terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Outro....

aos poucos alguém me esvazia a gaveta onde guardo o que não tenho

so long, Joe! We all need someone to love!




Another one...

bit by bit, someone is emptying the drawer where I keep what I don't have

so long, Joe! We all need someone to love!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014


Um dia mudo, a preto e branco, corre pelas árvores como fita antiga. Falta só o piano (que as legendas são dispensáveis, de tão óbvio o desconcerto de quem olha).


E porém, do outro lado do morro, de onde olho admirado, o dia chama calmo, pleno de cor, brilhante no reflexo do orvalho que tudo cobre.


É este o segredo que os dias, os meus dias, me contam: basta olhar para ver, basta ir, basta procurar. Se o fizer, tudo se reinventa, porque o tempo tudo habita e a nós, que também por ele somos habitados, que também mudamos (… com o tempo), apenas nos é pedido que nos deixemos surpreender… como se não o soubéssemos já… como nos filmes, antigos, mudos, a preto e branco.



A silent day, in black and white, flows through the trees as if an old movie. Only the piano is missing (captions being dispensable, such is the bewilderment of the onlooker ).

And yet, on the other side of the hill, from where I stare in awe, the day calls quiet, full of colour, shinning in the reflections of the ubiquitous dew.

This is the secret that days, my days, tell me: it only takes some looking, some going, some searching. If I do it, all will be reinvented, for time inhabits everything and we, who are also inhabited by time, who also change (...in time), only have to let ourselves be surprised... as if we didn't already know it... as in old, silent, black and white movies.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014


Olhou o rio, lá em baixo, indiferente, quase parado, de água escura porque o dia ainda mal amanhecera. Dentro em pouco, das sombras que escondiam agora pedras e arbustos em ambas as margens, sairia alguma cor, apesar do outono que principiara há quase um mês e que  deixava já claras marcas nas árvores que ladeavam o calmo curso de água, algumas delas tão velhas e altas que os topos das copas passavam mesmo em altura a velha e enferrujada treliça metálica onde, imóvel, contemplava, o rio e a dúvida.

E então saltou.

No dia seguinte, quando deram pela sua falta, fizeram-lhe a cama, e entregaram  a mala com os poucos pertences de viajante efémero no depósito de perdidos  e achados da estância de montanha a que há dois dias chegara, só e sem reserva antecipada.

A polícia ainda o procura.

Na última página do livro, ficou a saber-se que afinal não morrera e que vivia agora em Londres, noutra história, também ela com fim estranho e despropositado.



He looked down onto the river below, flowing  indifferent , almost still, its water dark for the day was still dawning. In a short while, from the shadows  now hiding stones and brushes in both banks, some colour would emerge, in spite of the autumn that had begun almost a full month past and that had already left conspicuous marks in the trees that bordered the quiet water stream, some of them so old and tall that the canopy tops stood prouder of the old and rusty lattice from where, immobile, he contemplated both river and doubt.

And then he jumped.

The next day, when his absence was  finally noticed, they tidied up his bed  and handed his bag, holding his few ephemeral traveler belongings to the lost and found depot at the mountain resort where he had arrived two days before, alone and without previous reservation.

The police is still searching for him.


On the book’s very last page it came to be known that he didn't really die and that he now lived in London, in another story, also with a strange and unfitting end.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014


Gulbenkian
 
A cor do acorde que me lembra
o dia,
sai-me da boca
de cor

E ergo com  outros no palco
a ventania
de vozes, num tom
maior

que tudo forma em som,
mesmo o corpo, mesmo o ar.

Sem saber, eu já sabia 
o quanto é bom aqui cantar.

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014






Deixa o vento ser-te mão
Deixa-o tocar-te
Dentro


Deixa o vento ser-te lábio
Deixa-o beijar-te
Lento


Deixa o vento ser-te olhos
Deixa-o  olhar-te
sedento

Deixa o vento
ser-te

deixa,
deixa,
deixa,

o vento!


 
Let the wind be hand
Let it touch you
Inside
 
Let the wind be lip
Let it kiss you
slowly
 
Let the wing be eyes
Let it look at you
thirsty
 
Let the wind
be you
 
let
let
let
 
the wind
 


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Outono.

No calor mole da manhã o vento varre forte os caules da erva seca e faz-se ouvir entre as copas dos pinheiros, talvez para me saudar (que foi larga a ausência); talvez para me lembrar que os dias já vão bem mais curtos e que logo, logo, tudo se recolherá, à míngua de sol.

Ischnura pumilio

Estimulados pela luz e pela temperatura, gafanhotos e libelinhas vivem tempos de urgência, na pressa da multiplicação (que, não tarda, vem aí o inverno e  outra vez as chuvas, que este ano tantas foram…).



Voam frenéticas. Procuram parceiros. Copulam. Em pleno voo, num acrobático e coordenado exercício de esforço. Na contra-luz é fácil perceber que são inúmeras, tantas são as asas que chispam por entre a vegetação rasteira.  Lá em baixo, no tanque, que se espera nunca venha a servir para abastecer  os helicópteros,  guardado pela aparente indiferença das rãs, vejo-as, voando ainda emparelhadas, depositar ovos aqui e ali, num saltitar sincopado, a lembrar a movimentação robótica de  uma qualquer máquina de alta precisão.

Pelophylax perezi


Ischnura pumilio

48 horas depois, no mesmo lugar, tudo mudou.

