quinta-feira, 27 de maio de 2021


 

A maior do ano!

Televisão, jornais, web… por todo o lado por onde nos empurram para títulos grandiloquentes na mira de capturar a nossa atenção para mais um clique faturante, a promessa era consistente: assim, deste tamanho, com esta cor, a ver-se tão bem, só para o ano, pelo menos; por isso é pegar ou largar, a partir das nove e um quarto da noite, na direção és-sueste, resultados garantidos!

E eu, que há algum tempo não olho para o céu, achei que esta seria uma boa oportunidade para o fazer, para mais que a noite se anunciava agradável de temperatura e brisa.

Trouxa pegada e metida no carro, ordenei à tripulação mecânica que se esconde por baixo do capot do meu velho skoda, que apontasse o azimute a Cacilhas, ali mesmo ao lado da D. Fernando e Glória, porque se é para falar de pontos cardeais, corpos celestes, azimutes e quejandos, convém sempre estar na companhia dos nossos (como se eu disso percebesse alguma coisa….)

Enfim… tripé colocado; objetiva assestada; relógio na mão…. Tudo quase como nas fantásticas largadas de Cabo Canaveral: “All systems Go; T-10 and counting”;

10 segundos, quando se espera ansioso, é uma eternidade, mas estes, por certo, sofreram algum entorse quântico daqueles que se movimentam na famosa notação E=mc2, porque apesar do mostrador do telefone me jurar que as tão ansiadas 21h14 estavam já para o lado esquerdo da história, da redonda explosão de luz, erguendo-se lenta no horizonte, que tanto me havia sido prometida…. apenas um perfeito Nada (ainda que bem redondinho, como a lua que o deveria substituir).

E nada foi durante uns bons 20 minutos - o tempo que o nosso singular satélite demorou a mostrar-se super, por cima da neblina que, infelizmente, tapou o horizonte ali para os lados do Barreiro - até que lá deu um ar da sua graça, deixando-se adivinhar num círculo de luz,  por sob as nuvens que a escondiam, agora dobradas a rosa e ouro no ardor do exultante reflexo.

Uma ou duas fotos, pouco mais. Confesso que desalentado, porque quando se mostrou, já estava bem mais acima do horizonte do que eu gostava de a ter visto;  arrumei uma vez mais a tralha e lá voltei a ordenar ao meu imediato mecânico que aproasse ao ponto de partida.

Avé Lua, cheia de graça, pensei… mas até o conforto do trocadilho foi… sol de pouca dura, quando a graça emperrou no euroevinte que, diligentemente, a máquina do parque de estacionamento engoliu antes de me abrir a cancela.

 


 

 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Um dia de postal, ilustrado com um sol soprando mais quente que a pouca brisa, tão pouca que tudo a nossa volta mais parece detalhe de fotografia… de postal ilustrado.

Escrevo-te o dia, portanto. Como te não conheço, é bem mais fácil assim evitando entrar em intimismos que, mesmo que de primeiro ou ainda menor grau, é coisa que se guarda para quem já se conhece… pelo menos… um pouco.

E nem é tanto as palavras. Para mais, tenho letra grossa e descontrolada, e preciso de espaço para a espalhar. Um postal pouco me deixa escrever, mesmo que viole, no limite do praticável, o lugar reservado ao inescusável endereçamento…

Na verdade, o grande prazer esconde-se no objeto em si.  Nem sequer seria preciso texto; só mesmo  um singelo e sequencial caro(a); rua, nº; código postal; país e a grande aventura estaria lançada.

O resto está impresso no papel, seja a pindérica foto de um pôr de sol manhoso a adoçar um recorte de falésia, que, ainda assim, nos força a desejar lá estar; seja  a vista da cidade; do imponente monumento; o detalhe do azulejo; a reprodução a obra de arte e  - oh, prazer dos prazeres – a lambidela no verso adocicado do magnífico selo, que lhe irá comprar o direito de viagem .

Mas até um postal pode ser difícil enviar.

