segunda-feira, 31 de março de 2014

Na minha mata, o mar entra terra dentro e muda de cor.

Várias vezes por ano.


Por vezes, perde-se verde nas copas altas dos pinheiros, outras languesce roxo nas delicadas pétalas do rosmaninho, outras ainda estende-se em tapete branco e  rosa nas rosáceas  dos sargaços e das roselhas .

Mas, por estes dias, dá-se à terra uno, em preia-mar de amarelo.


Cá de cima, do alto, da curva da estrada, até onde a vista alcança, depois de passar o segredo das dunas, recobra num último folego e explode em espuma de sol, que tudo cobre e tudo tapa.

Na minha mata, o mar conta destas histórias e tudo é seu. Até a luz, até o amarelo, até as acácias.




In my wood, the sea overruns the land and changes colour.

Several times a year.

Sometimes it vanishes in green through the high canopies of the pine trees, other times it subsides in purple, dormant in the delicate petals of the rosemary, while others still it spreads out in the white and pink carpet of the cistus.

These days, though, it gives itself to the earth in a high tide of yellow.

From up here, where I stand, on the high bend of the road and up to where the eyes can see, after overwhelming the secret of the dunes it conjures a last breath, only to explode in a foam of sun that covers everything in sight.

In my wood, the sea tells this kind of stories and it owns everything. Even the light, even the yellow, even the acacias.


sexta-feira, 28 de março de 2014


Fiel dia que me subtrais à lentidão das horas mortas
Conta-me o sol.
Diz-me o que esconde o ramo,
Que histórias de cor e luz incham o gomo
Que perfumes, que inesperadas formas.
Diz-me tudo!

Quero sabê-lo antes das abelhas!

Faithful day that evicts me from the slowness  of the dead hours
Tell me the sun.
Tell what  is hidden in the branch
What histories of colour and light swell the bud
What perfumes, what unexpected shapes.
Tell me it all!


I want to know it before the bees!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Dia Interacional da Árvore
Dia Mundial da Poesia
(histórias de um dia que é só um,
 embalado em óbvia redundância)


Da grande árvore cortada cerce
ainda brota a sombra que recordo,
agora que tudo abarca o sol.

Talvez no fim do dia
se ouça fremir a passarada
e se agitem vivas as folhas
no cinzento morno da rua

como quando olhei para o outro lado
e te vi feliz. Estavas lá, não estavas?


The big fallen tree
still exhales the shadow I recall
now that the sun drenches everything in sight


maybe, by the end of the day,
we'll hear the racket of the birds
and the leaves will come alive
in the dull grey of the street


just like when i looked to the other side
and saw you, happy. You were there, weren't you?

quinta-feira, 13 de março de 2014

Silenceto

Tenho um silêncio que te não dou
- poderias pensar atrevimento –
digo-te antes do que sou, do que não sou
(tu não estranhas e eu cá me aguento…)

Que sim…, que concordas…. que também
tal pensas …, é isso mesmo…, é bem verdade
tudo se sabe,  que é como dizem:
culpa do  tempo… crise de idade.

Aquiesço, alheio, no resguardo da conversa
que mesmo oca é teto, assegura … dá abrigo.
O que quer que digas, não me interessa

Ouvir-te é fado, parece castigo
mas silêncio não! É letra impressa!
é coisa de ouro,  só para amigo!


I have this silence that I won’t give you
- you might think I have a lot of a nerve… –
so I tell you about what I am, and what I am not
(you won’t find it strange and I can well live with it…)

Of course… you  agree, you feel
the same  about it… quite right… absolutely…
the truth always surfaces, just as they say:
blame it on the weather… age crisis.

Absent minded, I consent, sheltered by the conversation: 
even if hollow it is a roof, it reassures and protects.
Whatever you say it doesn't matter the slightest to me

To hear you is a fatality, almost punishment.
But silence is different! It is written word!
It’s precious as  gold, only meant for friends.

Note: again, translated only for the sake of  providing a meaning to the words. All the rest is a lousy exercise of  poetry and as such unsuited for translation

terça-feira, 4 de março de 2014


No vento que sopra forte e varre a escarpa onde, a custo, ferro as botas e o olhar, sopra também a consciência de que nada é mais o que acabou de ser. Óbvia constatação, adequada no entanto, agora que a linha cruza uma vez mais o buraco da agulha para fechar o ponto e rematar a última casa do calendário.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, empurra-me para terra, quando eu anseio  por mar.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, é o mesmo que antes afastou a erva alta que escondia a graça de uma  orquídea solitária.


O vento que sopra forte e varre a escarpa invoca a música dos que há pouco me deixaram a sala para sempre esgotada: Lou Reed, Pete Seeger, Paco de Lucia.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, traz a lembrança do que há-de passar. Eu, levado por ele, olho para trás, para o que foi...

Levarei um ano certo de escrita e muitos outros de idade, quando fechar a entrada de hoje. Na verdade, efemérides completamente irrelevantes para a história da humanidade, mas recheadas de sentido para a história do homem, quanto mais não seja pelo que uma delas implica de subtração ao total vital estatisticamente consagrado.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, deixa-me a sós com a memória.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, de tanto o ouvir,  sabe-me a paz!

The wind that blows hard and sweeps the cliff where I struggle to plant both boots and sight, carries the conscience that nothing is what it just was an instant ago. An obvious, albeit fitting, observation,  now that the thread runs once again through the hole in the needle, for the last ending  stitch in the calendar.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, pushes me to shore, when I long for sea.
The wind that blows hard and sweeps the cliff is the same that has just blown the tall grass aside to reveal the gracefulness of a solitary orchid.

The wind that blows hard and sweeps the cliff invokes the music of those that have just left me forever with a sold-out room: Lou Reed, Pete Seeger, Paco de Lucia.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, carries the remembrance  of what there is to be.  Gusted, I look back to what it was….

Exactly one  year of writing and many more of age will I be carrying when I close today’s entry. In all, both are celebrations absolutely irrelevant to the history of mankind, although meaningful to the history of the man, if not for the fact that one of them  entails a subtraction to the statistically admitted  vital grand total.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, leaves me alone with my memories.

The wind that blows hard and sweeps the cliff,  is relentless and to me it spells peace!