No rescaldo de uma noite que trouxe um marcado arrefecimento, já quase se não  veem.  Procuro com cuidado entre os caules e não tardo a encontrar uma: imóvel, tomada pela humidade que lhe assenta pequenas gotas no longo corpo. Fotografo-a durante longos minutos. De tempos a tempos abana freneticamente as asas, aquecendo-as, em resposta à temperatura do dia que, entretanto, vai subindo. Passa as patas pela cara para a libertar da água, como eu há pouco também fiz, em casa. Um último abanar de asa e, rápida como sempre são, desaparece entre as copas baixas dos pinheiros mansos.

Sympetrum fonscolombii

Sigo caminho e desço uma encosta mais protegida do vento: por aqui ficou à noite agarrada à haste de uma já seca flor de rosmaninho. De asas abertas,  totalmente perlada pelo orvalho que, aqui, ainda levará algumas horas a evaporar. Há-de também aquecer e partir,  caso algum pássaro ou lagarto mais afoito não dê por ela …que assim se passam as coisas na natureza e nem todos as contemplam pelo prazer de olhar...


Chrocothemis erythraea
Autumn

In the lax  heat of the morning the wind swipes across the dry grass stems and makes itself be heard through the canopies of the pines, to salute me, maybe (for the absence has been long); or maybe to remind me that the days are already quite shorter and that in no time all will take shelter, for want of sun.

Driven by  light and temperature, grasshoppers and dragonflies live times of urgency, in the haste of multiplication (for soon winter will come and with it the rains, many as they were this year...).

They fly frantically. Looking for partners. They copulate. In mid-flight, in an acrobatic and coordinated exercise of effort. Against the sunlight it is easy to understand  they are countless, so many are the wings that sparkle amidst the undergrowth. Down there, in the small reservoir, which one hopes will never have to be used to feed the helicopters, I watch them, under the apparent indifference of the frogs,  flying, still in tandem, laying their eggs here and there, in syncopated hops, as if the robotic movements of any high-precision machine.  .

48 hours later, in the same place, all has changed.

In the aftermath of a night that has brought about intense cooling, they are almost nowhere to be seen. Still, I carefully look in between the stems and soon I find one: motionless, taken by the humidity that generates small droplets over its long body. I photograph it for quite a while. At spaces it franticly waves its wings, warming them up, in reply to the slowly rising temperature of the day. It rubs its eyes to clear them of the water, just as I did a while ago at home. One last wave of the wings and, as fast as they always are, it disappears amongst the low set canopies of the stone pines.

I keep on going and go down the slope on the leeward side: it spent the night here hanging to the stem of an already dry rosemary flower. Wings wide open, fully pearled by the dew that will still take a couple of hours to evaporate. It too will warm up and go, (that is if no daring bird or lizard will notice it…. For that’s the way things go in nature and not all contemplate them for the sheer pleasure of looking….

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O homem que pedala, que ped'alma
com o passado a tiracolo,
ao ar vivaz abre as narinas :
tem o por vir na pedaleira

                       (Alexandre O'Neill)


Há um ano que pedalo, no ir e vir de todos os dias. Antes já pedalava, desde há muito, mas agora faço-o com a regularidade que roubei ao autocarro. Contas de aritmética simples e de “igual a” dão-me quatro mil no resultado. Tanto quanto de casa às fronteiras da Ucrânia com a Rússia (que obviamente não procuraria por estes dias conhecer) ou de casa até ao cabo Norte, lá pelas brancuras da Noruega.

Não procuro nada em especial senão locomoção e prazer. Dois direitos que me são caros e inalienáveis. E a bicicleta garante-me ambos,  o “por vir na pedaleira” como inigualavelmente disse um dia o O’Neil.

Parêntesis

Momento de natural e rebuscada vaidade: eu conheci o homem. O Poeta. Isto  é, estive ao pé dele várias vezes embora as circunstâncias não fossem daquilo que finamente se define como privar. Aliás, privado fiquei eu de resposta no dia, o único, creio, em que me dirigiu palavra, para me pregar um enorme e merecido raspanete por algo que tinha a ver, acho (quase quarenta anos depois, a memória da causa, que não do efeito, já me vai falhando) com os pés em cima de uma cadeira do teatro onde estávamos, ou qualquer outra patetice de puto libertário e libertino, ou simplesmente impertinente e mal-educado.

Fecha parêntesis

O ar, que se faz vento; a estrada, que se faz corrida; os outros, que se fazem trânsito e os do passeio, que se fazem passado, tudo na bicicleta se prova e saboreia com o prazer dos simples.

A minha bicicleta tem um pequeno motor elétrico que me ajuda nas subidas. Combinação perfeita, porque ainda que arfe quando a o declive é mais longo e pronunciado, nunca o coração me promete saltar de entre a pulmadura (palavra magnífica que não encontro no léxico mas que ouvi no meio das aulas de português entre duas baforadas de Ritz - ou seria SG? - a quem tinha pleno direito de a inventar).

Parêntesis

Tinha a letra mais miudinha e certa que alguma vez vi e enchia as aulas de fumo e de deuses gregos, logo  a mim que nos anos de liceu nem aos deuses cá da terra prestava atenção que fosse (bem, o tempo passa e algumas coisas nunca mudam…). Dava aulas de latim também, a dois alunos daqueles que ousavam notas impróprias, mas eu, tanto de umas como de outras, estava absolutamente livre.

O Virgílio Ferreira era um chato!

Na altura.

Que pena tenho eu de o ter tido à mão fora de tempo.

