terça-feira, 28 de janeiro de 2025

 GR11-E9 (Parte 9) - Porto - Espinho - Ovar

Etapa 2 - Espinho - Furadouro - Ovar

25 de Janeiro de 2015


GR11-E9 (Parte 8) - Praia do Guincho - Cabo da Roca - Praia Grande

GR11-E9 (Parte 7) - Oeiras - Praia do Guincho

GR11-E9 (Parte 6) - Cacilhas - Oeiras

GR11-E9 (Parte 4) - Trafaria - Cacilhas

GR11-E9 (Parte 3) - Fonte da Telha - Praia do Meco

Gr11-E) (Parte 2) - Praia do Meco - Cabo Espichel 

GR11-E9 (Parte 1) - Trafaria - Fonte da Telha


O descanso dos justos... depois de uma noite, na véspera, em que tive de acordar pouco passava das 4, pude agora dormir umas boas oito ou nove horas, coisa que é para mim uma raridade. A verdade é que me sentia retemperado e totalmente disponível para mais um dia de caminho e queria sair o mais cedo possível, primeiro porque gosto de começar sempre antes do nascer do sol e depois porque prefiro ter tempo de sobra no final do dia, a andar preocupado com a eventualidade de perder esta ou aquela ligação de transporte.


Não obstante, a preocupação com o tempo e com a chuva, que todas as informações meteorológicas que consultei garantiam, obrigava-me a coordenar a saída com os intervalos de menor intensidade nas previsões horárias. Para mais, durante a noite tinha dado por vários episódios de  chuva muito forte na rua e não quereria por certo ser apanhado por algum.

Considerados os vários cenários, por volta das sete e vinte, assomei-me à porta da rua, convencido que estaria a chover, só para verificar a intensidade da dita, apenas para descobrir que embora tudo estivesse molhado na rua, não chovia de todo. 

Não pensei duas vezes, a mochila estava arrumada de véspera, a bateria do telefone carregada e a garrafa de água já estava guardada. Só me faltava mesmo calçar as botas e vestir o impermeável, pelo que, minutos depois, fechava já a porta do exterior do alojamento, mesmo à beira da praia em Espinho, e seguia caminho para sul no lusco-fusco de uma manhã húmida, mas bastante mais quente que a do dia anterior.

A primeira preocupação era a do costume: encontrar um café.... felizmente não demorou muito. Lá dentro (e também cá fora) vários pescadores, debicavam cafés enredados não em redes mas na análise exaustiva das consequências da contratação de um novo treinador para o Futebol Clube do Porto, assunto que, por certo, considerando a intrínseca e complexa abrangência, daria para preencher o dia todo,  impedidos que estavam de sair para o mar pelo alerta amarelo de agitação marítima que se encontrava em vigor.

Tendo ficado a saber que o homem (nunca é a equipa que ganha, curioso, é sempre o treinador.. também é sempre ele que perde... enfim, justiça seja feita....)  tinha ganho não sei o quê no Equador, saí para o deserto de uma rua, embalada pelo constante marulhar das ondas e juncada de poças de água deixadas pelas chuvadas da noite.

Uma grande chaminé  e um largo chamam-me a atenção e a fotografia. Vejo agora que ali reside o fórum arte e cultura de Espinho. Que pena não ter visitado.

Talvez a maior desvantagem destas minhas caminhadas seja mesmo o chegar aos sítios de pernoita muitas vezes com tempo mas sem estamina para a exploração local. Na verdade, depois dos quilómetros acumulados nas pernas, estas pedem respaldo horizontal, na antecipação de nova solicitação no dia seguinte, enquanto lá fora poderá haver um mundo de coisas por descobrir.... Dizem que nunca se deve ver tudo, para nos obrigarmos a voltar... deve ser por isso...

Um novo passadiço começa aqui no final da marginal da praia: "Ecovia Litoral de Espinho, 12 km de extensão", diz o placard informativo à entrada. Dois pequenos grupos de corredores passam por mim direitos aos passadiços também e o barulhos dos seus passos na madeira faz-me lembrar uma curiosa e compassada marimba, em decrescendo, à medida a que se afastam.

O sol vai começando a romper do meu lado esquerdo, por entre as nuvens cinzentas mas rasgadas por largas manchas do que agora começa a perceber-se azul. Bendigo a sorte... se tudo continuar assim, talvez me consiga safar sem apanhar chuva.

Esta eventualidade torna-me mais consciente para um pequeno desconforto que vou acrescentado nos pés. Optei por trazer umas botas impermeáveis ainda não totalmente "feitas" ao pé, que as do par que habitualmente uso nestas condições já deixavam entrar água e areia pelas juntas, de tão batidas estarem.
Estou a pagar por isso: não tenho bolhas, mas sinto alguma assadura na sola do pé, na almofada do metatarso, e o desconforto, naturalmente, vai aumentando com as passadas.

