GR11-E9 (Parte 10) - Praia Grande - Cabo Carvoeiro
Etapa 1 - Praia Grande - Ericeira
20 de Maio de 2015
O prometido é devido!
Tinha-o dito, quando terminei a caminhada Guincho-Praia Grande: "Daqui continuarei para o Cabo Carvoeiro".
Duas horas depois de sair de casa, montado no meu fantástico corcel que dá pelo nome de "Navegante" e me leva por montes e vales de autocarro, comboio, metropolitano, teleférico ou até mesmo de bicicleta, se tal preciso for, descia do autocarro apanhado na Portela de Sintra, na exata paragem onde há meses o apanhara no regresso a casa, depois de mais uma boa caminhada.
Oito horas certas, diz o mostrador do meu telemóvel, quando dou o primeiro passo depois de assestar a mochila e armar os bastões. Tempo fresco, vento de cara (irá ser assim todos os dias) e uma enorme vontade de andar, apenas pelo prazer de o fazer, em comunhão com nada mais que o caminho, o tal que se faz caminhando, como escreveu o poeta.
Da Praia Grande à Praia das Maçãs é apenas o tempo suficiente para a aquecer os músculos das pernas e dos pés a quem muito vou pedir ao longo de quatro dias.
A progressão é fácil, alternando estrada com um trilho marcado sobre a falésia, sempre com casario à vista. Estou como habitualmente só, mas desta vez tenho banda sonora. E irá ser assim quase sempre ao longo de mais esta caminhada pela costa, parte do que espero venha um dia a ser um completo GR11-E9 na parte portuguesa, embora com óbvias adaptações pessoais, quanto mais não seja porque o percurso não está, infelizmente, todo definido e marcado ao longo da nossa costa ocidental.
Banda sonora, dizia eu... sim: o vento, constante, intenso, faz dos meus bastões flautas, embora limitadas sempre à mesma nota, ao passar pelos pequenos orifícios de ajuste em altura. Pareço um espanta-espíritos ambulante, enquanto caminho embalado pelo assobio.
Azenhas do Mar. Uma paragem para fotografar a fonte e a escola... Que bonita que é... assomo-me ao portão... vem alguém entregar uma criança, e aproveito para espreitar. Vejo que a entrada está coberta em azulejos e que um dos painéis está dedicado ao voo de Sacadura e Coutinho... ó pá, quero ver... Peço à vigilante que no cimo da escada recebe a criança que acabara de entrar. "Posso ir aí fotografar os Azulejos"; "Não desculpe, mas não é permitido fazer fotos, só de fora."
"mas eu não quero fotografar nenhuma criança, só quero fotografar os azulejos, não quero entrar na escola..."
"não, a direção deu ordens para que seja estritamente proibido fotografar. Já viu se cada turista que por aqui passa quisesse fotografar, como seria?"
Tolhido pelo absurdo, resigno-me e não respondo. Não iria ser simpática a resposta e, estou certo, a moça não tem qualquer culpa, logo não mereceria ouvir os dois ou três artigos do meu extenso catálogo de interjeições que rumino enquanto retomo o caminho....
Um edifício por certo classificado, que não pode ser fotografado, porquê?
Lá estamos nós de novo prisioneiros da paranoia: hoje em dia, máquinas fotográficas não podem coabitar espaços onde existam crianças..., mesmo que escondidas, do lado de lá das paredes impenetráveis e opacas....
SE os turistas quisessem fotografar.... E porque não? qual o mal? Roubariam a alma aos azulejos, era?
Bardamerda! (Aqui a mocinha não ouve, e eu sempre limpo a consciência, que me ficou a roer de novo, só de lembrar o episódio...)
Sigo caminho. Até lá abaixo, à praia, e volto a subir pela escadaria... a subida faz-me esquecer os azulejos, e tenho de parar um pedacinho para reganhar o fôlego... sigo em frente, ágil, caminho com facilidade, com bom ritmo, sempre a direito.
Magoito. De novo uma descida ao areal, deserto à excepção de uma criança que jogava à bola com os pais, e nova subida para retomar o caminho por sobre a arriba, a lembrar em muito a minha ainda recente caminhada pela costa alentejana... agora está tudo em flor, o que acrescenta cor e alegria à paisagem por vezes verdadeiramente deslumbrante que atravesso.