Fecha parêntesis

Sol, vento, chuva, nada é impróprio ou incontornável para uma bicicleta. Se assim fosse não existiria Holanda, nem Dinamarca, porque as pessoas não sairiam de casa. É moda? Sim, por aqui começa a ser, ou não fossemos nós, neste recanto  da ibéria, dados a tudo o que é coisa com o mais leve cheiro a modernaço e pimpão…. mas, por definição, as modas passam, e o que importa mesmo é o resíduo, o ”assento” que, se tiverem de verdade algum substrato, acabam por deixar.  É por isso que, por uma vez, acredito que alcançaremos a massa crítica que  separa a moda do natural. Assim foi em  cidades onde a bicicleta é agora transporte democrático e igualitário, partilhada como serviço público.

E o prazer de me sentir vento? E o chão que se enrola sob a tira fina de borracha em ritmo redondo e evoca música, que ouço cá dentro, onde não são precisos auscultadores? E as linhas que penso, leio e escrevo? Mesmo nas subidas…

E, logo a seguir, a descida, sem esforço, sem sequer pedalar, embalada apenas pelo ruído seco dos pneus sobre o asfalto.

Tudo pelo preço de um simples exercício de pernas em circular ostinato de músculos…uma pechincha, meus caros, uma pechincha…

A eterna  bicicleta: ontem velha limousine dos pobres, hoje marca de moderno e  urbano (deste último, em todas as aceções).

Parêntesis

Urbano também. Tavares Rodrigues. Não sei se ele alguma vez andou de bicicleta (que o faria por certo com a graça da imaculada e elegantíssima figura) mas lembro o homem sábio de tudo que me enchia as aulas de Literatura Francesa com a leveza de uma presença serena, exigente e sabedora.

Fecha parêntesis

Há um ano que pedalo, no ir e vir de todos os dias.

Tenho o por vir na pedaleira!

terça-feira, 8 de julho de 2014

 
Subir. A encosta. Íngreme. Pela estreita tira de barro seco e duro que rompe o verde algodoado das estevas em maio - agora apenas verdes e pegajosas, trocadas as flores que foram pelo perfume intenso, resinoso. 

Até ao cimo. Pela subida. Pela vista. Por querer saber o que está do outro lado.




Meia encosta.  Cada vez mais pronunciado o declive. Procuro piso certo que finque o pé. Húmido e quente o dia, cola-se à camisa, molhada de suor e vontade de querer continuar. O coração bate forte e rápido. Paro. Para respirar. Para ganhar fôlego.  Cravo a bota numa laje de xisto e prossigo. Passo a passo, estou mais perto, mas também é mais difícil e inclinado o trilho.


Paro mais uma ou duas vezes. Olho em torno, nada se move, nem o ar, parece. Mais um esforço. A grande pedra em que assenta o topo do monte. A vista... ainda não; tiro a mochila e pouso-a mais o tripé no chão. Estico o corpo, respiro fundo. A vista, sim! Desimpedida  a não ser pelo morro alguns metros em frente que junta à ruína de casebre que o encima o branco sujo de um velho marco geodésico.


Fotografo (afinal foi por isso que subi): o céu duro e convulso, prenúncio de chuva, num dia cinzento que dissolve as cores, esbate o contraste e tudo envolve em fina neblina húmida e peganhenta.

Demoro-me o suficiente para gozar a pequena vitória da meta alcançada, do objetivo cumprido. E desço de novo.

 

Pelo mesmo trilho. Cuidadosamente. Passo a passo, que a descida também é difícil e sente-se nas pernas moídas de subir.

Meia encosta. Paro de novo e olho o dia, já diferente. Por cima de Monsaraz há uma fenda azul no cinzento. Sigo em frente, embalado  pelo cheiro doce das estevas e dos poejos.

Chego finalmente à ruina na base do trilho. Uma lebre salta-me inesperada ao caminho e desaparece de novo no amarelo pardo da erva seca.

Eu fui lá acima. Não como Martin Luther King, que há montanhas que só os enormes sobem.

Mas, de alguma maneira, do topo do pequeno monte, e à minha mísera medida de homem, os meus olhos também viram a glória, fosse ela do que fosse….

To climb. Up the hill. The steep hill. Along the narrow stretch of dry clay that cuts through the  rock-roses - cottony green in May, as in the photograph I remember taking back then,  now just green and sticky, for all the flowers are  gone, as if traded for the intense and resinous perfume that remains.
Up to the top. For the sake of climbing. For the view. For want of knowing what lies on the other side.

Half way up. The slope ever more step. I try to step on firm ground. The hot and humid day sticks to the shirt, drenched in sweat and will to keep going. The heart beats fast and strong. I stop. To breathe. To regain my breath. I stick my boot into a slab of schist and  keep going. Step by step, I’m getting closer, but the going is also harder and steeper.

I stop a couple of times more. I look around, nothing moves, not even the air, it seems. I push on. The big bolder that sits atop the hill. The view… not yet; I put down my backpack and tripod. I stretch the body and breathe deep. The view, yes: unencumbered but for the hill a couple of metres ahead,  with the ruin of what was once an hovel and the dirtied white of an old geodesic mark.

I photograph (after all that was the reason for me having gone up the hill): the hard and convulsive sky, foreboding rain, in a grey day that dissolves all colours, softens contrast and all involves in a fine, damp and sticky mist.

I stay long enough to enjoy the little victory of getting to the finish line, of the accomplished objective. And I go down again.

Along the same path. Carefully. Step by step, for the descent is also tricky and can be felt on my legs weary from the climb.

