terça-feira, 23 de abril de 2013

Costa da Caparica
A imagem, a impressão do que é, quando tudo o resto não está: luz, ou falta dela; cor ou falta dela. 

Fim de tarde, que não fim de dia. Aliás, parece que não acabam nunca e a maré, que os traz e leva junto com as conchas e as rugas da areia, repete-os para gosto dos fotógrafos e labor dos pescadores.


As casas, essas continuam vazias de pessoas, embora o mesmo sol que lhes come a tinta as pareça encher de cor, mesmo que só para a fotografia….



The image, an impression of what there is, whenever all the rest is missing: light, or its absence; colour, or its absence.

Late afternoon, and yet not the end of the day. Besides, it seems that they are never ending and the tide, that brings and takes them in the company of the seashells and the wrinkles in the sand, repeats them for the pleasure of photographers and  the labor of the fishermen.

The houses remain devoid of people, albeit the sun that bites into their painted boards seems to fill them with colour, even if only for a snapshot….


segunda-feira, 22 de abril de 2013


Alcochete

Não passa mais ninguém.  Só o tempo e os pombos. Daquela varanda, de onde já viu passar o mundo (aquele que acaba alí ao cimo da rua) pergunta-se se valerá a pena continuar, agora que o sol enche as ruas estreitas e brancas e que a luz se sente quente na pele.

Não está só: ali perto, as irmãs sofrem o desconforto da mesma dúvida. Com a vaidade da pedra,  mantêm-se vigilantes, embora no fundo acreditem que é pura perda de tempo. Não o querem admitir, no entanto, por isso olham em frente. Talvez o dia desista primeiro....


Ele, porque igualmente imóvel, sabe o que elas pensam. Ainda assim, não é coisa que o apoquente e pouco se lhe dá que que se interroguem ou finjam não querer saber: nos pés descalços traz a agrura do sal e, com ela, toda a certeza da terra.



No one passes by anymore, except time and the pigeons. From that balcony, wherefrom  she has seen all the world pass by (the one world that ends over there, by the end of the street) she questions herself if it is worth continuing, now that the sun fills the white narrow streets and that light can be felt warm on the skin.

She is not alone: nearby her sisters endure the uneasiness of the same doubt. With a vanity of stone they keep alert although knowing it all is but a waste of time. They do not want to admit it, though, so they look ahead. Maybe the day will give in first...

Equally motionless, he knows what the others think. Nothing that would bother him, though, and he really doesn't care if they question themselves or pretend not to know: on his bare feet he carries the harshness of the salt and with it, all the certainty of the earth.




domingo, 14 de abril de 2013

Costa da Caparica



As casas, fechadas, vazias, olham o mar que, por respeito, lhes não toca.  Na verdade, inveja-lhes a cor e envergonha-se de lhes o dizer.

Preso no verde, irrita-se por a elas não conseguir chegar (nem nas noites em que  a lua mais o chama).  Líquido, nada o amarra à terra que procura onde ela se espalha em praia e,  falho de outra voz, golfa espuma, cospe ao vento.

Uma e outra vez tenta. Sempre mais uma. Sempre mais outra.

A vergonha de falhar, esconde-a na areia. Por isso a encontro húmida e a saber a sal… como lágrimas.




The empty, closed houses, gaze down at the sea which will refrain from touching them, out of respect. In all truth,though, it envies their colors and is ashamed of letting them know it.

Tangled up in green, it gives in to the frustration of not being able to clasp them (not even on those nights when the moon calls louder). All liquid, nothing ties it to the land it seeks on the spreading beach and, voiceless, it belches foam and spits on the wind.

Time and time again it tries. Ever one time more. Ever another time more.

The shame of failure, it hides it in the sand. That is why I find it humid and salty... like tears.




domingo, 7 de abril de 2013





Orquídeas. Foi por elas que saí hoje com o nascer do sol. Sabia que as havia para os lados do cabo Espichel e foi lá que as fui procurar, entre a Azóia e o farol, no lado nascente da língua agreste que forma o próprio cabo.

São pequenas, algumas delas. Tão pequenas que facilmente se não dará pela sua envergonhada presença, numa caminhada mais despreocupada.  Eu  que as procurava de olhos atentos, confesso que uma hora passada sobre o inicio da caminhada estava já a pensar que voltaria para casa de mãos (e máquina) a abanar, não fora o sorriso matreiro de uma erva-abelha - assim dizem os compêndios que o povo lhe chama - me ter chamado a atenção ( ou não fosse  eu daqueles que prezam quem com sorriso franco os chama…).

Sabendo o que se procura a busca torna-se mais fácil e facilmente descobri muitas outras destas pequenas plantas na terra  mais nua, entre erva e vegetação rasteira.

Destas e de outras, porque foram 4 as espécies diferentes que num só passeio tive a sorte de poder ver, eu que nenhuma delas alguma vez tinha visto, pelo menos desde que iniciei a minha muito pessoal coleção de muito especiais cromos, que não se vendem, não se trocam, mas que guardo com orgulho e mostro  com prazer.

