Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória
Journey notes stolen from a log that I haven't kept,
in parts,
As many as my memory can promise
7 de agosto
O sumo de laranja, fresco e doce, empurra a matinal torrada
que mastigo com gosto. “Em Roma, sê romano”; atento à máxima que sempre me
pareceu avisada, barrei o pão não com a habitual manteiga, mas antes, como por
aqui se faz, com uma fina camada de tomate liquefeito, temperado depois com
sal e pimenta e adoçado com um fio de azeite.
Talvez por pouca torra no pão; talvez por excesso de líquido
na tomatada, o miolo, que queria crocante, ensopou-se do vermelho fruto, a
ponto de levar à boca algo que se aparentaria mais em textura com uma açorda
que com uma matutina tosta.
Erro de principiante, certamente. A meu lado, no buffet,
observo alguém que me ilustra numa seguramente menos húmida variação do
costume: torrada pousada sobre o pires, corta um tomate ao meio e esfrega uma
metade na crosta do pão, que, depois, humedece igualmente com um fio de azeite.
Já comi o suficiente, por isso experimentar esta sensata
variante do Pa amb tomàquet (como por aqui se chama a coisa) ficará para outro
dia. Por agora é tempo de um último café, de carregar o carro e tomar a
estrada.
Lérida fica rapidamente para trás, que as estradas são
excelentes, e o dia está bom para conduzir: mais fresco ainda que solarengo.
Não são muitos os quilómetros que temos pela frente até ao
destino final: Pas de la Casa, na extremidade oriental de Andorra.
Tomamos a estrada por caminhos já conhecidos até passar Balaguer.
Terras de cultivo, à esquerda e à direita num extenso planalto, antecâmara
plana das montanhas que ao fundo se insinuam contra céu, istmo da península e
da minha insaciável vontade de percorrer caminho e ver; Pirenéus, nome
magnificamente sonoro. Não é preciso sequer saber que, como tantos outros nomes
de sonoridade quasi-sinfónica, o devemos ao Grego, língua que,
paradoxalmente, pelo menos na versão
moderna, me soa despudoradamente agreste, desconforme, sibilante.
Castelo de Montsonis, 2 km, diz a tabuleta…. Não há que
resistir; de resto, a tirada hoje nem é muito grande. Mais que um castelo,
Montsonis é uma pequena vila, recuperada para turismo, ainda é cedo e pouco há
para ver, que a igreja está fechada e apenas dois turistas tomas o pequeno
almoço no restaurante que serve também de sala de venda de alguns produtos
locais. Demoramo-nos o suficiente para um café e uma passagem pela casa de
banho e voltamos ao caminho, em direção às montanhas que se insinuam no
horizonte.
Castelod e Montsonis |
Castelo de Montsonis |
Algures à frente a estrada desce de novo em direção ao rio, a nova represa, a barragem de
Rialb, que abandonamos por alturas de Oliana
onde tomamos o caminho para a ermida de St. Andreu, erguida no topo de um morro
e onde deparo com curiosos pórticos de metal decorados com dragões e flores.
Subo à ermida e galgo o topo do morro. Do outro lado do vale, outra ermida, erguida ainda mais alto, sobressai
na perda cinzenta e nua da montanha. É a ermida de Mare de Deu de Castell-Llebre, leio mais
tarde.
St. Andreu de Oliana |
Afinal a barragem de há pouco é parte de um sistema de
barragens, porque aqui, em Oliana, o rio também está represado numa estreita
garganta que ambas as ermidas parecem guardar como permanentes sentinelas.
Mare de Deu de Castell-Llebre |
Seguimos em frente sem parar. Combinamos fazê-lo mais à frente, em Seu de
Urgel, para almoçar e passear pela vila,
última povoação de relevo antes de se entrar em Andorra, e cujo Bispo é, desde
a idade média, um dos seus dois co-príncipes administradores, cargo que
partilha com o presidente da República Francesa, numa confusa e inesperada
mistura entre regimes, por definição, antagónicos.
Seo de Urgel é um mimo. Uma curta visita, pela hora do
calor, permit concluir que por aqui se vive bem, sem pobreza nem indigência,
que o turismo muito deve ajudar. O turismo, os desportos de inverno, e a
canoagem, em particular o kayak, que tem um campeonato do mundo aqui aprazado, para muito em breve. .
Seu de Urgel
As ruas cuidadas, com comércio vivo, e as curiosas pinturas
das casas com cores fortes e contrastadas, tudo transpira bem-estar…
Seu de Urgel |
Uma exposição de pintura de paisagens ocupa a sala de exposições de St Domenech. Outro achado. Hiperrealismo em 2 e 3 dimensões. Paisagens simples, ruas, portas, janelas, tudo com um domínio superior da cor e da composição. Como é bom ser assim surpreendido.
