quarta-feira, 24 de julho de 2013


Mata Nacional dos Medos

Na mata, tomada pelo silêncio do verão, aqui e ali colorido pela incessante melopeia das cigarras, pelo inesperado chilrear de um melro ou pelo grasnar antipático das gralhas, três velhos pinheiros, impõem, entre pares e súbditos, a sabedoria do tempo que lhes molda o corpo.

Dobrados, torcidos, quebrados e , contudo, robustos, os fortes troncos  teimam em erguer-se, para sustento de copas largas, espalhadas, moldadas pela inclemência do vento em intrincadas teias de finos ramos.

Dir-se-iam secos, mesmo mortos, os cinzentos e desgrenhados cabelos que invocam. E, no entanto, são eles que, nos extremos,  despontam no  verde das agulhas que dão cor à mata e sombra a quem passa.

Na estranheza dos  corpos convulsos, na imponência do porte, convocam o escrutínio do olhar, como um belo quadro interroga os sentidos num qualquer museu.

Na mata,  como num qualquer museu, nem sempre as melhores obras se descobrem na primeira visita…




In the woods, taken by the silence of summer, colored here and there by the endless melopoiía of the cicadas, by the unexpected whistle of a blackbird or the harsh voice of the crows, three old pine trees impose, amidst peers and subjects, the wisdom of the time that shapes their bodies.

Bended, twisted, broken but robust, notwithstanding, the massive trunks stubbornly rise, giving berth to large, spread out crowns, molded by the harshness of the wind into intricate webs of thin branches.

One would believe the grey, shaggy hairs they invoke to be dry, even dead. And yet, it is from their tips that explodes the green of the needles, giving color to the woods and shade to the passerby.

The strangeness of their convulsive bodies, their imposing stance, all call for the scrutiny of the eye, in much the same way as a beautiful painting will question the senses in any museum.

In the woods, as in any museum, the best pieces aren’t always those we discover in our first visit…




segunda-feira, 22 de julho de 2013


Longe do lápis e do caderno, vivemos a facilidade do imaterial, do fátuo. Juntamos letras, sempre caligraficamente impecáveis, em corpo e fonte à escolha, mas, até por isso, mais uma vez, somos todos o mesmo. Não haverá agora análise grafológica que permita detetar traços marcantes, arrepios de sentido,  os mais íntimos desvios de personalidade. Nada. Em Times New Roman, 12, somos todos as melhores das pessoas…preto sobre branco, fotão sobre fotão…basicamente nada!

Até que cheguemos ao sentido da escrita; à medula da palavra. E é isso que importa quando leio, quando escrevo.

A escrita é universo de signos e de significados mas, na verdade, para a fruição, para o gozo, só o texto importa por dar corpo à ideia, ao reflexo da invenção ou da reflexão (como é, nestas linhas o caso).

O mesmo acontece hoje com a fotografia.

Longe do filme e do papel baritado, vivemos aqui também a facilidade do imaterial, do fátuo. Quase todos temos acesso a  máquinas que resolvem os mais intrincados problemas de análise de luz e cor e produzem resultados que são legíveis por todos. Todos somos arautos informados e informantes em JPEG.

Até que olhemos a imagem com os olhos que leem o texto que ela, à sua maneira, ilustra.

De alguma forma,  num – o texto – como noutra – a fotografia – é preciso olhar para a camada interior. É lá que vivem os sentidos e não no código e nos suportes que os constroem.

Longe do lápis e do filme,  dependemos do nada e somos tudo. A facilidade tecnológica potencia o logro. Todos escrevemos, todos fotografamos. Todos tratamos o belo por tu (acho até que alguns, levados pela narcose incontinente da ilusão, gostariam mesmo de tratá-lo por você, forma que parecendo paritária, ostenta vaidade, declara sobranceria).

Talvez por isso, o meu computador tenha avariado ontem.

O texto que pretendia escrever ficou no ar, e é agora este. Por certo, totalmente diferente do original que era para ser.
As fotografias com que o iria ilustrar dormem, por enquanto inexistentes, em entranhas compact flash.
Podemos persisitir, teimar, ultrapassar com um só pé a periferia da coroa reservada à essência, mas a arte, como tudo o que sobrevive, tem mecanismos de autodefesa!





Absent from pencil and notebook, we experience the ease of the immaterial and fatuous. We force characters together, always impeccably calligraphic, in whatever size and font  we choose. And yet, once again,  we are all the same. No graphology test will ever identify the distinct traits, the interplay of the senses, the most intimate personality deviations. Nothing! In Times New Roman 12 we are all the best of people … black on white, photon on photon… basically naught!
Until we get to the core of writing ; to  the marrow of the words. That’s what matters to me when I read, or  write.

Writing is a universe of signs and words but, in truth, for fruition and pleasure, only the meaning matters, for it imparts a body to the idea, to the reflections of the invention, or to the reflection itself (the case with these lines).
The same happens nowadays with photography.

Away from  film and developer paper we experience again the immaterial and fatuous. Almost all of us have access to cameras that will solve the most intricate light and colour evaluation problems and return results that are readable by anyone.

We are all informed and informing harbingers of JPEG format.

But we must look at the image with those same eyes that read the text that it illustrates.
In some way, for  one – the text – and the other – the photo – one has to probe and look down deep into the inner layer. It is there that the senses live, not in the code or in  the supports they are built upon.
Away from pencil or film we depend on nothing and we are anything.

Technology facilitates the deception: we all are writers. We all are photographers. We all are portrayers of beauty (and some, intoxicated by the incontinent necrosis of illusion even think their portrayal is exclusive).
That was probably why my computer broke down yesterday.
The text I was planning to write vanished into thin air and is now this one. Totally different, I’m sure, from what it was meant to be.
The photos that were meant to illustrate it lay dormant, for now, non- existent, in compact flash entrails.
We can persist, persevere, put one foot inside the periphery of the crown that contains its essence, but art, as every surviving thing, has self-defence mechanisms!