Como me sinto bem nestas saídas de caminhante. Nada me distrai, não tenho que me resignar ao ritmo de ninguém, posso parar quando me apetece, observar em detalhe o que quiser... nada me preocupa (ou pelo menos evito, com bastante sucesso, pensar no que me possa preocupar), nada me aflige, nem mesmo a merda em que está o mundo lá fora e cá dentro... sigo alheio a tudo menos ao que me toma, de braços abertos: este azul, este verde, todas estas cores, estes cheiros; estes pássaros que chilreiam, estas flores que se abanam loucas na ventania; nada me apoquenta! Estou seguro que no fim da etapa terei o repouso cómodo que me retemperará... pudesse toda a gente dizer o mesmo!
Óbvia também a economia da palavra. Apenas as penso, não as digo. Converso comigo enquanto ando, mesmo que não dialogando, vou comigo conversando, quanto mais não seja para fugir à malfadada banda sonora que também me persegue e não, não é a dos bastões....
Desde que comecei a andar, a Pavane do Fauré não me sai da cabeça.... estou a estudá-la para o coro e agora ouço-a, já me farta.... "Nous serons bientôt leurs laquais...", mas que fazer... junto com os assobios dos bastões e o sopro do vento, tenho tudo menos silêncio....
Lá em baixo fica a Praia da Samarra. Preciso de descer de novo e o trilho não é dos mais fáceis. Além do mais, a vegetação está crescida, choveu muito este ano. Vou-me debater muitas vezes com este problema: encontrar o caminho no meio da vegetação que o cobre.
Devagar lá vou descendo, tentando garantir sempre o equilíbrio que a inclinação da encosta exige. Por fim sinto a areia sob os pés. Pedra ante pedra, atravesso o pequeno regato que corre para o mar aqui. Uma cobra de água desenrosca-se e foge à minha vista para onde já não a posso ver... que pena, gostava de a ter fotografado.
Procuro uma sombra, não tenho sorte, mas também não é crítico que o dia está fresco e não há sol a descoberto. Sento-me numa laje e alijo a mochila de onde retiro o almoço (as habituais sandes, iogurte e fruta).
Retemperado, retomo o caminho. Se a descida foi complicada, encontrar agora a subida é-o muito mais. Sigo pelas rochas até encontrar trilho. Não é nada fácil e exige bastante cuidado. Por fim lá chego ao cimo da falésia.
De agora em diante, acabaram-se as facilidades da primeira parte da manhã. Seguirei sempre pela arriba, passando as praias da Vigia e do Barril, até chegar à descida para a Praia do Lizandro.
Tinha algum medo que não conseguisse passar a vau aqui. Mas o que vi do cimo da falésia, tranquilizou-me. A maré estava vazia e o que restava do Lizandro na foz era suficientemente parco para poder ser atravessado sem ter que me despir mais do que da canela para baixo...
Uh, como me soube bem aquela água nos pés doridos... já faltava pouco. Na esplanada de um apoio de praia, fechado para obras de preparação para a nova época, limpei a areia dos pés o melhor que pude e voltei a calçá-los de meias e botas, para seguir o caminho de areia que me levaria lá acima, à estrada nacional por onde segui até entrar na Ericeira.
Antes de me alojar ainda percorri a vila para comprar o meu habitual postal, que fui, de imediato, expedir na estação de correios, e procurar obter um carimbo no posto de turismo e junta de freguesia, a atestar a minha passagem por ali.
Antes de me alojar ainda percorri a vila para comprar o meu habitual postal, que fui, de imediato, expedir na estação de correios, e procurar obter um carimbo no posto de turismo e junta de freguesia, a atestar a minha passagem por ali.
Os pés estavam doridos, o corpo cansado, o alojamento que reservara dar-me-ia de imediato a possibilidade de os tratar com um banho e uma soneca retemperadora.... Amanhã há mais!
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Praia Grande |
O bonito e invulgar grená das Orobanches a irromper pela arriba...
pena que a designação de espécie seja foetida...
Praia das Maçãs
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A escola vedada a perigosos curiosos.... |
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Azenhas do Mar |
Praia do Magoito
a beleza simples de uma parede de arenito
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Forte de Santa Maria |
Um colega caminhante (Blaps sp.) e uma viçosa Arméria (A. pseudoarméria?)
Toujours le printemps...
Praia da samarra
Á primeira vista, lá de baixo, parecia uma vigia, mas não. É apenas uma rocha, fortemente erodida.
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Praia da S. Julião |
Foz do Lizandro
A Deusa do Mar Azul que me recebeu na chegada à Ericeira
Ericeira - largo do pelourinho
A caminho da caminha....
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