segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 Rota Vicentina

2ª parte


Sines - Porto Covo - 30 de setembro 2024


Dizem que se não deve deixar as coisas pelo meio. Particularmente as que nos dão prazer, acrescento.

De qualquer forma, desde o início que tinha estruturado a minha caminhada pelo Trilho dos Pescadores em dois blocos, o primeiro correspondendo, grosso modo, à parte Algarvia do trajeto e, o segundo, à sua metade Alentejana.

Tinham já passado os meses do calor desde que fizera a primeira parte do percurso e estava, pois, na altura de iniciar a segunda parte, para concluir mais esta minha incursão nas grandes rotas.

Esta separação temporal deu-me também ocasião de preparar as coisas com calma e sem sobressaltos no que respeita a alojamentos (que reservei com bastante antecipação), já que estava ciente que quanto mais perto da data prevista quisesse reservar dormidas, mais dificuldade teria em fazê-lo, uma vez que o Trilho dos Pescadores está definitivamente nos planos de muitos caminhantes europeus, como tive oportunidade de in loco constatar, o que faz com que todos os hosteis por que passei (com exceção da pousada do Almograve) estivessem com a capacidade esgotada.

Verificado uma última vez o conteúdo da mochila à saída de casa, entrei para o carro para apanhar boleia da minha consorte, de quem me despedi à beira de uma bica e da paragem do autocarro no Centro Sul. 7h45, esta a hora que aparecia no bilhete da Rede Expresso, para a passagem do autocarro vindo de Lisboa que me levaria até ao início da minha aventura pedestre, em Sines. Segunda-feira....já era de esperar, bastava olhar para a fila interminável de tráfego semi-parado em todos os acessos da grande rotunda, para perceber  que a saída seria uma pouco mais tardia.

Por fim, o azul da pintura do autocarro lá apareceu a começar a descer a rua e uns dez minutos depois iniciava, finalmente, o meu transporte até à cidade que viu nascer o Gama das Índias.

Quilómetro após quilómetro de auto-estrada sucederam-se a bom ritmo, sem outra demora que os vinte minutos que foram gastos a percorrer os quinhentos metros até à entrada na mesma, sob o azul de um céu despovoado de nuvens e onde um sol franco, mas não exageradamente quente, brilhava, como prenúncio de resto de agradável jornada.

Sines, por fim, e a saída numa paragem no meio da rua, igual em espírito e função àquela onde iniciara o trânsito. 10h20. Mochila bem assestada nas costas e, passo após passo, lá iniciei o meu caminho. Por hoje, Porto Covo; em cinco outros dias, Aljezur, para poder depois dizer que também eu tinha completado o Trilho dos Pescadores, um dos trilhos de costa mais famosos do mundo, consoante me foi dado ver em algumas páginas internet dedicadas ao tema.

Descer até à borda de água, como que sugado pelo azul  do mar e do céu, que contrastava em absoluto com as brancas paredes da cidade Alentejana. De um lado o castelo e o porto, do outro a estrada e as arribas quase infinitas que procurava. Mas primeiro era preciso  chegar até elas e ao início oficial do caminho, cerca de oito quilómetros mais à frente, na praia que um dia foi de águas quentes, mas que agora, depois da desativação da central termoelétrica, alimentada a carvão, arrefece os corpos dos banhistas na mesma medida das outras que se lhe seguem ao longo da belíssima costa alentejana.

Esta ligação entre Sines e São Torpes, assim se chama a praia de que escrevo, local onde o trilho tem oficialmente início, preocupava-me um pouco; ao ponto de, uns dias antes, ter ligado para a GNR local para perguntar se era possível fazer a ligação a pé entre as duas localidades. De facto, ao preparar o caminho, vi nas imagens do Google Earth/Maps que parte da ligação seria feita naquilo que parecia uma autoestrada, identificada como A-26, o que, teoricamente impediria a minha passagem a pé. O agente que me atendeu, no entanto, descansou-me, informando que poderia fazê-lo, mas que conviria estar bem identificado. Tinha pois a resposta, mas ainda assim, não me sentia muito à vontade, uma vez que a a estrada apresenta mesmo perfil de auto-estrada, com separador central e tudo. Uma vez lá chegado, no entanto, pude constatar que há uma ciclovia numa das faixas, bastante larga, e apenas num pequeno troço de algumas centenas de metros, onde a ciclovia já não existe, a berma é mais estreita. Nunca  me senti de alguma forma em perigo e, ao ritmo da minha passada sobre o asfalto, lá concluí a primeira parte da etapa, até chegar ao parque de estacionamento da praia de São Torpes, onde o placard informativo do trilho marca o seu início.

Primeira paragem também para retirar da mochila o protetor solar e proteger os braços e cara, que o sol estava no seu ponto mais alto e, se bem que a temperatura fosse agradável, a falta de proteção traria por certo consequências avermelhadas.