Half way down. I stop again and look at the already different day. Over Monsaraz there is a blue gap in the grey cover. I thread on, lulled by the sweet scent of rock-roses and pennyroyal.

I finally get to the ruin at base of the path. A startled  hare unexpectedly pops up right in front of me only to disappear again amidst the drab yellow of the dry grass.

I have gone up to the top. Not as Martin Luther King has, for there are mountains that only the enormous can climb.

But, in some way, from the top of the small hill and in the measly  scale of man, my eyes have also seen the glory, whichever it was…..

segunda-feira, 30 de junho de 2014


Porque não escrevo mais? Pergunto-me.

E, no entanto, escrevo. Muito. Fora do caderno, do teclado, são inúmeras e imensas as folhas que encho com as mais estonteantes palavras, as mais intensas crónicas, os mais deslumbrantes poemas.

Sou um perfeito artesão das letras, quando estou longe da secretária que me vê tentar não deixar a putativa folha tornar imaculada à eletrónica e infindável resma que habita algures no meu computador. Nessas alturas, só, entre dois passos de caminho ou uma volta da pedaleira, escrevo o que não conto, e imagino-me leitor de mim.

Orgulhoso de tanto pensar, de tão intensamente refletir, satisfaz-me saber que cumpro o que não faço: quem de tamanha forma se esforça não merece o castigo do remorso e pode olhar a invicta inércia olhos nos olhos e queixo bem levantado!

A folha, essa, continua vazia, mas não é por falta de vontade…, é só porque há sempre, mas sempre, uma boa razão… mesmo que a não conheçamos!

Why don’t I write more? I ask myself.

And yet I do write. A lot. Away from the notebook or the keyboard, countless and immense are the pages I fill with the most stunning words, the most intense chronicles, the most dazzling poems.


I am a craftsman of the perfect word, whenever I am away from the desk that watches me trying hard not to let the putative sheet turn back untouched to the electronic and endless ream that inhabits my computer somewhere. At those times, alone, in between two steps or a turn of the pedal wheel, I write what I do not tell, and imagine myself a reader of  me.

Proud from thinking so much, from such an intense reflection, I revel in the knowledge that I quite accomplish what I do not:  he who commits himself in such a dedicated way shall not endure the punishment of remorse and can proudly look the undefeated inertia right in the eyes.

The sheet?... well,  it will remain empty, but not from lack of will… it’s just that there is always, but always, a good reason… even if we don’t really know what it might be!

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Redondilha

Lembro-me das criptomérias, a propósito de nada.
Talvez da palavra, ela própria: sonora, estranha e inesperada
como inesperado é eu lembrar-me das criptomérias
quando os jacarandás tingem de azul o que nos diziam verde
como são as criptomérias
de que me lembro
a propósito de nada.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Junho é mês da criança. É por isso que nos campos as flores ganham o escarlate das joaninhas, embora hoje, os urbanos e pós-modernos homenageados do mês, como muitos dos seus orgulhosos progenitores, as prefiram em versão digital, 64 bits, com ligação à internet e possibilidade de sincronização com o correio eletrónico, compatível com inserção simultânea no feicebuque.

Coccinella semptempuctata
 “Joaninha avoa, avoa, cu teu pai foi pra Lisboa”, desejo tantas vezes repetido, com a solenidade de um verdadeiro mantra, enquanto pelos dedos da mão aberta o pequeno e simpático coleóptero, roubado à flor com o cuidado de quem mal não deseja, corria, em desorientado vaivém.

E de repente, avoava mesmo. Para alegre desconsolo de quem nunca sequer lhe imaginara asas sob o brilhante nacarado dos élitros, apenas maculados pela graça carnavalesca dos negros pontos que lhe emprestam a graça ao fato.

 
 
Graphosoma Lineatum

Junho é mês da criança. É por isso que na mesma umbela já desnuda de flor, os percevejos listados passeiam as irrepreensíveis camisolas de futebolistas, e que miríades vermelhas de diminutos ácaros tomam de assalto as flores.

Scabiosa artopurpurea
E no entanto, na minha mata, não vejo outra criança que não eu…ou melhor…o que dela resta, no que têm de eterna idade dos porquês.
 
 
 
June is the month of the children. That is why  flowers in the fields earn the scarlet of the ladybugs, although, nowadays, the urban and post-modern recipients of the month’s honours, as many of their proud progenitors, would prefer their digital version: 64 bits, with internet connection and the ability to synchronize email, compatible with simultaneous feicebuque posting.


 “Joaninha avoa, avoa, cu teu pai foi pra Lisboa” (*), a wish time and time again repeated , with the solemnity of a true mantra, while the small and charming coleopteron, stolen from the flower with the care of one that means no harm, would run disoriented, back and forth along the palm of the opened hand.

And all of a sudden it would actually fly, for the  joyful disappointment of those who had never even imagined wings under the bright pearly elytra, solely marred by the festive grace of the black dots that lend elegance to its vest.


June is the month of the children. That is why on the same already flowerless umbel, the striped bugs perambulate their irreprehensible soccer team shirts, and that red hordes of diminutive mites assault the flowers.

And yet, in my woods, I see no other child than me…that is… what’s left of it, in what they have of the eternal age of whys.
 
