Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, tantas quantas me promete a memória...
15 de Abril de 2025 - Samarcanda
Mausuléu Gur Emir
Tamerlão, já aqui o disse, foi um notável patrono das artes e da arquitetura, para além de um não menos notável sádico que encarava o terror e a crueldade como forma de afirmação e domínio, o que, de qualquer forma, não é assim tão fora de contexto para um soberano da idade média.
Pensando bem, hoje, longe que estamos da idade média, a crueldade e o terror continuam a ser vetores de afirmação de indivíduos claramente descompensados emocionalmente, que não hesitam em infligir no próximo as maiores provações e sofrimento, num exercício de um qualquer prazer obscuro, mascarado sob a capa de uma pretensa superioridade moral, religiosa, ética, rácica...
Pior ainda é saber que impulsionadas por conjugações viciosas de circunstâncias muitas vezes facilmente anuláveis se para tal vontade existisse (e lembro-me de um refrão do Sérgio Godinho: a paz, o pão, saúde, educação), hordas de seguidores toldados no mais ínfimo discernimento racional, elevam a um pedestal demiúrgico figuras que a história, a coberto do distanciamento que o tempo, as evidências e a reflexão fazem emergir, apontará em futuros compêndios como vergonhosas manchas no currículo da evolução humana....
Tamerlão morreu em Samarcanda e aí está enterrado, num mausoléu originalmente por ele mandado erguer para enterrar o seu neto o sultão Muhammad, que, no local mandara erguer uma madraça. hoje em ruínas.
O seu túmulo em Jade é central na sala que alberga também os túmulos dos seus mais diretos descendentes - filhos e netos - deslumbrantemente decorada a ouro e azul e que num dos lados ostenta uma vara de madeira encimada por um feixe de crina de cavalo, indicação de que estamos perante um local sagrado.
Deixo-me por ali estar um pouco, tentando obter algumas fotos sem a intrusão de outras pessoas, virado para a parede com a vara de madeira. Quase a conseguir o meu objetivo, uma pessoa acerca-se do canto da imagem que espreito pelo visor. senta-se.
"Que raio, este está a ver-me aqui e vai mesmo pôr-se à frente..." penso, mas logo me arrependo. Sou eu o intruso. A pessoa que em frente ao túmulo se sentou ora, percebo agora, pela forma como coloca as mãos. Envergonhado, sou eu quem sai da sua frente, deixando-lhe o espaço que não exigiu mas que lhe pertence por natureza.
alguns detalhes do pátio que dá acesso ao edifício do mausoléu
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