edifício do mercado. Que pena estar fechado. Os mercados fascinam-me, pela cor, pelo burburinho, pela diversidade dos produtos. Para mim são talvez o mais eloquente catálogo de um povo, de uma região.

We perambulate under the intense hot sun, by the river side. The theatre, St. Nicholas Church, the huge and curious building of the market. What a pity that it is closed. Markets fascinate me, because of the colours, of the buzz, of the diversity of products. I feel they are probably the most eloquent catalogue of a people, of a region.


O Mercado

Seguimos pelas ruas estreitas e desertas. As igrejas que passamos estão fechadas também. Sentimo-nos exaustos, do calor  e da caminhada. 

We follow through the narrow, deserted streets. The churches we pass by are also closed. We feel exhausted, from the heat and from walking.



 Voltamos ao Hotel. Uma vez mais, perdemo-nos na estrada; que interessa.. havemos de lá chegar… e chegamos, tarde. Ligo a TV, estendido em cima da cama: Pelota basca… em direto…!


Time to go back to the hotel. We get lost on the way back,  once again; it really doesn’t matter… We’ll get there… and we do, late. I turn the TV on as I lay on the comfy bed: Pelota basca… Live…!

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