domingo, 26 de julho de 2020




O Cometa 




Encostado ao paredão de grossas lajes de xisto, ofereço o corpo a um vento que, embora quente, acaba por trazer algum conforto, quanto mais não seja por nele se diluir a lembrança dos bem mais de 40 graus com que a tarde, uma vez mais, causticou árvores, pássaros e pedras.

Quarto crescente, diz-me a lua que lentamente baixa sobre a planície axadrezada de olivais, searas já cerceadas e esparsas filas de luzes, quais marchas de estáticos pirilampos, anunciando no escuro, que aos poucos  se insinua, os locais onde brancas casas de paredes largas e portadas cerradas resguardaram os homens da inclemente canícula.



Aqui e ali desponta uma luz no infinito pano de cena que cobre o horizonte. Suspeito que esta seja a hora em que os anjos se assomam ou se assumem e puxam da tabaqueira e das mortalhas para o cigarrito com que embalam a noite, com mais um dia de trabalho pelas costas  naquela espécie de carreira de proteção civil a que alguns os creem dedicados, ou em maquinações de cupido que outros lhes reconhecem.  Os anjos são muitos, dizem; tantos quantos as piriscas que se vão acendendo no escuro que agora tudo envolve; tantos quantas as estrelas (e é nestas que acredito!)




Há mais estrelas no céu que grãos de areia em todas as praias da terra!

Como não lembrar Carl Sagan olhando para o rendilhado de luz que apenas  as luzes modernas da  vila medieva conseguem tapar, lá ao fundo, no topo do cabeço.



São celestes e corpos, os corpos celestes! Imensos na diversidade e inqualificável dificuldade de compreensão. A mim servem-me  apenas para lembrar a minha absoluta infimidade e o meu contínuo trânsito, até um dia no futuro, em que, como qualquer corpo celeste, tenha também o meu ocaso….(um ocaso sério, dir-se-á, mas inevitável!)

Tudo no universo é exagero, à nossa escala: distâncias, massas, dimensões, propriedades. Tudo é sumamente complexo, mas infinitamente belo. E infinitamente secreto, para os homens como eu que olham o céu e veem apenas o que os olhos deixam (e, confesso, a limitada capacidade de entendimento permite).



Melhor metáfora que o monólito de Kubrick não há para este estado de coisas. No fundo, há sempre uma enorme pedra que nos impede de saber, embora alguns, os nossos melhores, fustiguem e continuamente desbastem as suas arestas … tanto que se avançou desde Platão; Copérnico;  Galileu; Einstein; Higgs.



Eu contento-me com maravilhar-me.

E um cometa, sim é um corpo celeste; mas vê-lo lá ao fundo, na pantalha do planetário mais real que se pode imaginar, no meio de estrelas,  planetas, e asteroides que fulgem por frações de segundo,  é  uma maravilha!