Tempo de sobra. Coisa rara em mim, que tenho sempre algo para fazer.
A contrariedade de um perónio fracturado, remete-me a tal estado.
Deitado, de perna para o ar, procuro empurrar os ponteiros do relógio com coisas poucas, formas de andar que dispensem pernas, pés, em particular, tornozelos...
Livros... Onde estaria sem eles?...
...a facilidade do écran pequeno do telemóvel, por agora, minha janela para o mundo...
...o pensamento, chamemos assim ao, por enquanto, perene processador que me permite congeminar resposta à contrariedade casual que me reclama.
E porque não um poema? Feito ele também da arbitrariedade dos dias, do acaso simples da frase? Quase um singular cadavre exquis de um só autor, um jogo de construção com tijolos-palavra, tudo por puro diletantismo e necessidade de encher os sessenta segundos de um minuto com massa crítica que o estoure em foguetaço em cadeia.
Sem outras regra que a necessidade de, no seu curso construtivo, lhe deixar espaço para algum tipo de rima, só por uma questão de musicalidade e de tornar o exercício um mícron mais exigente.
Avancemos então. Todos os dias, uma linha.
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Se o sal tem flor, mar é jardim
e as ondas vento, movimento
constante, de seara sem fim,
Vai-vem eterno, paramento
sacro que desce sobre o dia
até que perca toda a cor
e se converta em noite fria
linho de estrelas, inverso alvor.
Contemplo o voo das gaivotas
dobras de ar que asas revelam
num voltejar de tantas voltas
que juraria que se atropelam.
Procuram peixe, sobra-lhes espuma
e o desalento sobre a areia
em que vão pousando, uma a uma,
maré de nada, inda assim cheia.
Já não lhes ouço a gritaria
que o ar fendia, em frenesim
má foi a sorte da pescaria