Sentia-me bem, física e mentalmente, pronto para a parte verdadeiramente interessante do desafio, agora que estava prestes a largar o asfalto. Sabia-o por vezes duro, em razão da areia solta que teria de calcorrear em grade parte dos quilómetros que me esperavam pela frente, mas confiava-me também à altura das exigências e a paisagem em que me iria embrenhar, mais do que compensaria  o suor que estava disposto a largar para a conhecer.

"Que raio", pensei, "mas o alcatrão não acaba?" Parecia que não....na verdade, ainda tinha mais quilómetro e meio pela frente de tapete cinzento até, finalmente, a sinalização do trilho me mandar virar à direita para cima das arribas que, agora sim, começavam a ganhar alguma expressão.

A primeira coisa que notei, mal entrei  no piso de areia e terra batida foi o cheiro. O cheiro doce a tomilho, a funcho do mar e a iodo, o cheiro do mar e da terra que lhe é irmã. Tão diferente do desagradável cheiro a gás que pairava uns quilómetros mais abaixo, por sobre a cidade e nas suas mais imediatas cercanias.

A maré ia vazia, por isso, sempre que pude, fiz o caminho pela borda do mar, evitando assim algumas centenas de metros de areia solta, embora, por vezes, a areia na praia não apresentasse também a consistência que torna o passeio ao lado da linha de água tão fácil quanto agradável.

Algumas paragens para as inevitáveis fotografias e eis-me chegado a uma praia cujo nome não fixei onde encontrei, a fazer o mesmo que eu decidira ai fazer, ou seja, almoçar, a única outra pessoa com que me cruzara até então, com sinais óbvios de estar, como eu, a percorrer o trilho.

Tinha começado a tirada já tarde, quase às 11 horas, por isso seria normal não encontrar muita gente,. Por outro lado, muitos caminhantes optam cor iniciar o trilho diretamente em Porto Covo, eliminando a pequena tirada de 10 km desde São Torpes, talvez porque a segunda, até Vila Nova de Mil Fontes, seja dura e tenha 20 km, pelo que juntar as duas será pouco recomendável. No entanto, se aos 10 km da etapa juntarmos, como eu fiz, os 8 da ligação, ficamos já com uma extensão considerável a conquistar no primeiro dia.

Recomposto com as sandes e os iogurtes que levara de casa, fiz-me de novo ao caminho e não tardou que divisasse ao longe, mas cada vez mais perto, a silhueta familiar do pequeno farol de Porto Covo, que me anunciava o fim da etapa.

Chegado à vila, com cerca de uma hora e meia ainda de espera até às 15h30, hora de check-in, aproveitei para descansar um pouco num café com a companhia da inevitável e gelada cerveja sem álcool, fazendo tempo até que os correios locais e papelaria abrissem para poder comprar o habitual postal prova de conclusão da etapa que gostava de conseguir enviar.

Por fim e depois das compras para o jantar e dia seguinte, lá me dirigi ao hostel onde fiquei o resto do dia a descansar, depois da habitual rotina do banho e lavagem de roupa e antes de uma saída de fim de tarde pela vila, para desentorpecer o corpo e gozar as vistas. Estava concluído o primeiro dia. E que bem que correra...



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Sines, o branco das casas, o mar e um petroleiro ao fundo, ou não fosse este o local do nosso único porto de águas profundas.

Percebe-se que, como na canção do Carlos Mendes "O verão já terminou"... não fora assim e o areal por certo que estaria menos desocupado...

Tanques, tubagens, cheiro a gás, por aqui, tudo nos lembra que Sines é crucial no abastecimento energético ao nosso país


Caminhos que se cruzam... bom caminho, para aqueles que o seguirem até Santiago.

A velha central a carvão, agora desativada, que será que dali sairá... 

Qual apeadeiro, ou estação, o velho restaurante anuncia a chegada... São Torpes, não há que enganar!...


enquanto o placard, do outro lado da estrada, marca o início da caminhada....

... que será toda feita no "Parque natural do Sudoeste Alentejanos e Costa Vicentina" como desde logo somos avisados. 

A famosa e ex-tépida praia de São Torpes...

... e as primeiras rochas do caminho...

...que por enquanto se faz no asfalto até se passar para as arribas umas centenas de metros depois desta curiosa casa à beira da estrada.

A maré vazia, e algumas centenas de metros percorridos ao longo da linha de rebentação...

... entremeando com rochas...

... e lagoas, por altura da Praia da Foz (?)...

... perdendo o olhar nas sempre curiosas diferenças de cores e estruturas das rochas...

... que afloram na areia.

Finalmente houve que subir a arriba...

... para desfrutar de uma vista que, em declinações várias, me acompanharia muitas vezes ao longo da semana.

Por fim, Porto Covo, e o descanso no fim da etapa, agora que se consegue passear por aqui sem a multidão que no verão por aqui pulula....

não me despedi sem, no entanto, deitar uma última vista de olhos ao pequeno farol de que tanto gosto...

...e à Ilha do Pessegueiro, que no dia a seguir me serviria de farol também, para a primeira parte do caminho até Vila Nova de Milfontes.











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