terça-feira, 9 de setembro de 2025

 GR11-E9 (Parte 12) - Outão - Setúbal

05 de Setembro de 2025



Havia este pedacito por fazer... tinha ficado "pendurado" desde a minha ida de Sesimbra ao Outão, à precisamente dois meses atrás. Era pouco, mas, na altura, as pernas já acusavam cansaço e o que faltava acrescido ao que já tinha então caminhado, iria atirar a etapa para perto dos 30 km. Não valia a pena sobrecarregar as solas, tanto mais que Setúbal era facilmente acessível por comboio a partir de casa, pelo que poderia concluir a ligação quando me apetecesse...e foi hoje então!

Uma etapa fácil, sem subidas, mas com um senão: queria fazer a parte que ia da Comenda ao parque urbano de Albarquel pela areia, porque me parecia muito mais interessante que a estrada, ladeada que esta está de árvores que impedem uma vista franca para o lado do mar.

Este desejo pressupunha a necessidade de o compatibilizar com uma maré baixa o suficiente para não molhar os pés, em particular num curto troço na praia de Albarquel em que umas agulhas de rocha caem mesmo a pique até mar sem que haja muito espaço para passar, a não ser na baixa-mar.

Consultadas as tabelas de marés, que não há melhor oráculo para estas coisas, teria uma valente baixa-mar às 8h09... 

O Google maps avisava-me que só poderia chegar ao Outão por volta das 9h30 (há muito poucas ligações a partir de Setúbal), pelo que deveria estar a cruzar o tramo crítico por vota das 10h00...

Não era ideal, mas deveria estar no limite da janela para passar com os pés secos. Perfeito.

6h25, dizia o telemóvel quando fechei a porta de casa para me dirigir à paragem de autocarro, mochila leve mas precavida (sapatos de neoprene e toalhita para limpar a areia dos pés, não fosse serem precisos, muda de t-shirt, sandes, água.. enfim, nada mais que o essencial).

Ainda não eram oito e estava já em Setúbal, saído do comboio que apanhei em Corroios. Esperava-me agora meia hora de espera (a duplicação dá mais força à ideia, acho.... ) que mais difícil se tornou por, a meu lado, na paragem, estar um grupo de senhoras que ia para a praia da Figueirinha passar a manhã.

Por si só, tal facto nem facto seria; o caso é que uma das senhoras, de 75 anos feitos, não deixou de proclamar, conseguiu preencher todos os segundos da espera com um ininterrupto solilóquio (as outras senhoras, que eu desse por isso, apenas participavam na ação com vagos assentos de cabeça e um ou outro, "pois" ou "ah...!").  E a qualidade da intérprete era tal, que levou a execução para dentro do autocarro e nele continuou, até que, por fim, com a abertura das portas no Outão, a deixei finalmente de ouvir...

A mesma paragem, a mesma poeirada branca a cobrir tudo... sim, foi aqui, ao pé da Secil, que tinha ficado da outra vez... toca a andar que ainda por cima é a descer...

A manhã anunciava-se fresca nas previsões e eu sentia-o agora na pele dos braços e das pernas, sem resguardo de tecido. Iria ser assim durante mais uma hora, até ao sol sair por detrás das nuvens que o cobriam por agora.

Rapidamente cheguei à curva de onde se avistava a foz da ribeira da Comenda e a praia de Albarquel... sim. parecia possível passar ao longo da costa, mesmo na zona que mais me preocupava.

Assim foi. Ladeando o gradeamento do altivo palacete onde, reza a história,  Jackie Kennedy fez o luto depois do assassínio de John F., fui andando Foz do Sado abaixo, com a facilidade de pisar areia húmida e dura. Aqui e ali pescadores tentavam a sua sorte e, dentro de água, um ou outro vulto perscrutava as rochas na busca de polvos. 

Aproximei-me o mais que pude de uma senhora que também o fazia na praia da Albarquel, de negro vestida num fato integral de neoprene que só lhe deixava ver o cabelo avermelhado:  

"Então, teve sorte hoje?" 

"Olhe, não me posso queixar;  não me safei nada mal: já tenho para aí uns seis ou sete quilos de polvo", respondeu-me com um franco sorriso e a satisfação espelhada no rosto.

