Mês a mês, contado à vez
Mais vem o vento por estes dias
a siflar forte em desafino,
temperado de sal e maresias,
sem lugar de onde e sem destino.
E rodopia e saracoteia
e sobe a rua, como se gente,
desliza bruto, tudo pateia
ou já mansinho, que nem se sente,
sopra nas folhas, muda-lhes a cor
fá-las voar e já cansadas
tombam ao chão, lágrimas sem dor
que douram tristes as calçadas.
E rodopia e saracoteia
e sobe ao céu a descansar
e, enquanto sobe, esperneia
de encontro às nuvens sempre a rodar,
toma-as nos braços em despudor
e são um só até cansar,
e elas choram de tanto amor,
esfumam-se em água, já são só ar…
Mais vem o vento por estes dias,
não traz consolo nem mais alento,
só manhãs escuras, húmidas e frias,
qual noite em dia triste e cinzento,
e saracoteia e rodopia
na minha cara, como que a gritar,
que o sopro certo da invernia
também um dia me vai levar!
VII - Outubro
Outonal, a sombra cai.
Fosse folha e não metralha,
fosse lábio e não navalha,
sobre a terra que se esvai
em púrpuro rio e se amortalha
de virgens vozes,
deus me valha…
esse, que os homens inventaram
para que ele os inventasse...
É de ódio a maresia
que tudo galga e acoberta,
pútrida maré, ferida infecta.
Tudo é escombro, até o dia.
Fértil enchente que deixa e espalha
tão vil essência,
soez,
canalha!
essa, que esventra corpos como o teu
ou soterra gritos, que jamais saberás gritar.
Em razão de quê? em nome de quem?
Se ele é um e é de três,
porque não o és também,
Jerusalém?
VI - Setembro
Sigo as estrelas e sigo-as só,
no firme lamento de um firmamento
em breu solvido,
que mete dó,
por minha escolha, e meu intento.
Queixa não tenho.
Só a vontade,
tecida a passos, de abrir caminho.
Não tarda é dia e a claridade
far-me-á em sombra:
não mais sozinho.
Pouco procuro: apenas ser
de tudo um pouco.
Parco pedir,
Mas inda assim, tamanho querer…
Será possível? Vou conseguir?
Sigo as estrelas, a sua estrada,
como antes outros e outros depois,
serei só pó, ténue pegada,
desvanecida por mil sóis
e pelo vento, no seu passar.
Mas restará de mim a prova,
como me atrevo a reclamar,
que era falsa a ilustre trova
do nobre vate, que eu declino,
correndo o risco de o enfadar:
Caminante, sí! Hay buen camino!
Só tens é que o procurar…
V - Agosto
A gosto, escrevo-te quente,
que o dia arde e eu também,
em mês de pasmo e mês de gente,
cadente de estrelas num vaivém,
ferida de céu, incandescente.
Fora só isto e bastaria
mas anda estranho o firmamento,
tanto que me perguntaria
de quem o poder ou o talento
que urde tamanha magia.
É que há no mês estranha teia,
sem par nas folhas do anuário…
Só sei que alguém teve a ideia
de baralhar o calendário
e pôr em dobro a lua-cheia.
IV - Julho
Que bem que vão todos na areia:
o menino, corpinho ao léu;
o papá põe óculos, para a apneia;
a mamã a corar tudo o que é seu;
o lulu a esgravatar a maré cheia;
a menina a ver se há namorado;
a ti-tia a chamar pela filha:
"Não vás para aí; está agitado.
Anda comigo à conquilha".
O velho verga-se à geleira,
que o dia está longe do fim,
enquanto atira à praia inteira:
"Olhá bolinha de Berlim!"
O instagram quase que explode
com tanta foto de beldade
"É só mais uma, antes qu'engorde",
que consciência não é vaidade...
Passeiam lentos de mão dada,
quais Dom Quixote e Dulcineia,
enchem a tarde ensolarada,
que bem que vão todos na areia...
III - Junho
Dia a dia, alastra o dia...
Faltam-me as estrelas, será?
Tamanha monocromia
de céu azul ao deus dará
nada acrescenta, só me cansa.
Mas tão só o tanto cresce,
logo o dia se amingua,
pois tudo aquilo que sobe, desce
e atrás do sol vem sempre a lua,
sei-o seguro, desde criança!
II - Maio
O Bom Pintor tudo pintou
de verdes tantos e tantas cores.
... e ao sétimo dia, descansou,
p'ra contemplar os seus labores.
Mas tudo isto numa só semana?
Como quer ele que se acredite?
São 31 dias, já não me engana,
por mais que alguém o diga e cite.
P’ra que se saiba, aqui declaro
que em tal patranha eu só não caio,
como até acho que é descaro:
Se tudo é verde, é porque é Maio!
I - Abril
Descansa agora bom abril,
bem o mereces, por inteiro,
sussurra um céu azul anil,
que faz do dia travesseiro
Lençol de trigo eivado a flores,
tela de artista, aguarela
de todas e mais outras cores,
qual delas a mais pura e bela...
Descansa pois meu bom abril,
descansa que eu daqui não saio;
só não trouxeste as águas mil...
será que as deixaste p'ra maio?
Sem comentários:
Enviar um comentário