Dunas de um lado,  mar do outro, é assim ao longo de vários quilómetros, sem outra história que o simples e despreocupado desfrutar do dia. Uma pequena construção a lembrar no formato hexagonal a capela do Senhor da Pedra, vai-se tornando cada vez mais nítida, até que me encontro à sua porta, na praia de Paramos. É a capela de Nossa Senhora da Aparecida, reedificada em 1927 (não encontro referência anterior a esta data).

Se dizem ser a praia de Paramos, eu não paro, e sigo em frente, retomando de novo os passadiços que, a partir daqui, fazem parte do conjunto dos "Passadiços da Barrinha de Esmoriz", os quais permitem um agradável passeio circular pelas dunas e entorno da lagoa salobra de Paramos. 

Sem dúvida que um dos atrativos destes passadiços é a travessia da bonita curta ponte de madeira sobre as águas da lagoa, de onde se avistam os apoios de outra travessia que terá existido no local até meados do séc. passado.

Esmoriz. Os típicos barcos com formato de meia-lua nestas praias usados na arte xávega começam a ser visíveis aqui e ali, seja em bronze, numa rotunda, ou em madeira, acabadinho de repintar ou mesmo novo, como este que encontro um reboque ao pé da praia.

Mais à frente, Cortegaça. Curiosos corações encrustados nas pedras do paredão, refletem como espelhos o sol que agora brilha forte. O mar, revolto e convulsivo, vomitou para o areal golfadas de espuma clara que lembra detergente. Não resisto a ir até lá abaixo tirar uma fotografia.

Os passadiços acabam aqui; de agora em diante apenas o pinhal que envolve a base aérea nº 8 de Maceda e o seu aeródromo.

É por uma estrada de areia nele aberta que sigo agora, bendizendo a chuva forte que caiu na véspera e compactou o solo granuloso, tornando-o numa base suficientemente robusta para suportar a passada sem que as botas nele se afundem.

Não deixa de ser curioso: estou a 50 metros do mar, mas não o vejo, não porque os altos pinheiros me tapem a vista, mas sim porque uma cortina densa de acácias se interpõe entre as linhas do meu olhar e da costa. Com óbvios sinais de já ter sido cortada, a mata densa desta irritante invasora australiana tudo tapa, progredindo agora para dentro do próprio pinhal e nele ocupando tudo o que é espaço livre. Uma verdadeira praga. O chão, por seu lado, encontra-se também coberto de outra infestante, desta vez sul-africana: o ubíquo chorão.

Atravesso o pinhal que, por uma ou duas vezes, é também entrecortado perpendicularmente por estradas de acesso à praia. Já não muito longe do final do pinhal, decido abeirar-me da praia e tentar fazer os últimos quilómetros sobre o areal, para variar um pouco a paisagem.

Péssima opção: na zona onde se pode andar, a areia é relativamente mole e, consultado o telemóvel, verifico que a maré está ainda a subir, o que, considerando o estado geral de agitação marítima, não recomenda que me aproxime mais da zona molhada. Decido voltar para a trilha original, tendo como único resultado desta minha tentativa o acrescento de umas boas centenas de metros ao caminho,  pisados na sempre desagradável areia mole... quem não arrisca, não petisca, é certo, mas, às vezes, não se petisca, mesmo arriscando....

O  termo da looooonga reta que atravessa o pinhal vislumbra-se, por fim. Faço a curva na direção da praia encostado ao muro que resguarda o limite norte do parque de campismo do Furadouro e com ele sigo, mesmo depois de infletir para sul, até que o caminho se abre para um terreiro de onde se vê já a infraestrutura de apoio da Praia do Furadouro, para onde me dirijo.

Tecnicamente o caminho pela costa, para mim, acaba hoje por aqui. Agora, terei que seguir para este, a direito, em direção a Ovar e à sua estação de caminho de ferro, onde apanharei o comboio para o Porto, para iniciar o regresso a casa.

Um posto de informação turística é a oportunidade para acrescentar mais um carimbo no meu caderno de viagem e, um pouco mais à frente, aproveito para me sentar um pouco num café para me consolar com uma boa chávena do dito e uma garrafa de água, que bebo de uma assentada, sedento e acalorado por dentro que estava.

Retomo o caminho pela longa reta entrecortada por uma ou outra rotunda que me levará a Ovar. Pelo meio, paro numa grande frutaria onde compro uma magnífica e sumarenta laranja, com que me delicio enquanto avanço no passeio de uma estrada bordejada a moradias de ambos os lados.

Por fim entro em Ovar, a cidade que me recorda  o carnaval na televisão, ilustrado com grandes planos das mocinhas com a pele eriçada de frio enquanto o chuvisco ou mesmo a chuva forte e um frio de rachar abençoam a tão portuguesa e tropical escola de samba, aprumada anualmente para o desfile "faça chuva ou faça sol".

Aqui e ali algumas casas com bonitos revestimentos de azulejo resistem ainda mas, confesso, sinto-me já um pouco cansado, com os pés bastante doridos em razão da (má) opção de calçado (afinal nem sequer choveu...) e apenas olho com mais curiosidade o que se me atravessa de frente. Terei de aqui voltar para retomar  a marcha do Furadouro para sul, por isso, talvez nessa altura visite Ovar com mais calma.