 
(*) Fly Ladybug, fly, for your father has gone to Lisbon... (a time honoured children's rhyme)
 
Tuberaria gutatta
 

quinta-feira, 15 de maio de 2014




Recortadas contra o céu, no limite do horizonte, invocam histórias de maravilha, de cavaleiros, duendes, círculos mágicos,  tapetes que voam e de belas princesas presas pelos percalços de um destino feito na distância de amores que se não cumprem. Belas como as que ouviram contar tantas vezes, ao fim da tarde, como prenúncio de beijos, juras de amor, enlevos de romance, também ele à sua sombra escrito. Amores difíceis (ou, por certo, não haveria história que se contasse), conquanto ainda mais sinceros e verdadeiros, como qualquer manual da semiótica dos enlaces atesta.

Sem nunca dali terem saído, têm nas raízes o sabor a mediterrâneo com que engordam no verão os seus humildes mas valiosos frutos, pasto de recatados animais que neles se alimentam e nas rugas que lhes marcam a casca a lembrança do mesmo mar que lhes denuncia a origem.

Imóveis espreitam os dias, que por elas passam na escrita dos ciclos com que se acrescentam os anos. Dir-se-iam indiferentes…e, no entanto, nada estaria tão longe da verdade, pois que a eles reagem com a constância de um destino que, em contínuo, se alterna em histórias de flor e fruto, manifestações tangíveis da seiva que lhes incute a vida, alimentada a sol, o mesmo sol que ironicamente seca dura e greta a terra a que se agarram há tantos, tantos anos.

Mas isso é pelo tempo da canícula. Por esses dias, nada se atreve a correr à luz, nem mesmo as lebres que se protegem, nas horas de maior calor, nas tocas entre as rochas e o pardacento restolho que as máquinas antes cegaram.

Agora, no tempo em que as sementes se desdobram em ereta promessa de caule e folhas e que a campina explode prenhe de vida, a terra nem se vislumbra, coberta pelo imenso lençol que ganha a cor das flores. Amarelo aqui, branco acolá, azul mais ali.

Este é o tempo que admiram. O tempo em que se sabem soberbas, rainhas de corte, coroadas de verde vivo, cintilante, sós sobre o pequeno morro, de onde espreitam tudo em volta: o vento, a azáfama vertiginosa das abelhas, a graça oscilante das borboletas, o nervoso e frenético voo das libélulas, a imobilidade das lagartixas e, sempre, sempre, o inebriante e hipnótico ondular da campina tecida a cor, escondendo, aqui e ali, pacatas ovelhas indiferentes aos primeiros corrupios dos cordeiros que ainda amamentam.

Quatro irmãs no acaso da semente.

Para prazer de fotógrafos e outros diletantes.



Outlined against the sky, at the very end of the horizon, they summon tales of wonder, of knights, goblins, magic circles, carpets that fly and beautiful princesses caught in the vicissitudes of a destiny that unfolds in the distance of unfulfilled loves. As beautiful as those they heard countless times be told as the afternoon dwindled, as a prelude to kisses, love vows, raptures of a romance that it too is written under their shade. Impossible loves (or there would certainly be no story to be told), and yet even more sincere and true, as any  handbook on the semiotics of enlacement will testify.

Without ever having left their place, they carry in their roots the taste of the mediterranean with which, in the summer, they fatten their humble and yet valuable fruits, sustenance for bashful animals that feed on them, and in the wrinkles that mar their skin the memory of the same sea that bears witness to their origin.

Motionless they peek on the days that run through them while writing the cycles that add on the years. Indifferent, it could be said of them… and  yet nothing would ever be more distant from the truth, since they react with the constancy of a destiny which continually alternates  in tales of flower and fruit, tangible manifestations of the sap that injects life unto them, fed by the same sun that ironically dries hard and cracks the soil to which they have been clinging to  for so many years.
But all this happens during the times of extreme heat. In those days nothing dares to run in the light. Not even the hares that protect themselves, during the hours of more heat, in burrows between rocks and the drab stubble the machines have previously cut.

By now, in the days when the seeds unfold erectly, promising stem and leaves, and that the meadows explode pregnant of life, the soil cannot even be grasped, covered as it is by the endless sheet that adopts the colour of the flowers. Yellow here, white over there, blue there still…

These are the days they admire. The days during which they feel entitled to be arrogant, court queens, crowned in vivid, scintillating green, as they lay alone in the small hill from where they peep on everything around them: the wind, the vertiginous bustle of the bees, the oscillating grace of butterflies, the nervous and frenetic flight of the dragonflies, the immobility of lizards and always, always, the inebriating and hypnotic swelling of the meadows woven in colour, here and there hiding peaceful sheep, oblivious of the frolicking of the tender lambs they still suckle.

Four sisters drawn together by chance of seeds.

For the pleasure of photographers and other dilettantes.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Fly fishing

I

Uma águia pousou no mais alto dos ramos. Cá em baixo, o rio parecia fugir, mas, na verdade, nas águas quase paradas escudadas pelos salgueiros, eram os peixes quem mais se mexia na inquietude oscilante da sombra.

O pescador lançou a mosca. Uma e outra vez. Uma e outra vez. Uma e outra vez.

A águia mergulhou do alto e, de asas abertas para o pescador, cravou as garras numa truta.

 II

Uma folha caiu da árvore e deu-se à terra enquanto a  águia pousava de novo  no mais alto dos ramos.

Ainda assim não era o mais alto que a terra ali chegava, pois a montanha era claramente mais alta que a árvore.

O Pescador, alheio à disputa entre a árvore, a águia e a montanha, lançou a mosca. Uma e outra vez. Uma e outra vez. Uma e outra vez.

Uma truta saltou na água e encheu de borrifos a cara do pescador.

III

A montanha olhou desdenhosa para a árvore. Altiva, coroava-se de branco perene, como se de real arminho se tratasse.