Há não muito tempo, numa saída de verão, que incluiu Belgrado na lista, procurei afincadamente, como sempre faço numa cidade dos países que visito, em quiosques, lojas de rua, supermercados, em todo o sítio que fui, o almejado retângulo de cartolina policroma e … nada.

Belgrado, capital da Sérvia, antes disso capital da Jugoslávia do Tito, não tem um postal à venda em lado algum? Será tal coisa possível?

Aguardo que alguém de lá me escreva a provar-me o erro.

Foi por isso que me inscrevi no Postcrossing!


sexta-feira, 14 de maio de 2021

 



Ontem foi Dia da Espiga. Eu, como chego sempre atrasado às festas, só consegui apanhar hoje a minha espiga, no caminho de volta da caminhada matinal, hábito que de há uns meses para cá ganhei e que muito tem contribuído para não ter encarnado já o verdadeiro Homem da Michelin, tantas são as horas que, diariamente, passo sentado em frente ao computador.

Um galho de oliveira; uns malmequeres ou margaridas, consoante lhes queiramos chamar; duas lindíssimas papoulas e uma espiga de uma gramínea das muitas que, por esta altura, ocorrem por aí no mato e nas bermas de estrada, promovida a trigo, pela falta dele e de uma seara que por estes lados estivesse a jeito.

Não sou religioso, tampouco crente e na taxonomia da crença classifico-me no género Agnóstico, mas há algo neste lindíssimo azulejo dos nossos usos e costumes que sempre me fascinou. Não é só a dimensão plástica da coisa (ainda que a espiga, por si só, no colorido das flores e na diversidade das formas seja um lindíssimo bouquet); seguramente não será também a apropriação religiosa de um hábito que tresanda a pagão e animista; não é sequer a lembrança nostálgica dos dias em que, criança ainda, corria pelos campos no algarve com a minha irmã e o meu pai a colher os ramos de delicadas flores silvestres; e não será mesmo a  lembrança das senhoras com cestas cheias dos graciosos ramos a vendê-los no seu dia  à porta das estações de metro e de comboio, a quem eu costumava comprar alguns, para casa e para oferecer a colegas.

Na singularidade de cada planta símbolo, reside um elo inquebrável com a terra, com o húmus, com o grande ovo quintessencial, que nos reclama e nos torna a nós também parte do significado transcendente que a espiga proclama.

Pão; vinho; azeite; fertilidade; paz; abundância….esperava-se e queria-se em tempos primevos; tanto quanto se espera e quer em tempos coevos.

Nesta simples equação reside a resposta que todos procuramos. Nada, nem ninguém domina o futuro (embora nós saibamos que o influenciamos - negativamente, tantas vezes). Resta-nos… desejar, ou não fosse o desejo, nas suas várias declinações, central na caminhada humana. Somos seres alicerçados em incerteza, em dúvida, em desconfortante ignorância.

Uma espiga, é tudo menos isso. é a terra que floresce útil no trigo e na oliveira, é o branco mar que serpenteia, soprado ao vento num campo alegre tomado de malmequeres, é o horizonte que se incendeia ao pôr-do-sol, no fogo rubro das papoulas…

É pergunta e a sua resposta.

É o desejo que assim seja e a certeza que assim será, porque assim sempre foi. 

Como um núcleo atómico estável à custa das forças geradas pelo seu eterno movimento, enquanto, na coroa, outras elementares partículas se afadigam a romper e a criar cadeias, em busca da transformação, do novo, do eventual, do futuro, que tão bem se condensa na humildade de um bouquet de simples e humildes plantas silvestres.


               

 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

 

Olho o sapo. Não se afasta, pouco se mexe, parece indiferente ao clarão do flash, mas sei-o bem vivo porque o vi a saltar entre as pedras, mesmo agora que aqui cheguei.

Que eu me lembre, esta é a terceira vez que “eu vi um sapo”, embora nenhuma delas pautada por  uma qualquer  música infantil, como a frase que acabei de escrever  logo evoca.