Mantenho-me alerta procurando uma postal para enviar, como habitualmente, mas não tenho sorte. nem sequer um tão pouco interessante como o que consegui enviar no dia anterior de Espinho. Nada.  Encontrar um postal ilustrado, coisa que, no passado, era fácil e comum,  hoje em dia, tirando os grandes centros turísticos,  é quase impossível. 

Já perto da estação de comboios, um pequeno restaurante permite-me uma pausa para recarregar o telemóvel e almoçar e não sei o que me terá sabido soube melhor: se o bem temperado entrecosto, se os cerca de 40 minutos que ali passei com o corpo pousado numa cadeira, agora que a tirada do dia chegava ao fim e que acusava já o desgaste da caminhada.

A espera pelo comboio suburbano proveniente de Aveiro que me levaria à  Campanhã deu-me ainda tempo para apreciar os belíssimos e centenários painéis de azulejo que ornamentam as paredes da estação. No exterior, estes painéis são ainda os originais, datados de  1917 e 1919, da autoria de Licínio Pinto e Francisco Pereira, retratando paisagens locais, inspirados nos trabalhos dos fotógrafos ovarenses Ricardo e António Ribeiro.  Já na parede virada à linha férrea, os painéis, em razão do seu mau estado de conservação, provavelmente,  foram substituídos por outros, não menos belos,  executados nos anos 80, no mesmo estilo e cores, dedicados ao quotidiano local e à temática dos caminhos de ferro.

O altifalante da estação chama os passageiros com destino ao Porto - São Bento, para o comboio suburbano que, entre várias outras estações, terá também paragem em Porto - Campanhã. 

Entro no comboio que me levará de novo ao local onde apanharei o autocarro para casa, lembrando-me que o último trilho que cruzei foi também uma linha férrea... só que, desta vez, não sou eu a locomotiva... Pouca terra; Pouca terra.... úúúhhhhhhhhhhhhhh  úúúhhhhhhhhhhhhhhh!  

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Será que o dia aguenta sem mais chuva, perguntava-me eu....

....ante as evidências da forte chuvada da noite...

...que tinham, aqui e ali, deixado verdadeiras piscinas...


De novo o fácil caminho em Passadiço...


... iniciado logo à saída da área urbana da cidade...

... e que continuaria até Esmoriz.


Confesso que sempre tive um fraquinho pela forma dos tetrápodes, e estes, 
pintados de cores vivas, ainda mais engraçados me pareciam

"Here comes the sun...."


Capela de Nossa Senhora da Aparecida

Praia de Paramos


O passadiço aqui foi já reconstruído num trajecto mais recuado 
do que o original, consequência do avanço do mar?

Que bem que luz a pequena Ponte da Barrinha, a lembrar uma ponte de jardim japonês... 

O painel explicativo e a entrada da lagoa...

...onde se mantêm de pé os apoios da anterior ponte...

... agora substituída por esta.

Os barcos de xávega estão aqui por todo o lado, e que bonitos ficam nas suas pinturas multicoloridas.

Uma rotunda de homenagem às Mulheres e Homens que fazem da xávega sustento.

os curiosos corações encrustados nas pedras do paredão da praia, em Maceda.


Velhos palheiros hoje transformados em habitação.







Não quereria viver num mundo sem cor, mas, por vezes, compensa deixá-la de lado....

O Senhor dos mares andou a lavar a louça, parece....

A densidade assustadora do bosque de acácias em Maceda... quanto mais se corta, mais se espessa, parece....

A longa e deserta praia...

... e um bar também deserto, num dos poucos aceso à linha de costa, nesta área.

Chorões e uma estranha cortina de acácias desnudas, a tapar a vista para o mar.

Impressionante a forma como as acácias tomam todo o metro de terra livre no pinhal....

Reta para um lado;...

...reta para o outro. De uma ponta a outra não encontrei vivalma.

Aqui tentei sair do pinhal para ir pela praia...

...mas arrependi-me e voltei à pista anterior...

... que termina no parque de campismo do Furadouro.


"Massa Fergunson".... não há limites para a nossa capacidade 
inventiva e para a facilidade com que dominamos o idioma de outros...

a forma como estes velhos tratores resistem a décadas de proximidade com o ar corrosivo do mar, sempre me causou admiração... e depois este ar, batido, patiné, ferrugento, acrescenta-lhes um interesse plástico que confesso, me fascina.

Tal como este velho batelão, que me lembra uma baleia estatelada...


A Praia do Furadouro e, tecnicamente, o fim da minha caminhada para sul.



Algumas bonitas casas com parede coberta a azulejo, já em Ovar.

 Capela das Almas dos Campos, sec. XVIII.

Capela de Nossa Senhora da Graça - sec. XVII, provável existência de edifício anterior.

Igreja Matriz de S. Cristóvão - sec. XVII.

Estação Ferroviária de Ovar - 1863

Painéis de azulejo originais - 1915 / 1917


Painéis do lado nascente - 1980