A águia levantou voo da árvore por não se querer imiscuir na disputa.

O pescador lançou a mosca. Uma e outra vez. Uma e outra vez. Uma e outra vez.

A truta mordeu tudo o que quis, menos a mosca.

IV

O sol baixou e a árvore alongou-se ainda mais pela sombra.

A montanha corou na promessa da penumbra, e o grito da águia ecoou uma última vez, como se do clarim de recolher se tratasse.

O pescador, desanimado, cortou o nó que ligava a mosca à linha e atirou-a ao rio.

A truta viu a mosca a boiar na água e, naturalmente, comeu-a.


I

An eagle landed on the highest branch. Down below, the river seemed to run, but in due truth, in the nearly still waters shielded by the willows, fish were what stirred the most  in the oscillating quietness of the shadows.

The fisherman cast the fly. Time and time again. Time and time again.Time and time again.

The eagle dived from above and, wings wide opened towards the fisherman, drove its claws into a trout.

II

A leaf fell from the tree and touched ground, while the eagle landed again in the tallest of the branches.

Still it was not the highest that the earth itself reached there, for the mountain was clearly taller than the tree.

The fisherman, oblivious to the dispute between the tree, the eagle and the mountain, cast the fly. Time and time again. Time and time again. Time and time again.

A trout jumped out of the water and splashed the face of the fisherman.

III

The mountain looked at the tree in disdain. Arrogant, and crowned in everlasting white, as if in royal ermine.

The eagle took off again, for fear of getting caught in in the dispute.

The fisherman cast the fly. Time and time again. Time and time again.Time and time again.


But for the fly, the trout bit whatever she felt like biting.

IV

The sun went down and the shade seemed to stretch the tree even more.

The mountain blushed in the soft early evening light and the eagle’s yell echoed one last time, as if a curfew bugle.

The fisherman, disappointed, cut the knot that tied the fly to the line, and tossed it into the river.

The trout saw the fly floating in the water and, naturally, ate it.



terça-feira, 6 de maio de 2014

Amaro. Nome de crime que nunca o foi, gritado nas ruas velhas de uma Leiria que, de repente, se enchem de um torvelinho de gente. É a história que os guia, a história que quase todos terão lido e que agora (re)descobrem  ali, onde o escritor quis que acontecesse.

Amaro … padre que recusa a castração pela sotaina e se perde de amores como se também homem fosse…porque também homem era.

História séria, fê-la Eça. Leitura desemproada fazem-na os que agora lhe dão corpo, com o corpo ofegante da constante correria pelas vielas íngremes da velha cidade.

Jogo de esconde-aparece, de luzes… brilhantes, os cinco atores que são inúmeros e plurais e nos guiam pela trama, rua acima, história acima, num irrequieto percurso ladeado de apontamentos da inteligência de um humor que nunca se sobrepõe ao eminente drama que, também ele, se desenrola às vistas de todos, entre vielas onde a presença de José Maria Eça de Queirós nos é imposta pela memória, pela toponímia e por uma exposição de telas de grande dimensão  assinadas pela artista plástica Sílvia Patrício, que marca de igual forma o percurso da história.

O tempo corre rápido quando se gosta. Por estes dias, em Leiria, nas tardes de fim-de-semana, o tempo foge veloz.



Amaro. The name of the crime that was not, shouted through the old streets of a Leiria, which, suddenly becomes alive in a whirlpool of people. They are guided by the story, the story that most will have read and are now (re)discovering there, where the writer had wanted it all to have happened.



Amaro… the priest who refuses castration by the cassock and succumbs to love as if a man… for a man he was.

A serious story, as Eça would have it, now in an uncompromised reading by those that lend their bodies to its substance, their breathless bodies, from the permanent rush along the steep alleys of the old town.

A hide and seek game, of lights… shinning, as do the five actors that are countless and plural and guide us up the street,  up the plot, along a restless path bordered by the intelligent notes of a humor that never ever overruns the impending drama that unfolds before everyone’s eyes, between alleys where the presence of José Maria Eça de  Queirós  is imposed upon us by the memory, by the toponymy and also by the extra large format canvases signed by Sílvia Patrício, that also mark the plot’s path.


Time passes swiftly when you’re having fun. These days, in Leiria, on weekend afternoons, time speeds faster than light!





quarta-feira, 23 de abril de 2014

Desacordo Ortográfico


Interrogo-me
em duas sílabas:

dru

releio-me
no nome
por revisão de texto e
nas palavras que me escrevo
em jeito de manifesto

Desacordo
Ortográfico

segunda-feira, 31 de março de 2014

Na minha mata, o mar entra terra dentro e muda de cor.

Várias vezes por ano.


Por vezes, perde-se verde nas copas altas dos pinheiros, outras languesce roxo nas delicadas pétalas do rosmaninho, outras ainda estende-se em tapete branco e  rosa nas rosáceas  dos sargaços e das roselhas .

Mas, por estes dias, dá-se à terra uno, em preia-mar de amarelo.


Cá de cima, do alto, da curva da estrada, até onde a vista alcança, depois de passar o segredo das dunas, recobra num último folego e explode em espuma de sol, que tudo cobre e tudo tapa.

Na minha mata, o mar conta destas histórias e tudo é seu. Até a luz, até o amarelo, até as acácias.




In my wood, the sea overruns the land and changes colour.

Several times a year.

Sometimes it vanishes in green through the high canopies of the pine trees, other times it subsides in purple, dormant in the delicate petals of the rosemary, while others still it spreads out in the white and pink carpet of the cistus.

