GR11-E9 (Parte 2) - Praia do Meco - Cabo Espichel
Lógico seria continuar: Fonte da Telha – Praia do Meco, pensei, até porque o caminho a partir das instalações NATO na Fonte da Telha seria sempre a descer até encontrar o areal que contorna a Lagoa e, depois de passar por esta, haveria sempre a opção de seguir pela borda de água, se a maré estiver vazia, para fugir da areia solta, ou por cima da encosta (embora suspeite que também aqui a areia não deva estar lá muito compactada).
Mas a lagoa está aberta para o mar. No final de Maio, as retroescavadoras a mando da Câmara Municipal de Sesimbra abriram o canal de ligação que permite a renovação da água do sistema lagunar, essencial para a estabilidade do ecossistema e a passagem agora implicaria uma banhoca no canal…
Decido, por isso, esperar pelos efeitos do inverno e fazer este troço para o ano, quando a boca da lagoa estiver de novo fechada pela acumulação da areia empurrada pelo mar e pelo vento.
Mas como portas fechadas abrem janelas, o mesmo olhar sobre o Google Earth que me disse ser impossível este percurso, pôs-me a pensar que nada impedia que continuasse em frente até à ponta onde a linha de costa inflete para Oriente, na direção de Sesimbra e onde há milhões de anos, foram outros os caminhantes que deixaram para sempre as pegadas marcadas na rocha. Praia do Meco-Cabo Espichel… estava decidido! Se Maomé não vai à montanha…
Alguns obstáculos seriam de esperar. Não tanto por dificuldades do caminho, embora também as houvesse, mas mais pela orografia da zona, marcada por várias gargantas de ribeiras que atravessam a paisagem perpendicularmente à costa e me pareciam poder vir a colocar alguns problemas no atravessamento, para mais indo eu fazê-lo sem a companhia de alguém que me pudesse ajudar na procura do melhor caminho.
Consultei o Wikiloc. Várias pessoas já tinha feito este trajeto, pelo que estava provada a sua viabilidade, embora o tempo registado de percurso, muitas vezes superior a 5 horas, numa distância que não excederia os 14 kms, me deixasse um pouco apreensivo sobre o que iria encontrar pela frente.
Estudei e memorizei os acidentes de percurso, marquei a data, tratei das barritas e das sandes e záz…
Meti-me no carro - sim, aquele ali por debaixo de um dos toldos no estacionamento da praia - pouco passava das seis da manhã. A noite fora húmida e o principio da manhã dava-lhe continuidade. na estrada entre a Lagoa de Albufeira e a praia do Meco uma chuva miudinha, assim como se de bafo do nevoeiro se tratasse, colava-se ao vidro, mas, felizmente, ao pé do mar. as nuvens acabavam e a chuva também.
Estacionei, agarrei na mochila e nos bastões, porque agora seria a subir e lá fui..."Merda! areia solta!" Lá trepei os vinte metros de desnível que me levaram até ao topo da arriba. Percebi logo que a areia solta ia ser minha companheira por uns bons quilómetros nas trilhas que seguiam para sul, as mais largas revolvidas por pneus de quads e 4x4, o que contribui para a falta de compactação do piso.
Os bastões ajudam a manter um bom ritmo ainda assim, embora já sinta o desconforto da areia dentro dos sapatos (que estão ambos um pouco rotos à frente, por onde entra a areia, mas que são os mais confortáveis que tenho e aqueles com que mais gosto de caminhar). A distância para trás vai aumentando, mas, para a frente ainda não se vê o destino, que a ponta dos lagosteiros o tapa e mesmo que assim não fosse, as nuvens que por lá pairam escondem a linha que separa o céu da terra.
Suo. O dia vai húmido e o sol ainda não aperta, e, depois, esta areia mole não ajuda. O que vale é que a paisagem vale a caminhada, com o tomilho - que bem que cheira o caminho - e a perpétua das areias, em flor (pena que das armérias já só restem as hastes e a flores secas). Mas o melhor ainda é que as camarinhas são muitas, maduras, e, como choveu, surpreendentemente frescas, quando rebentam na boca com aquela mistura de doce e ácido que não se encontra em outra coisa que não as humildes bagas perladas de que eu tanto gosto.
Ah, o raio da areia... só espero que não seja assim até ao fim. Distraio-me de vez em quando com uma fotografia ou outra, também para parar um pouco e retemperar o folego, que não quero abusar do esforço.
Andar sozinho tem a desvantagem disso mesmo (um tipo pode sempre ter azar e partir um pé numa escorregadela, ou qualquer outra coisa), mas tem a imensa vantagem de se olhar em torno e se sentir a paisagem de outra forma, mais arguta, mais pessoal, sem distrações causadas pela presença de outros.
O areal, lá em baixo, estende-se convidativo, mas eu quero ir cá por cima, pela arriba, até porque ao pé da arriba a areia da praia ainda deve ser mais solta que a cá de cima...
Uma primeira garganta sai-me ao caminho. não sei como atravessá-la, sigo uma estrada de terra batida que aqui passa e entro para oeste, à procura de um ponto de ponto de passagem...tento várias vezes mas não o encontro. Por fim dou com uma cerca. Devia seguir ladeando-a, pelo que me lembro dos mapas do Google Earth, mas para isso tenho de encontrar caminho que me permita transpor a linha de água.
Um caminho ingreme parece-me viável. Desco e subo pela encosta íngreme de areia solta. Arfo quando chego ao topo. sigo colado à vedação que está cortada, Passo para o outro lado à procura de melhor caminho.
Na Escócia existe o Right to roam, lei que permite que qualquer pessoa passe em qualquer parte, desde que não estrague e em todo o lado devia ser assim.
Enfim de pouco me vale a transgressão: a esforço, porque a densa vegetação por vezes tapa o caminho, se alguma vez o houve, lá consigo dobrar o vértice da cerca, apenas para descobrir que o trilho é perigoso demais para o tentar sozinho. Resta-me voltar para trás, o que faço agora por o caminho que já percorri. Consulto o Wikilok para ver como outros fizeram antes de mim e descubro que seguiram pela praia, (a mesma que tinha visto há algum tempo atrás) coisa que me resigno s fazer, consciente de que perdera quase uma hora nesta escusada aventura.
Desço então até ao areal e 300 metros à frente volto a subir pela arriba, na praia naturista do meco, ainda absolutamente deserta àquela hora, ajudado pelas cordas que alguém, sabiamente, lá instalou.
Retomo o carreiro que bordeja a cerca do parque de campismo (era dele a cerca, apercebo-me então) e prossigo a bom ritmo, agora que o chão está bem compactado e firme. no final do carreiro está a porta do parque e a estrada de alcatrão que desce para o estacionamento da praia das bicas.
Paro para manutenção, embora não haja sombra alguma para me proteger do sol que agora começa a aquecer: descalço-me para tirar a areia dos sapatos; bebo um bom gole de água, besunto-me na pele descoberta com uma boa dose de fator 50 e como uma barrita. Faço também uma chamada para casa para dar conta que "so far, so good"
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