Um pouco mais à frente, pela primeira vez, tive que deixar a areia e subir uma ou duas rochas cobertas de limos e imensamente escorregadias, para evitar pôr os pés na água. A escolha de tempo tinha sido perfeita e no limite. Mais meia-hora e teria tido mesmo que me descalçar, para poder passar por ali, já por dentro de água.

O sol baixo, de frente para a praia, dourava o horizonte a contraluz. Troia, lá ao fundo, o ferry para os endinheirados, e o canal do rio, a espaços sulcado por embarcações de grandes dimensões, saídas do porto de Setúbal.

Nas praias, só gente da minha idade... e pouca. Passeiam, eles com eles, falam de pesca e futebol; elas, igualmente com elas, contam as façanhas dos netos, o último mexerico da rua. As aulas já começaram, o verão dá os últimos estertores, a temperatura da água não é propriamente convidativa... por ali ficam, debaixo de um ou outro chapéu de sol, até que seja hora de voltar a casa. 

Passo o forte de Albarquel e a areia, ao chegar à zona do parque urbano, torna-se mole, solta, daquela sobre a qual detesto andar. Rapidamente subo para o paredão do parque, e procuro um banco de jardim para me descalçar e retirar alguma areia que só neste último pedaço acumulei dentro dos sapatos.

Dali à baixa de Setúbal é pouca já a distância. Aproveito para fotografar este ou aquele detalhe que me suscitam a atenção.

Uma senhora olha fixamente para a relva... pergunto-me se terá perdido alguma coisa e dirijo-me a ela para tentar ajudar.... então reparo na pequena tartaruga amarela que passeia no escalracho municipal...

"vim passeá-la, que coitada também precisa de apanhar ar" diz-me em português tão bom como o meu, mas com um ligeiro sotaque, que adivinho de leste.

"Então e onde a encontrou?" pergunto, já que não me parece nada ser espécie que pelos nossos lados se veja.

"Ora, comprei-a".

Peço para a fotografar juntamente com a pequena tartaruga... não aceita, não gosta de ser fotografada... não insisto, despedimo-nos com a cordialidade de um sorriso.

Oficialmente, o caminho, para mim, terminava no cais de embarque do ferry para Troia, pois será daí que um dia seguirei para sul, para fazer o que depois falta até Sines, já que da cidade alentejana para baixo, já tudo percorri.

Lá chegado, aproveitei um posto de turismo que ali encontrei para recolher um carimbo para o meu caderno de viagem. 

Deveria estar pelos 7,5 ou 8 quilómetros percorridos. Pouco, na realidade, e fácil, como tinha antevisto. Optei por não desligar a aplicação de gravação da caminhada e fui em busca de postais para enviar, como habitualmente.

Depois de muito procurar e de muito recusar, lá comprei uns postais, se é que a pedaços de papel grosso fotocopiado isso se pode chamar.....

Já o disse várias vezes, mas hoje em dia, comprar um simples postal é coisa que nem me surpreenderia alguma vez ver como argumento central para a centésima décima parte da "missão impossível", tão só o Sr. Cruise aguente...

Os primeiros que encontrei ostentavam no escaparate uma etiqueta onde se lia 1,5€. Papel menos mau, mas fotografia e impressão verdadeiramente beras. Nem pensar.... lá os deixei arrimadinhos ao escaparate da "loja de souvenires" (assim a dita se apresentava) que os propunha.

Ah ah! Uma loja chinesa. Vou experimentar aqui.

Alguns postais normais, já encaracolados pelo tempo. escolhi dois. "Quanto é?"; "um euro e oitenta"; "O quê? Noventa cêntimos cada postal destes... onde já se viu? Não dou mais que 50 cêntimos"; "Não. Noventa cêntimos cada"; "Então fique ai com eles a encaracolar na caixa, obrigado"

Mais à frente por fim encontrei uma nova loja chinesa que propunha uns postais manhosos, impressos claramente em fotocopiadora, em papel mais grossito. Não iria procurar mais. Já estava farto da história. Além do mais, tudo na loja estava com desconto de 50%, avisou-me a menina da caixa, por isso dois eram só 75 cêntimos. "Arrematado" declarei-lhe, e saí para a rua, pronto para ir procurar uma esplanada onde pudesse sentar-me um pouco para escrever os malfadados postais.

