Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, tantas quantas me promete a memória...
18 de Abril de 2025 - Khiva
Khiva seria o nosso último destino em terras Uzbeques, a dois passos do deserto e a três do Turquemenistão. Mas primeiro seria preciso lá chegar, já que Bukhara dista dela 440 quilómetros, que é o mesmo que dizer oito serenas horas de autocarro, desfiladas por terreno sempre plano, em transição do verde para o amarelo acastanhado das areias infinitas.
Uma jornada sem percalços, e com as habituais paragens que, para além de permitirem alívios de vária ordem aos corpos já maçados e amassados de tanta viagem , espevitaram em mim uma e outra vez o pasmo, habituado que não estou a ver poesia Sufi em tão fraternal conluio com paredes onde por hábito a escrita releva de expressão muito menos elevada...
...ou lavatórios que nos levam à interrogação se alguma vez Marcel Duchamp por aqui terá passado?...
...ou mesmo a expressão do acaso em curiosa dimensão plástica (embora a escolha da palavra não seja dele também reflexo).
"Região de Xorazm, Distrito de Tuproqqa'la", diz o portal de boas vindas largado no meio do deserto para gáudio dos cultores da trilogia Instagrame-feicebuque-tiquetóque, atrás de uma caravana de camelos reincidente, pois que já víramos semelhantes esculturas em Samarcanda e Bukhara (para além da que veríamos também mais tarde em Khiva).
Tem uma qualidade diferente esta areia. Não é o mar amarelo e estéril que se vê em Marrocos ou na Tunísia. Aqui a areia é acastanhada, quase terrosa, e por todo o lado despontam pequenos arbustos.
Procuro um, para ponto focal de uma fotografia; quase não consigo segurar a máquina, acossado pelo vento que me enche os olhos e a boca de poeira.
O guia chama-nos. Há que ir, são quase horas de almoço. Um enorme restaurante de beira de estrada com estação de serviço e outras amenidades.
A comida que nos é dada é novamente saborosa e variada, trazida da cozinha por entre a nuvem de fumo espesso que guarda o longo assador de carvão onde um carrocel de espetadas de carne roda na ilusão de movimento perpétuo (não vão elas queimar-se...) às mãos do experiente timoneiro, que as tira do suplício do calor no momento certo.
Nesta altura da viagem já sabemos que iremos, como habitualmente, contar com uma sopa a meio, entre a empada de entrada, a salada que se lhe segue e o prato principal que abre caminho à sobremesa e ao imprescindível xá verde, que remata todas as refeições.
Temos o resto da tarde livre, e aproveitamos para um primeiro passeio, na pouca luz que ainda nos resta e que, em breve, dá lugar a uma noite escura, sem outra lua que a dos candeeiros de iluminação pública.
Que bem sabe andar agora, depois das horas passadas no assento do autocarro. Há muita gente na rua, turistas, sobretudo. Percebemos que são mesmo muitos os edifícios históricos... madraças, mesquitas, minaretes, cemitérios, de tudo há em profusão e, como não poderia deixar de ser, uma vez mais o delírio das decorações imensamente belas, das cúpulas verdeazul, dos minaretes e torres que raspam o céu....
O dia seguinte seria o último dia de viagem, mas bem cheio deveria ser....
A tampa de um poço de visita exibe orgulhosa a sua linhagem
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