These days, though, it gives itself to the earth in a high tide of yellow.

From up here, where I stand, on the high bend of the road and up to where the eyes can see, after overwhelming the secret of the dunes it conjures a last breath, only to explode in a foam of sun that covers everything in sight.

In my wood, the sea tells this kind of stories and it owns everything. Even the light, even the yellow, even the acacias.


sexta-feira, 28 de março de 2014


Fiel dia que me subtrais à lentidão das horas mortas
Conta-me o sol.
Diz-me o que esconde o ramo,
Que histórias de cor e luz incham o gomo
Que perfumes, que inesperadas formas.
Diz-me tudo!

Quero sabê-lo antes das abelhas!

Faithful day that evicts me from the slowness  of the dead hours
Tell me the sun.
Tell what  is hidden in the branch
What histories of colour and light swell the bud
What perfumes, what unexpected shapes.
Tell me it all!


I want to know it before the bees!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Dia Interacional da Árvore
Dia Mundial da Poesia
(histórias de um dia que é só um,
 embalado em óbvia redundância)


Da grande árvore cortada cerce
ainda brota a sombra que recordo,
agora que tudo abarca o sol.

Talvez no fim do dia
se ouça fremir a passarada
e se agitem vivas as folhas
no cinzento morno da rua

como quando olhei para o outro lado
e te vi feliz. Estavas lá, não estavas?


The big fallen tree
still exhales the shadow I recall
now that the sun drenches everything in sight


maybe, by the end of the day,
we'll hear the racket of the birds
and the leaves will come alive
in the dull grey of the street


just like when i looked to the other side
and saw you, happy. You were there, weren't you?

quinta-feira, 13 de março de 2014

Silenceto

Tenho um silêncio que te não dou
- poderias pensar atrevimento –
digo-te antes do que sou, do que não sou
(tu não estranhas e eu cá me aguento…)

Que sim…, que concordas…. que também
tal pensas …, é isso mesmo…, é bem verdade
tudo se sabe,  que é como dizem:
culpa do  tempo… crise de idade.

Aquiesço, alheio, no resguardo da conversa
que mesmo oca é teto, assegura … dá abrigo.
O que quer que digas, não me interessa

Ouvir-te é fado, parece castigo
mas silêncio não! É letra impressa!
é coisa de ouro,  só para amigo!


I have this silence that I won’t give you
- you might think I have a lot of a nerve… –
so I tell you about what I am, and what I am not
(you won’t find it strange and I can well live with it…)

Of course… you  agree, you feel
the same  about it… quite right… absolutely…
the truth always surfaces, just as they say:
blame it on the weather… age crisis.

Absent minded, I consent, sheltered by the conversation: 
even if hollow it is a roof, it reassures and protects.
Whatever you say it doesn't matter the slightest to me

To hear you is a fatality, almost punishment.
But silence is different! It is written word!
It’s precious as  gold, only meant for friends.

Note: again, translated only for the sake of  providing a meaning to the words. All the rest is a lousy exercise of  poetry and as such unsuited for translation

terça-feira, 4 de março de 2014


No vento que sopra forte e varre a escarpa onde, a custo, ferro as botas e o olhar, sopra também a consciência de que nada é mais o que acabou de ser. Óbvia constatação, adequada no entanto, agora que a linha cruza uma vez mais o buraco da agulha para fechar o ponto e rematar a última casa do calendário.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, empurra-me para terra, quando eu anseio  por mar.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, é o mesmo que antes afastou a erva alta que escondia a graça de uma  orquídea solitária.


O vento que sopra forte e varre a escarpa invoca a música dos que há pouco me deixaram a sala para sempre esgotada: Lou Reed, Pete Seeger, Paco de Lucia.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, traz a lembrança do que há-de passar. Eu, levado por ele, olho para trás, para o que foi...

Levarei um ano certo de escrita e muitos outros de idade, quando fechar a entrada de hoje. Na verdade, efemérides completamente irrelevantes para a história da humanidade, mas recheadas de sentido para a história do homem, quanto mais não seja pelo que uma delas implica de subtração ao total vital estatisticamente consagrado.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, deixa-me a sós com a memória.

O vento que sopra forte e varre a escarpa, de tanto o ouvir,  sabe-me a paz!

The wind that blows hard and sweeps the cliff where I struggle to plant both boots and sight, carries the conscience that nothing is what it just was an instant ago. An obvious, albeit fitting, observation,  now that the thread runs once again through the hole in the needle, for the last ending  stitch in the calendar.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, pushes me to shore, when I long for sea.
The wind that blows hard and sweeps the cliff is the same that has just blown the tall grass aside to reveal the gracefulness of a solitary orchid.

The wind that blows hard and sweeps the cliff invokes the music of those that have just left me forever with a sold-out room: Lou Reed, Pete Seeger, Paco de Lucia.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, carries the remembrance  of what there is to be.  Gusted, I look back to what it was….

Exactly one  year of writing and many more of age will I be carrying when I close today’s entry. In all, both are celebrations absolutely irrelevant to the history of mankind, although meaningful to the history of the man, if not for the fact that one of them  entails a subtraction to the statistically admitted  vital grand total.

The wind that blows hard and sweeps the cliff, leaves me alone with my memories.

The wind that blows hard and sweeps the cliff,  is relentless and to me it spells peace!


