GR11-E9 (Parte 10) - Praia Grande - Cabo Carvoeiro
Etapa 2 - Ericeira - Praia de Santa Cruz
21 de Maio de 2015
Gosto de sair cedo. Se possível, até, antes dos primeiros raios de sol. Há algo de serenamente reconfortante em acordar juntamente com o dia, como se assim ganhássemos a certeza de que ele é parte do nosso próprio ciclo biológico. Despontamos com a luz, tornamo-nos mais conscientes com a luz. E depois são poucos os que estorvam o dia quando ele se desembrulha para nosso inteiro prazer. Poderá parecer egoísta dizê-lo desta forma, mas o sol tem outro sabor quando o julgamos a nascer apenas por nossa causa...
Não obstante, não será assim por estes dias. Não que não acorde suficientemente cedo para poder ganhar a rua antes dos primeiros raios de sol, mas em todos os alojamentos que fiquei desta vez o pequeno-almoço apenas era servido depois das oito horas, e eu não queria sair sem o tomar. Por outro lado, as manhãs apresentaram-se sempre cinzentas e nubladas o suficiente para não se vislumbrar no céu qualquer rasgo do amarelo que nos aquece os dias.
Ainda assim, quase não me cruzei com pessoa alguma quando saí para as ruas de uma Ericiera ainda longe das enchentes que começarão daqui a um ou dois meses.
Desço em direção ao mar: o velho hotel, um ou outro pescador, um ou outro jogger matinal... entro num café, igual a tantos outros... sou atendido com um enorme sorriso. "Um café, por favor", peço. De pronto, uma chávena fumegante é-me posta à frente, embrulhada no continuado sorriso. "Quanto é?" "Um euro, por favor", responde-me o sorriso... e eu percebo a razão de tanta afabilidade...
Os preços inflacionados por uma clientela que fala outras línguas que não a minha e que por aqui vem gozar o mesmo que eu gozo agora, depois de longos anos agarrado a rotinas menos prazenteiras, são uma constante óbvia em cafés e restaurantes.
E depois as ementas.....Nas tabuletas à porta de restaurantes onde antes se escrevia "carapaus com molho à espanhola" ou "carne de porco à portuguesa", anunciam-se agora carpaccios e tagliatelles, ceviches e guacamoles... tudo livre das ameaças férreas do glúten e da lactose, por certo...
Resigno-me. Não se pode ter tudo. Também eu ajudo a inflacionar preços nos sítios que visito noutros recantos, estou certo. "Se queres o mel, suporta as abelhas" dizia a citação do Erasmo que lia todos os dias na estação de Metro do Parque, durante os anos em que por ela passei.... servia-me de mantra... ainda hoje me serve....
Vou deixando a vila, e tomo de novo o trilho pelas escarpas que me faz passar pelo velho forte de Milreu, erguido em 1670, hoje em avançado estado de degradação.
Um par de ciclistas abrigou-se nele para passar a noite e organizavam agora os respetivos pertences para retomar o caminho.... eu continuo o meu e depressa chego à escadaria de descida para a praia de Ribeira d'Ilhas, resguardada cá de cima, do mirador, pelo "Guardião da Reserva Mundial de Surf da Ericeira”, que parece mais interessado em perscrutar o horizonte na procura por uma boa onda que em proteger seja lá o que for.
Passado o areal da praia e a ribeira que nela desagua através do passadiço que a sobremonta, retomo a trilha na arriba.
A vegetação, em particular caniçais, espevitados com as chuvadas do inverno, nem sempre torna óbvio o caminho e chego a perder mesmo a trilha, tendo que voltar atrás para a recuperar.
Mais uma praia se me avizinha. Chama-lhe Praia dos Coxos, vá-se lá saber porquê. Dói-me o calcanhar direito, é verdade, mas nada que ma faça coxear.... Chego ao parque de estacionamento na mesma altura que uma carrinha preta de vidros fumados, que desembarca três pessoas que bem poderiam ser uma avó, um filho e um neto. Lá em baixo, no areal, noto uma azáfama inabitual, com uma equipa de produção de filmagens ou fotografia já completamente acantonada e preparada para uma sessão de trabalho. Percebo então, pelas imagens no storyboard preso num placard a que dou uma mirada de passagem, que as pessoas com quem me cruzei são os modelos para a sessão.