De caminho passei ainda pelo famoso mercado do Livramento... e livramento eu precisava depois de ver alguns dos preços que ostentavam as bancas de fruta e peixe... como é possível? Seguramente a proximidade chique de Troia a Melides está a ter reflexos na fruta, pensei eu para com os meus botões, em modo de economista de algibeira....

A volta chegava ao fim. numa esplanada na Av. Luisa Todi escrevi os postais e depois segui direito para o correio (outro dos lugares de grande aventura hoje em dia...: pode-se comprar um alarme para casa, livros para ler nas horas vagas, houve tempo em que até lotarias vendiam, mas comprar selos, isso é que é um verdadeiro problema... "mas não têm aqui filatelia?"; "Temos, mas a colega que trata disso não está...; olhe se quiser deixar pago, pomos um selo depois e expedimos, não lhe posso é passar agora recibo"... 

Admito que fiquei contente com a atitude da senhora que me quis verdadeiramente ajudar e lá deixei os postais e o dinheiro, grato pelo favor que ela me iria fazer, mas é uma vez mais uma imagem de um serviço público que me deixa verdadeiramente descontente e triste, porque não era preciso que assim fosse, para mais depois de ter passado quase uma hora dentro da estação de correios, cheia de gente e apenas com duas pessoas a atender....

De caminho até à estação do comboio, onde iniciei a viagem de regresso a casa, ainda passei por algumas vivendas com elementos de arte nova, coisa que sempre me agrada descobrir...

O caminho para sul, farei só no fim de tudo. O troço entre Troia e Sines, parece-me o mais desinteressante pedaço da nossa costa ocidental.... areal, areal, areal e pouco mais.

Procurarei, por isso fazer o que me falta para Norte, entre Ovar e o Cabo Carvoeiro... 

A ver vamos como será... e aqui também o contarei!



 O inenarrável "postal" que eu comprei em Setúbal...., por certo fotocópia de um postal normal, desses que se encontravam em toda a parte e que agora...
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Setúbal. Sou recebido à porta da estação por um curioso menino que brinca com um comboio miniatura..., 


Outão - a paragem de autocarro onde terminei a ligação vindo de Sesimbra e iniciei o caminho para Setúbal...


... de onde partirei um dia para Troia, para ligar a Sines.


Atractylis gummifera, são fascinantes as plantas que florescem quando as folhas já estão secas


Uma velha construção muito "estado novo"...


... até nos azulejos...


O palacete da Quinta da Comenda.... 


...e a ponte sobre a ribeira da Comenda, no parque de merendas que, em boa hora, foi devidamente infraestruturado para fruição da população em geral




Um  pobre animal couraçado que  jaz dormente na areia da Praia da Comenda.




Mau dia para se ser polvo....



Uma grande garra ergue-se vertical, da areia... perfeito para, nas noites de lua nova, algum tritão sair da água e ali coçar as costas...




A saída da barra... lembra-me o poema do Lord Tennyson, "Crossing the bar"...



Bonitos, os murais dos barracões da Academia de vela 


Que estórias por contar? uma fábrica conserveira?




Não resisto à beleza triste da decadência... deve ser por isso que evito olhar no espelho....




Ó Zeca, és um malandro...
.


A pequena tartaruga que tem a sorte de ter quem com ela se preocupe...



Gosto quando andar na rua nos parece visita de museu, seja pelo traço modernista do edifício da antiga lota  ...


... seja pelos murais que, aqui e ali, enchem a cidade de cor.


O cais dos ferries para Troia. Daqui sairei um dia para palmilhar o que falta até Sines.


Podia ser Lisboa, mas é Setúbal.


Mais arte "estado novo": Painel cerâmico no edifício do Inatel


Mercado do Livramento


As bonitas estátuas - a terra, o mar e a poesia - que, mesmo de dia, enchem de  luz a fonte luminosa 


Convento de Jesus


Um dos vistosos "Pasmadinhos" do parque do Bonfim




Arte Nova no Bairro Salgado 

Próxima etapa a partir de aqui?: Ligação Troia - Sines.

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