terça-feira, 27 de maio de 2025

GR11-E9 (Parte 10) - Praia Grande - Cabo Carvoeiro

Etapa 3 - Praia de Santa Cruz - Praia da Areia Branca

22 de Maio de 2015




Um novo dia. As pernas estão doridas, o calcanhar direito incomodado. A vontade de prosseguir, essa, mantém-se inalterada, e é ela que me conduz de novo para a frente do mar, numa praia de Santa Cruz deserta.  O Posto de Turismo por que passo fica instalado num curioso edifício com uma azenha, um velho moinho de cereais que funcionou, leio, até à década de 50 do sec. XX. Dali sigo para baixo, passando em frente a uma alta torre, de traçado e implantação inesperados. Leio mais tarde que o projeto de um palácio a la D. Fernando desmoronou com o crash da bolsa de 29 e que, dele, apenas a torre restou... pois ainda por lá está e eu fotografo-a de vários ângulos enquanto me abeiro da areia. 

A Maré está baixa o suficiente para poder seguir pela areia um bom pedaço, até reganhar a arriba e o trilho que por ela prossegue. Tudo fácil, sem problemas de maior. Avanço a bom passo, passando por várias praias. Ao fundo o alto edifício do Hotel Golf Mar na Praia do Porto Novo. Há uns tempos andei por aqui com a minha mulher a fazer um passeio num passadiço sensaborão, que começa uns quilómetros acima, em Maceira.

Tenho pela frente uma boa subida, já que preciso de alcançar de novo o topo da arriba. Sobe e desce. Tem sido assim ao longo dos três dias que já levo de caminhada. As subidas, duras que possam ser, têm, regra geral a recompensa da vista  desimpedida, do olhar sobre o oceano e, se nos pudermos aproximar o suficiente do limite da falésia, da própria costa, a nossos pés. 

E há algo de revigorante em tudo isto, que vai para lá do simples facto de, uma vez lá acima chegados, podermos encher e vazar os pulmões sem contrações de diafragma para alavancar mais um passito encosta acima. A respiração passa de um ato funcional, conluiado com a função motora, destinado fundamentalmente a impulsionar o corpo pelo declive acima, para se tornar num ato sensorial, de alívio, porque eximido do esforço, e desfrute. Com cada golfada de ar que sorvemos vem o cheiro, a humidade, as múltiplas cores, as asas das gaivotas, a  força do vento, até o pó, ...tudo o que nos faz gostar de estar ali, especados, a olhar para uma linha fina, lá ao fundo, onde mar e céu se fundem num só azul.

Não obstante, é pela praia que prossigo de novo,  um pouco mais à frente, de novo tirando partido da maré bastante baixa, até atingir a praia de Valmitão, onde subo pela rampa que me levará à estrada de acesso ao cais do Porto das Barcas.

O que deve ter sido em tempos um complexo de hotel e restaurantes é agora uma feia construção degradada. Contudo, oferece sombra e a possibilidade de me sentar por baixo de um alpendre, frente a uma mesa de pedra. Mesmo a calhar: é hora de almoço, e um pouco de  descanso também não me cairá mal. 

As inevitáveis sandes, desta vez de queijo, e os não menos habituais iogurtes, mais uma bela pera rocha (afinal estamos no Oeste...) para rematar.

Ajeito a mochila de novo, retomo o caminho, subindo a estrada que parece prometer continuação por detrás do edifício..... nada disso.... só falésia, intransponível.... e agora, como saio daqui... tenho que voltar para trás?

já resignado a tal fim, dou os primeiros passos de retrocesso quando vislumbro uma escadaria lateral ao edifício... ah, sempre há saída... é por aqui... são bastantes degraus, mas o descanso do almoço ajuda a subi-los. De repente uma enorme brecha na escadaria... um pouco mais à frente já nem existem todos os degraus... com cuidado, muito, e a ajuda dos bastões  vou negociando a subida até que a escadaria parece inteira e sólida de novo, já perto do topo.

