segunda-feira, 12 de maio de 2025

 Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...

17 de Abril de 2025 -  Bukhara 



Saio da Ark para a praça Registan (também aqui se chama assim a praça principal, como em Samarcanda, topónimo que significa lugar arenoso) na urgência de um café e de resguardo da chuva.

Do outro lado da estrada aguardam-nos ambos, com o cativante extra de podermos subir ao melhor miradouro que poderia ali haver: uma antiga torre de abastecimento de água, datando de 1929.

Concebida no sistema de construção metálica desenvolvido pelo engenheiro soviético Vladimir Shukhov, a torre caracteriza-se pelo facto do reservatório que sustentava, hoje substituído por um restaurante e pela plataforma de observação, assentar em tiras de metal que descem desde a respetiva base até ao solo, conferindo ao conjunto estabilidade, rigidez e, também, um aspeto decidida e inesperadamente Eiffeliano.

Não resisto a ir lá acima, apesar da chuva, o que se faz por um elevador que, após a transformação em miradouro, lhe foi acrescentado. A vista é decididamente boa, particularmente sobre a Ark, mas o tempo não ajuda de todo, com grossos pingos de chuva constantemente a caírem-me sobre a objetiva. 

Noto que placas com o nome de algumas cidades escrito em alemão (vá-se lá saber porquê...) estão fixadas no gradeamento, indicando a direção e distância a que se encontram. Surpreendentemente, encontro uma que me envia o olhar para onde, a mais de 6000 quilómetros, se ergue a praça de que mais gosto no mundo, e onde D. José continua a pavonear-se, montado no seu corcel.



Mesquita Bolo Hauze


A Mesquita Bolo Hauze, é mais uma construção com estatuto de Património Mundial, outorgado pela UNESCO.

Construída em 1712, surpreendeu-me pela beleza das decorações dos tetos do alpendre que protege a entrada, suportado em vistosas colunas de madeira  encimadas por belíssimas mucarnas (não sabia que assim se chamavam os relevos em forma de favo que se sobrepõem uns aos outros aumentando a sugestão tridimensional do conjunto, tão típicas da arquitectura islâmica).

Antes tinha-me já surpreendido pelo seu simples posicionamento em frente de um pequeno lago: não fora o facto de estar a chover e o reflexo deveria dar uma boa fotografia, mas assim... para mais com uma catadupa de gente a destruir a simetria e a tapar o detalhe das colunas....

Depois, o minarete também tem um certain je ne sais quoi...: habituado que estava agora a ver minaretes inusitadamente altos, este parecia mínimo e, no entanto, tão equilibrado ali ficava, em frente ao edifício, com as suas bonitas decorações, tecidas em  demonstração de fino gosto geométrico com pequenos mosaicos coloridos

Dentro, o contraste da luz com o azul que nos interroga sobre o branco imaculado das paredes e, mais uma vez, a complexidade de uma semi-abóboda em mucarnas, por sobre o Mihrab, que indica os crentes a direção de Meca.











Mausoléu Samanida

De supresa em surpresa... o autocarro para à beira de um parque onde diviso uma grande roda e outras máquinas de feira popular. Tudo está deserto agora, não só porque é manhã de dia de semana, mas porque chove com alguma intensidade.

Uma pequena caminhada depois, o parque abre-se num bem desenhado jardim com mais uma deslumbrante construção erguida em  tijolo cozido que nela serve não só de elemento estrutural, como (e acima de tudo) decorativo.

É o Mausoléu Samanida que, o guia explica, alberga membros da dinastia Samanida que por aqui estabeleceram o seu império, na transição do primeiro para o segundo século DC, sendo este também o datamento estimado para a construção.

A chuva que cai não convida a uma observação cuidada do exterior do edifício, mas o abrigo generoso de algumas ramadas de árvore dá-me o guarda-chuva de que necessito para meia dúzia de fotografias. Pena é que não me tenha detido mais nos detalhes das paredes e das intrincadas decorações...

Leio mais tarde que o edifício esteve durante séculos coberto por lama e poeiras, o que explica o excelente estado de conservação em que foi encontrado e agora se mostra, após as escavações que o puseram ao fresc, nos anos 20 do século passado

Lá dentro, os olhos lutam para se acostumarem à penumbra carregada que reina sobre o grande sarcófago que ocupa parte da sala. Novamente o mesmo deslumbrante jogo geométrico dos humildes tijolos de cor barrenta e pouco chamativa, mas que aqui parecem ganhar vida, movimento, como que entrelaços de teia ou esteira.

Volto a sair cá para fora e busco de novo o respaldo generoso de uma árvore para uma última fotografia. Uma senhora, manifestamente grávida, que se atarefa a sacudir a água das vestes, acompanha-me no abrigo. Diz-me "hello", em perfeito inglês.... "boy or girl?", pergunto-lhe; responde-me com olhos de quem não sabe a resposta "Boy, Insha'Allah" atira-me, com um desarmante sorriso...

Talvez tenha sido isso que esteve a pedir, há pouco, quando circulou o mausoléu três vezes pelo exterior, como o guia nos informou ser receita de sucesso garantido...





Mausoléu Chashmai Ayub

Parecia um dia talhado para a água... a chuva entretanto abrandara mas a próxima visita teria em absoluto temática aquosa também.

Reza a lenda que Job, o profeta, teria um dia visitado Bukhara, tendo sido recebido com queixas de na cidade se vivia em dificuldades por falta do precioso líquido.  

Tomara fossem as queixas de hoje em dia tão facilmente resolúveis, pois que, logo ali, Job sacou do seu bastão com cuja ponta bateu no chão e uma torrente de água terá prontamente saído da terra, para surpresa e gáudio dos Bukharenses.

No local da fonte, que ainda hoje existe e cujas água os crentes acreditam ter efeitos medicinais, foi erguido um mausoléu que comporta vários túmulos, (um dos quais, diz-se, o do próprio Job) mas que tem um aspeto muito mais funcional, ao albergar um pequeno mas informativo museu dedicado ao abastecimento de água na região, sendo de especial interesse a secção dedicada ao desastre que é o Mar de Aral, extinto por sobreconsumo da sua água para rega dos campos de algodão.

Um outro edifício, de traça moderna, chama-me a atenção ao sair do mausoléu, já que lhe é, em absoluto, frontal. Trata-se de um museu dedicado á memória e obra de um importante teólogo do Islão Sunita, Imam Muhammad ibn Ismail al Bukhari (810-870).

Museu Imam Muhammad ibn Ismail al Bukhari

Mausoléu Chashmai Ayub


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