Ontem voltou o sol, hoje foram as orquídeas …

Pena é que tudo o resto continue a ser Portugal… e não é pelo país, de que eu tanto gosto….




 
                                                                    Erva-abelha - Ophrys speculum

Anacamptis papilionacea


                             Erva-dos-macaquinhos-dependurados                                         Erva-vespa
                                                Orchis italica                                                            Ophrys lutea

O
rchids. The reason why I went out early, today. I knew that they could be found in the Cabo Espichel area, so that’s where I went looking for them, between Azóia and the lighhouse, on the eastern side of the rough strip of land that forms the cape.

Some of them are tiny. So much so that the occasional trekker on a carefree hike  will not, in all probability, notice their inconspicuous presence. I do confess that one hour into my walk, in spite of having been looking for them with eyes open wide , I started to think I would have to go home empty handed (and that means photos also), were it not for the cunning smile of an erva-abelha – so people call them, say the books -  who grabbed my curious attention (I, being of the type who cannot  resist a smiling call…)

Knowing what to look for makes for an easy search and I easily found  many other specimens of these tiny plants amidst grass and undergrowth.

But they were not alone, because I was lucky enough to find  4 different species that I had never seen before, at least since I began my very personal  collection of very special stickers, that cannot be sold, cannot be traded, but that I proudly collect and exhibit with pleasure.

Yesterday the sun was back, today the orchids….

Pity that all the rest continues to be Portugal… and I don’t mean the country, which I so much like….

sábado, 6 de abril de 2013


S
ento-me ao teclado e soçobro. Não de vontade mas de tema, de palavra. Como é a ideia? De onde a história, o porquê das coisas, quando nem da coisa estamos certos? Não é fácil a escrita. Não é fácil o invento. Não é, seguramente, apenas dom (que alguma culpa sempre se lhe terá que reconhecer), o eufemístico “jeito” que todos temos para alguma coisa (não fosse Portugal insigne pátria de jeitosos, que tanto mudam uma tomada,  como brilham em capa de revista de prodigiosas notícias, ou articulam sublimes odes e os mais pós-modernos romances), mas será sem dúvida trabalho, daquele que realmente liberta (desgraçada ironia, esta) e inequívoco fruto: dos anos que li…dos livros que li.

Lembro-me do Pete Seeger (que há longe ouvi, o que é também uma intensa forma de ler, quando se pratica de sentidos  atentos) dizendo de dentro do altifalante:  "My father said in his own musicological way, plagiarism is basic to all culture." E concordo.  No limite a história é só uma em múltiplas variações, servida por um universo finito de caracteres e quási-finito de palavras: a eterna e circular história do escritor frente ao papel. 


                                       Procuro refúgio de um sol intermitente
                                       como quem busca abrigo da chuva:
                                       a mesma árvore serve ambos os fins.
 
                                       Desenho no ar em traço tosco, dormente,
                                       polígonos de nada. Assenta-me que nem luva
                                       o ato que se exprime inútil, o golpe de rins
 
                                       Que me evita a tentação  da quadra.
                                       Se é para fazer que o faça complicado
                                       de forma tal que custe até a acreditar
 
                                       que  não é poema, que  não se enquadra
                                       em  feliz escrita de pendor apurado
                                       e que se palavras juntei, foi só mesmo por juntar…


I sit in front of the keyboard only to fail. Not by lack of will but for lack of theme, of words. What is that generates the idea? Wherefrom does the story, the why of things, come,  when we’re not  even sure of the thing itself? Writing isn’t easy, nor is invention. It isn’t only a measure of *gift* (although it has to be blamed for part of it), the euphemistic *hang of it*, (Portugal being a world of people full of ”hang of it”, multi-charismatic faces that are equally handy at changing a socket,  as subject matter for glittering photos on the cover of magazines packed with prodigious news, or as builders of sublime odes or the most post of all the post-modern novels); It is most certainly work , of the type that really liberates (a truly wretched irony), but also an irrefutable consequence… of all the time I spent reading… of all the books I read.

I remember Pete Seeger (whom  I heard long ago - hearing being also an intense form of reading, if done with fully awaken senses) proclaiming from within the walls of the loudspeaker: "My father said in his own musicological way, plagiarism is basic to all culture”.  Agreed! In the end it all boils down to a single plot, with multifarious variations, supported by  a finite number of letters and a quasi-infinite universe of words: the vastly eternal and circular story of the writer facing the white sheet of paper.


                                   I seek shelter from an intermittent sun
                                   as if someone searching for shelter from the rain:
                                   The same tree serves  both ends.

                                   With coarse, dormant lines I fill the air
                                   with  polygons of emptiness. An useless deed
                                   that suits me like a glove, the dribble that

                                    saves me from being tempted by the quatrain:
                                    If it is to be done, let me do it in such a complicated way
                                    that it’ll be hard to believe

                                    that this is not a poem,  that it just won’t fit in
                                    with any merry and elaborate way of  writing
                                    and that if words I chose to assemble..well, it was just for the sake of it….