Cá em cima faz um vento muito forte, de que estava resguardado pelas paredes do edifício. Tão intenso é que me arranca o boné, para o depositar na arriba uns metros abaixo...

"Que chatice!" Não, não iria cair na loucura de tentar recuperar o boné empinando-me na arriba... "o melhor é esquecer, e tentar comprar um boné depois na praia da areia branca, ou onde houver."

Um espique seco de uma piteira, com alguns 3 metros de comprimento, pousado no chão, chama-me a atenção.... "só se..."

Pego no espique; seco; não pesa nada que me impeça de o manobrar. Tem um ou dois ramos na ponta que vêm mesmo a calhar. com cuidado, para não me desequilibrar com o peso do espique aponto-o na direção do meu boné e movimento-o até conseguir introduzir a ponta de um dos ramos no seu interior. Sucesso! Levanto o espique... e o vento atira-me outra vez o boné para o ar, com tanta sorte, desta vez, que vem cair dois metros à minha frente, no chão do estacionamento onde me encontro.

De imediato coloco-o na cabeça, depois de apertar um pouco a tira de velcro que lhe determina as dimensões.

O percurso que venho seguindo no Wikilok leva-me, de novo, a um caminho cortado e perdido no meio da vegetação.  Tenho de voltar para trás. Invento eu o meu próprio percurso, de novo.  De tal forma que, uns passos mais à frente, na Atalaia, volto a encontrar marcações do GR11... agora é só segui-las, que me hão-de conduzir de novo ao areal que termina onde a etapa também o fará.

São cerca de três quilómetros de areal e o primeiro percorro-o descalço, calças arregaçadas, pés deliciosamente encharcados... como sabe bem a frescura da água nos muito castigados pés. Não quero que me aconteça o que um dia me aconteceu na Fonte da Telha, quando andei tantos quilómetros descalço na areia que, literalmente, lixei as plantas dos pés, até ficar em carne viva. Volto a calçar-me tirando partido de uns afloramentos de rochas que me permitem lavar os pés nas poças e voltar a calçar as meias sem areia pelo meio.

Por fim o passadiço de acesso à ponte sobre o Rio Grande, que me dá entrada no núcleo urbano da Praia da Areia Branca.

Vou direito ao alojamento, mas antes de lá chegar, paro no parque de campismo para me assegurar da existência de uma caixa de correio e indagar da possibilidade de aquisição do meu habitual postal. 

Infelizmente, se bem que a existência de caixa de correio se confirmasse, não havia em toda a Praia, nem sequer na pousada da juventude, um único sítio com postais à venda. Talvez no posto de turismo...disseram-me... fui ver... só abre em junho...

Contra factos não há argumentos, diz-se... é apenas uma contrariedade menor, dir-se-á também, mas a verdade é que me custa fechar esta entrada neste meu despretensioso diário de viagem sem cá ter a imagem do postalito....

Falta só um dia... que é como quem diz: falta só mais um postal.

_________________________________________________




A Azenha e a Torre na Praia de Santa cruz


O areal por onde segui no início da caminhada até ganhar 




...esta falésia, de onde avistei...


...a pessoa com que me cruzei no caminho de acesso à praia.




Porto Novo


Porto das Barcas, a realidade de hoje



Porto das Barcas, o passado glorioso


Um curioso mural naïf


A vista do alto da escadaria. Uma destas piteiras
terá fornecido o espique que utilizei para salvar o meu boné. 



Mirador


A caminho da Praia da Peralta



A descida para a mesma


que bonita era o padrão desta rocha, composta
por pelo menos dois tipos de pedra 




Uma bonita rocha azul (argila?) também por aqui abundava









Por fim a chegada à Praia da Areia Branca  e o fim de mais um dia de caminhada


Uma bonita casa azul, como azul foi sempre o dia.

Sem comentários:

Enviar um comentário