Este, no entanto, é o maior de todos que já vi, os outros mal ultrapassavam o tamanho de uma rã .

Bichos curiosos, estes. Olhos grandes, mas tristes, pregas na pele a lembrar criaturas obesas submetidas a severo e rápido regime de emagrecimento (não, não se trata de um texto autobiográfico…), vestidos no mais perfeito camuflado para passear desapercebidos por entre pedras e erva, na esperança de lançar a peganhosa língua na direção de um inseto menos avisado.

Na galeria das curiosidades, cruzei-me também um dia com uma rã. Não é invulgar, e basta passar pela vala por onde passo no meu passeio matinal de todos os dias, para lhes ouvir o eterno coaxar. Na verdade,  creio ser difícil encontrar uma pessoa que nunca tenha visto uma rã e eu já vi milhares, seguramente… Mas esta era de todo rara, porque albina. Nunca percebi se fugida do aquário de alguém, mas a não ser assim, dificilmente encontro resposta para o facto de a ter encontrado na relva do meu jardim, que não fica perto de charco algum e estas criaturas precisam de humidade na pele.

Diversa, a natureza de quando em vez surpreende-nos com a generosidade de um encontro, com o enorme prazer da descoberta. E eu, sempre que posso, aproveito.







terça-feira, 4 de maio de 2021

"Queria alguns selos comemorativos,  para enviar uns postais, por favor."

A face atrás do balcão olhou para mim como se eu fosse primo do Hans Solo ou um viajante de alguma máquina do tempo.

"Desculpe, só tenho selos normais auto-adesivos, para serviço nacional ou internacional. Há muito tempo que não vemos aqui selos desses....".

"Mas isto não é uma estação dos correios?" 

"sim, mas ....selos...."

Olhei à minha volta: um balcão do banco dos correios; prateleiras com livros para vender; pessoas a pagar faturas de gás e eletricidade; pessoas que queriam expedir encomendas, mas selos...... 

Esta é uma história verdadeira e recente. Aconteceu-me ainda ontem, quando fui enviar alguns postais e envelopes para amigos, noutros pontos do globo.

No meu regresso a esta espécie de hobby, não podia acreditar que os selos se tinham tornado tão quase etéreos, na sua existência.... 

Houve uma época em que os selos estavam em todo o lado. É verdade que não havia muitas emissões comemorativas e a maioria dos selos em circulação eram definitivos que circulavam durante muito tempo; mas podia começar-se a coleccioná-los porque uma boa parte da correspondência que se recebia em casa tinha selos nos envelopes. Hoje em dia, é possível que não recebamos um envelope selado na nossa caixa de correio durante muito tempo. Provavelmente haverá hoje crianças que nunca viram um envelope com selos carimbados nas suas vidas.

Gosto de selos, nunca fui um grande coleccionador, mas maravilho-me com a imensa arte e engenho  que a concepção de um selo covoca. 

Para mim, olhar para selos pode ser um exercício semelhante a visitar um museu. Um prazer para os olhos; uma fonte de inspiração; um estímulo para a curiosidade.

É verdade que os coleccionadores adoram que os seus selos sejam imaculados, ou MNH (Novos sem Marca de Charneira) no seu jargão, mas ultimamente tenho vindo a pensar que parte da beleza de um selo reside no seu propósito. 

Um selo cancelado conta uma história maior do que um selo imaculado e virgem. além do evento, situação, lugar ou personalidade, etc. que celebra, o carimbo que exibe tem o som da distância conquistada; a aura de boas ou más notícias entregues; o desgaste da missão cumprida.

Compreendo que os selos sejam também vítimas da automatização e, sobretudo, da desmaterialização dos processos. Não há volta atrás na evolução (uma afirmação discutível, admito), mas espero que os selos vivam mais tempo do que eu próprio.

E acima de tudo, espero que da próxima vez que for aos correios eu possa comprar.... Selos!