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Hoje ainda, mesmo agora, pensei escrever
a vidraça baça e húmida que atormenta o dia.
Desisti.
Risquei caneta em rimas, procurei, afoito, tema
Que medrasse fácil, que de letras gravitasse,
só por si…
Ensimesmei, puxei cabelo e sobrancelhas,
cofiei barba…inútil busca, vã a espera,
Concluí.
De poeta, (e se eu queria) , não me dá  arte.
Melhor será que te compre um livro,
decidi,
talvez assim te possa contar histórias
de barcos, deuses  e mar, como  aquelas que
nunca li.

Today, just a short while ago,  I thought I would write
the dull and damp windowpane that upsets the day.
I gave up.
I wrote and wrote the odd rhyme, boldly looked for a theme
That would easily grow, gravitating in words,
All by itself…
I introspected,   pulled hair and eyebrow
smoothed the beard… useless quest, hopeless wait
I concluded.
Of a poet (and how did I want it…) I don’t have the art.
It’s better that I buy you a book,
I decided,
maybe I’ll be then able to tell you stories
of boats, gods and sea, just like those
I never read.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

National Geographic

Escrevo de nada e olho o relógio que corre atrás
escondido na folha azul, como devem ser os dias.
Dou-te a cor, nobre ave, para que possas voar
Que tanta falta me  faz agora a primavera.

Ao fundo da sala, o mar, velho no quadro da parede,
observa…:  o papel treme na ânsia da letra
Tinta, nada mais que tinta,
No mar e no papel.

Hesito, que a palavra se me escapa -
Livre, pública e aumentada -
E, de olhos fechados, escrevo de nada
Agora que me imagino entre a Califórnia e Tombuctu 




National Geographic

I write of naught and look at the watch that runs behind,
hidden in the blue of the paper sheet, just as days are supposed to be.
I colour you, noble bird, so that you may fly
For lately I've been sorely missing spring.

By the end of the room, the sea, old, in the painting on the wall,
observes…: the paper trembles anxious for the letter
Ink, nothing but ink,
in the sea and in the paper

I hesitate, for words escape me –
free, public, augmented –
and, eyes closed, I write of naught
Now that I imagine myself between California and Timbuktu

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014



Só a luz que fere  o escuro  toma o horizonte, carregado e denso. Tudo o resto é sombra, apesar da manhã.

Dias de inverno, mais que isso, de invernia, ou não se sentisse no ar o silvo do vento húmido que desconforta e tudo afasta, mesmo as gralhas, mesmo os pardais…

Subo a pequena elevação a custo. É  íngreme, e a areia por baixo dos pés é relativamente mole. Procuro a vantagem de um horizonte desimpedido. Não é fácil:  um mar de copas verdes, aqui e ali pontuado por esta ou aquela árvore mais alta, perturba-me a  largura do grande écran.

Detenho-me a olhar.  Fotografo. Quero guardar a luz, o torvelinho das nuvens, o escuro do dia. Aguardo um pouco tomado pela inconstância do efémero. Até que as nuvens se fecham. Por completo.

Mata dos Medos

Olho o chão: o amarelo de uma tenra flor de chorão, a primeira do ano, é agora a luz que há pouco me sangrava o céu.

Magia certamente. Eu sei, que tudo vi e tudo fotografei!



Only the light that lacerates the darkness, takes hold of the laden, dense horizon. All that remains is shadow, in spite of the morning.

Winter days, better yet, wintery days, or would not the  air come alive with the whistle of the damp wind that discomforts and repels everything, even the crows, even the sparrows… 

I climb the small elevation at cost, It is steep, and the sand underneath my feet is relatively soft. I look for the advantage of an unencumbered horizon. It isn’t easy: a sea of green tree tops, punctuated here and there by this or that taller tree, hinders my view of the majestic screen.

I stop to look. I photograph. I want to register the light, the whirlwind of clouds, the darkness of the day. I stay for a while, overwhelmed by the inconsistency of the ephemeral. Until the clouds fold unto themselves. Totally.

I look down to the ground: the yellow of a tender ice plant flower, the first of the year, is now the light that a while ago bled the sky.

Sheer magic. I know it. I that have seen and photographed  it all!





quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Costa de Caparica


Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam lentas

Nos olhos, que lhe tomam a cor
no cabelo, que lhe toma as ondas
no corpo, que lhe toma o sal
no beijo, que lhe toma a madrugada,
cabe o mar que lhe molha a mão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam brancas

Escreve o nome em letras de areia
rápidas, urgentes como a espuma.
Para sempre… um coração…,
coisas de criança, ou não fossem namorados,
seres privados de razão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam longas

Tomam-se de enlevo, abraçam-se,
olham o céu e juram
que é cavalo, tigre, águia…leão,
até mesmo um unicórnio,
que tudo lhes deixa a paixão.

Há espaço a mais no ar, por isso as nuvens que passam tolas
e fingem ser o que não são.






There is too much space in the air, hence the clouds that pass slowly

In the eyes that seize its colour
in the air that seizes its waves
in the body that seizes its salt
in the kiss that seizes her dawn
breathes the sea that wets her hand  

There is too much space in the air, hence the clouds that pass in white

He writes his name in sand letters,
fast, urgent as the foam.
For ever…. a heart…,
childish things, as if lovers were not
senseless beings.

There is too much space in the air, hence the clouds that pass in waiting

Enraptured,  they embrace each other 
and look at the sky and swear
that it is a horse, a tiger, an eagle… a lion,
a unicorn even
for passion thus allows

There is too much space in the air, hence the clouds that pass foolish
and pretend to be what they are not.


Note:
It is a known fact that poetry is hard, if not impossible, to translate... the lousier, the harder... so bear with me :-)




Costa de Caparica