O artista está presente. Desenha em caderno, para passar o
tempo, que os visitantes não são muitos, pelo menos por agora. Cumprimento-o e
agradeço a oportunidade de privar com tão deslumbrante arte. Peço-lhe um
autógrafo num postal da exposição que simpaticamente me deu e que vou
emoldurar, para a parede das melhores lembranças.
Andorra. Centros comerciais e um posto de alfândega do outro
lado da rua, avisam que já chegámos.
Passamos Andorra a velha e a estrada sobe, sobre sempre; Fazemos contas aos quilómetros que jà andámoss, continuamos a subir, passamos mais povoações toda oferecendo o mesmo: lojas e hotéis, que o ski não se dá bem com o verde do verão. Desconfiamos que estamos perdidos. Perguntamos num posto de gasolina e esclarecem-nos que o nosso destino Pas de la Casa fica a quilómetros apenas; depois da curva, já se deve ver.
Passamos Andorra a velha e a estrada sobe, sobre sempre; Fazemos contas aos quilómetros que jà andámoss, continuamos a subir, passamos mais povoações toda oferecendo o mesmo: lojas e hotéis, que o ski não se dá bem com o verde do verão. Desconfiamos que estamos perdidos. Perguntamos num posto de gasolina e esclarecem-nos que o nosso destino Pas de la Casa fica a quilómetros apenas; depois da curva, já se deve ver.
De repente uma manada de cavalos atravessa-se numa das
muitas curvas da estrada. Não posso parar e fico com inveja do motard que, esse
sim, parou e faz festas a um cavalo ternamente enrolado no seu pescoço.
O empregado da bomba tinha razão, Pas de la Casa fica já
ali, numa saída pela direita da estrada principal. Os apartamentos, onde iremos
ficar 3 noites também.
Pas de la Casa |
O primeiro contacto com o apartamento não é dos mais
animadores. Embora limpo, tudo nele - da tinta das paredes aos utensílios
velhos e gastos de cozinha - transpira logística de viagem de finalistas….mas
está um dia ótimo e não será o azul
pardacento da parede ou a fechadura com sinais de ter um dia sido arrombada, ou
até mesmo a janela que teima em não fechar, que nos vai indispor contra a vida
(que não contra a rececionista a quem
comunico o meu desconforto pela janela com o trinco avariado e que me promete
que ainda no dia alguém a arranjaria… - aposto que, ainda hoje, vento e dia entram por ela, sem pedir qualquer tipo de
licença….).
Não nos demoramos no apartamento mais do que o necessário para
nos instalarmos. Queremos aproveitar o tempo e dar um pulo a Andorra la Vella. Faz
mais de 20 anos que lá estivemos e apenas tenho a memória de uma espelunca
infecta, que se oferecia como parque de campismo e que não passava de um
lote de estacionamento com um bloco sanitário pouco recomendável, e de uma rua
íngreme cheia de lojas de um lado e de outro. Pelo que vi no caminho para aqui,
de então para cá, as coisas mudaram em volume, que não em substância… a ver
vamos.
Tomamos a longa descida que nos leva do Pas de la casa a
Andorra la Vella e, despreocupado agora que já não procuro caminho, absorvo a
deslumbrante paisagem que se oferece de ambos os lado da estrada, com montanhas
e vales espraiados por uma infindável paleta de verdes, entrecortada pelos
castanhos, vermelhos e cinzentos das casas das várias localidades que se
desenvolveram ancoradas em estâncias de ski, por estes dias irrevogavelmente
vazias dos amantes da neve.
Andorra é o que era, já o disse, mas agora em grau
superlativo. Por toda o lado lojas e centros comerciais anunciam consumo, em
particular álcool, tabaco, mas também medicamentos, tecnologia… marcas, marcas,
marcas….
Não obstante, tirando cigarros e copos, produtos de alto
tributo acrescentado, nada há que me pareça substancialmente mais barato do que,
por estes dias, se oferece a qualquer
consumidor com acesso a um computador e uma ligação à internet.
Duas horas depois de chegará cidade, estamos exaustos.
Apesar do esforço, e do tempo perdido calcorreando andares de centros
comerciais e ruas e ruas de lojas, não comprámos nada. Não há nada de novo ou
suficientemente interessante para justificar a compra. Ficamo-nos pelo bom álcool
e por uma cuvette de bifes para o
jantar, que já vão sendo horas de voltar para casa e descansar as pernas, que
nos sentimos mais cansados que se tivéssemos feito uma boa caminhada pelas
montanhas, objetivo que guardamos para o dia que aí vem!
De volta a casa, os cavalos já não estão na estrada, mas ainda
se veem um pouco mais acima da encosta. A tarde vai longa e, de França, vêm
nuvens que engolem já uma boa parte do vale a seguir a Pas de la Casa…. o tempo
vai mudar….
Pas de la Casa |
Sem comentários:
Enviar um comentário