De novo um pequeno forte no horizonte. Forte de Santa Susana, outra construção datada da restauração. Em tempos terá sido transformado em posto da Guarda Fiscal, construção que hoje subsiste, mas que, creio, terá alterado a traça original.
Para prosseguir daqui em frente, terei que atravessar a praia de S. Lourenço. Espera-me um curto caminho pelas rochas, a exigir algum cuidado adicional e a recolha dos bastões na mochila, já que, nas rochas, serão mais um incómodo que um apoio, progredindo a mãos e pés.
Antes de chegar ao areal reparo que sob a "placa" da escarpa, foram construídos alguns abrigos... pescadores? Nada encontro escrito sobre eles na internet...
Passada a praia, onde não encontrei sítio para um café, que tanto me estava a apetecer, sigo um bom pedaço pela estrada até de novo infletir para a escarpa, procurando um trilho escondido entre terrenos cultivados e canaviais, perigosamente próximos da escarpa. Opto por seguir pela extrema dos campos cultivados, sem nada espezinhar, que nada quero estragar.
Saído dos canaviais, dou por mim encurralado entre uma vedação e uma descida que me parece impossível.
Volto para trás. até conseguir passar a vedação e mais à frente retomar a estrada...
Sigo de novo para a escarpa, uma vez passada a praia, seguindo o caminho feito por outros caminhantes numa trilha no Wikilok.... mais uma vedação. De novo tenho de voltar atrás e procurar percurso alternativo.
Felizmente hoje temos imagens de satélite à mão de semear, com resolução suficiente para ver caminhos e trilhas. Decido-me por um traçado alternativo que, graças a estes recursos, estabeleço e que me permite tornear as zonas vedadas.
Reganho a falésia e agora o caminho é fácil e largo até à Praia da Assenta, onde me assento no único banco disponível para descansar e almoçar, ao lado de um pescador que responde ao meu bom-dia com um ruído que não pude descodificar. Nos vinte minutos em que partilhámos o mundo, nada mais entre nós foi ventilado e, curiosamente, acabámos por abandonar o sítio os dois ao mesmo tempo, ele com a suas canas e um dia de má pescaria (a julgar pela disposição) e eu com os meus bastões.
Temendo novos cortes e vedações, defini um caminho que me conduziria a marcações do GR11 na vila da Assenta. Sigo-as a espaços, não sei se o meu caminho coincide totalmente com elas.
Volto a encontrar marcações consistentes em Cambelas. Agora sim, o caminho é aberto. Sigo em estrada de terra batida até à Praia da Foz do Sizandro, que cruzo na ponte de madeira que lá existe e que liga com o longo passadiço que me permite cruzar a praia sem o incómodo da caminhada na areia solta.
Já falta pouco, quando volto a subir à arriba, de onde avisto Santa Cruz, o destino do dia, onde entro por uma estrada que me conduz por entre algumas moradias curiosas e miradores, um deles com uma pequena capela, sobranceiro a um arco de rocha, lá em baixo, no areal.
Anseio por um bom banho e descanso. Em breve vou tê-los no alojamento onde me instalo, para fecho de mais um dia de caminhada.
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Arte de rua, na Ericeira
Rua de arte, na Ericeira...
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Forte de Nossa Senhora da Natividade (1706) |
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Ermida de S. Sebastião |
Carduus lusitanicus (?)
O Guardião do Surf...
...e a praia que tutela: Ribeira d'Ilhas
Relevos e estruturas fotogénicas o suficiente para merecerem um retrato...
Praia dos Coxos
Forte de Santa Susana e mais algumas formas e estruturas curiosas
Praia de S. Lourenço
já se viam as Berlengas.
Praia Azul (Foz do Sizandro)
Já se vê a praia de Santa cruz....
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a entrar em Santa Cruz |
a capela no mirador
e um bonito arco natural, talhado na pedra
que bonitos são os Metrosíderos que se enchem
de vermelho a contrastar com o verde das folhas
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