quinta-feira, 8 de maio de 2025

 Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...


16 de Abril de 2025 -  Bukhara 


Um dia de pouca história. Quilómetros, bastantes, mais de cinco horas deles, iniciados de novo cedo para chegar ao destino à hora de almoço, após duas paragens  para esticar as pernas e os olhos ensonados.

Falava-se do tema do dia, de que me tinha apercebido ao pequeno almoço pelo frenesim de conversa  que corria entre os meus companheiros de viagem do outro lado da fronteira: "¿Mira, sentiste el temblor de anoche?"

Qual o quê... dormi que nem uma pedra, totalmente alheio ao abalo com epicentro algures no vizinho Afeganistão e com mais de cinco graus na escala de Richter...coitados, não lhes basta terem de conviver com essoutro terramoto cívico-moral dos energúmenos que acham que  música é pecado  e que as mulheres têm de usar um açaimo de corpo, para se protegerem, eles,  de inusitadas e insidiosas ereções e elas da sua urgente resolução, ainda têm de apanhar com o adobe das casas em cima....,

Pequeno almoço tomado, malas carregadas no autocarro e, de novo, a estrada segue por campos de verde infinito e assim seguirá até ao destino: pomares, trigo legumes. Não sei se algodão também.

As paragens habituais nos cafés de estrada: empadas, café e, sobretudo, casas de banho... pequenos mas reconfortantes prazeres que só comparam com a possibilidade de esticar as pernas, como reclama a nossa natureza de bípedes.

Bukhara, por fim, direitinhos para o almoço, num restaurante acoplado a uma galeria de arte, em particular, delicadas miniaturas a guache e aguarela, com óbvio sabor oriental.

Antes de entrar, um relâmpago amarelo passa por mim de bicicleta para virar num esconso beco atravessado pelo duro sol que está agora no zénite. Ronaldo 7, grita a camisola do puto ciclista... a hipótese de uma boa fotografia e, desta vez, não falho!


Esta será uma tarde relativamente repousada, passada numa das áreas centrais de Bukhara, em torno da praca Lyabi Khause, visitando as várias lojas de artigos artesanais que se congregam em galerias e onde é possível comprar miniaturas, sedas, olaria, facas, tesouras e casacos ou chapéus de astracã ou caracul, um tipo de pele que sempre achei desgraçadamente intenicante, mesmo antes de saber como a mesma é obtida. Detesto aquelas rugasitas encaracoladas, aqueles refegos pilosos, não seria coisa que pusesse na minha cabeça... 

Mas mesmo numa tarde mais dedicada às prendas que às visitas a edifícios e construções emblemáticas, é por aqui possível um dois em um, já que muitas das lojas se situam dentro de antigas madraças que ostentam os habituais portais descomunais e paredes ricamente trabalhadas ou decoradas em azulejo e mosaico.

Entre o artesanto que por ali se pode comprar, há também lugar para  uma loja especializada na manufactura de marionetas em papier maché. Assistimos a uma interessante demonstração e fico com pena de não ser possível assistir a um espetáculo completo (coisa que aliás já ali se não realizava há uns anos, traduz o guia, das palavras de um dos artesãos manipuladores dos curiosos bonecos).

Em um dos lados do jardim da praça, há uma curiosa estátua de bronze que, como agora é habitual ver em estátuas "famosas" tem já várias partes em berrante amarelo metálico, por erosão da patina causada pelas carícias de milhares de mãos.

Um homem montado num burro e filas de pessoas que se querem fotografar ao pé da mesma... tantas que não consigo encontrar um ângulo que me satisfaça para também eu tirar uma fotografia ao sucedâneo de Sancho Pança... deixo para mais tarde, talvez por aqui passe sem tanta gente.

Do outro lado da rua um enorme portal de madraça chama-me de novo a atenção pela suposta incongruência com o "manual de normas gráficas" do islão. Desta vez são dois enormes simurgues, cada um com o que parece um cão por baixo, iluminados por um radiante sol com uma cara humana no centro.... tal como na madrassa Sher-Dhor, em Samarcanda, que lhe serviu de modelo, só que agora são pássaros míticos e não tigres, os animais representados... creio que me lembro do guia ter referido que isto acontecia por influência Persa, mas confesso que deveria ter estado com mais atenção.... provavelmente alguma fotografia se atravessou na altura...

Recolhemos ao hotel, para algum descanso. Na ida, o autocarro passa por um centro comercial, relativamente perto do hotel. Pensamos lá passar mais tarde para jantar e alguma compra no supermercado.

Só tenho acesso à internet no hotel, pelo que gravo a imagem do google maps do caminho para o centro comercial que me é recomendado pelo dito.

Saímos ao cair da noite. Uma vez mais a iluminação de rua não é das melhores, e as infâmes valas de recolha de águas pluviais acompanham a estrada por onde nos é mandado seguir... em frente, em frente... é já ali....

Um grande edifício com letreiros de néon (ou led, que é o que está a dar)...apagados... tudo em obra à sua volta, passados 40 minutos de caminhada.... 

Sim, este será um centro comercial, mas não é o que procurávamos, por certo, voltamos atrás e, por sortes mágicas, lá conseguimos dar pelo mesmo, quase a fechar o supermercado onde as nossas compras se resumem a uns pacotes de tiras de queijo fumado que prováramos ao almoço.

É hora de voltar, depois de comermos uma pizza num restaurante de uma cadeia local alimentada a produtos Coca-Cola. Não era isto que pretendíamos, por certo, mas era o que havia aberto e o corpo já pedia descanso, na certeza de mais um dia preenchido como seria o que a seguir viria.

Madraça Nadir Divan-begi  (1619-23)






"Business as usual" no exterior (e no interior também) da madraça Kukeldash


Dil, o nosso muito profissional guia




Mesquita Magoki Attori sec. XII_XVI, que se crê ser a mais antiga mesquita sobrevivente na Ásia Central. Alberga hoje o museu da tapeçaria.



Cúpula  Taq-i Sarrafan (c.1580) situada sobre uma das ruas ocupadas com galerias comerciais 


 A graciosa cúpula vista pelo interior






A romã, uma presença constante entre os motivos de decoração das peças de artesanato, aqui bordada a fio de seda sobre algodão



Em Bukhara eram muitas as lojas que propunham miniaturas em aguarela e gouache, muitas de altíssima qualidade.


Mas para além das miniaturas. a galeria/restaurante onde almoçámos tinha também alguns quadros a merecer um olhar mais atento


como atentos estivemos à interessante demostração dos bonecreiros, que manipulavam muito habilmente as nada sofisticadas marionetas que produziam 


Pena é que o elenco de Ali Babá e os quarenta ladrões estivesse de folga....

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