terça-feira, 19 de agosto de 2025

  Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...

31 de Julho de 2025 - Letónia - Lituânia

 Cēsis - Aeroporto de Vilnius


Levanto-me cedo. Por uma vez ficámos alojados perto do centro da cidade o suficiente para me dedicar ao meu habitual passeio fotográfico de início de manhã nas condições que mais me agradam, isto é, sem companhia, própria ou de outros transeuntes ou turistas.

Fotografar é, no seu melhor,  um "ato isolado". Não daqueles que se registam no portal das finanças para sobre ele se pagarem os inevitáveis impostos, mas antes uma atividade que, como qualquer ato criativo, reclama liberdade, disponibilidade sensorial, algo que muitas vezes se torna difícil de compaginar com companhia ou tempo...

Nem sempre fico contente com o resultado, claro. Nem tampouco me posso reclamar outro estatuto que de amador relativamente esclarecido, mas estar num local que me é estranho ajuda ao exercício, ausentes que estão as armadilhas do hábito e da familiaridade. Olho para onde nunca olhei e isso obriga-me a ver, a procurar, a interrogar o que vejo. 


E o que vejo aqui, não me parece suscitar  a alegria que sempre encontro nas fotografias que têm o condão de me satisfazer, ainda mesmo antes de as processar com calma no computador, por as saber carregadas com a matéria bruta de uma boa imagem.

Passeio pelo parque que ladeia o castelo, atento a detalhes. Uma fonte, um coreto, um pequeno lago, as paredes do castelo, até mesmo uma igreja ortodoxa Russa... a luz não é a melhor e não tenho comigo um acessório que geralmente utilizo sempre que há reflexos por perto... um filtro polarizador. Dava jeito.







Fotografar em viagem de férias é também um conflito de interesses: por um lado, há que guardar imagens que nos possam lembrar a passagem por este ou aquele sítio, a descoberta ou a confirmação de coisas ou locais que tantas vezes vimos mas apenas por interposto meio - foto ou video.

Mas porquê fazê-lo? alguma vez, depois do regresso, as iremos rever, como antigamente se fazia, repassando-as em páginas de álbuns fotográficos cheios de retângulos 10x15? Seguramente, não. A fotografia, e a forma como a encaramos, sofreu uma profunda transformação com o digital e particularmente com a entrada em cena dos telefones com capacidade de registar imagens.





Antes todo o processo tinha uma afinidade de "ciclo reprodutivo" que hoje não existe (a não ser no caso dos dedicados cultores do processo analógico que por aí subsistem, uns por convicção, outros embalados por moda). Entre premir o botão do obturador e olhar para a fotografia final, poderiam decorrer meses, até mesmo anos. 

Quando estas chegavam às nossas mãos eram objetos que se guardavam, até porque o simples facto de terem existência tridimensional assim o exigia, daí os álbuns, as caixas de sapatos....

Hoje, sabemo-las invocáveis no monitor do computador ou do telefone, sem outra espessura que a do sinal eléctrico que as conforma.. não precisam de cantos autocolantes, de cartolina onde as montar..

Perderam relevância, estatuto.... de tão comuns e omnipresentes não lhes damos qualquer importância posterior, cumprida que foi a sua função primária: provar no instagram que, como outros vinte milhões de pessoas por ano, já estivemos em X e Y; que somos, portanto, parte do movimento global; que mantemos as superiores características da espécie; que humanos, nos pautamos por atávico comportamento ovino...

Por outro lado (para retomar o fio à meada), há a dimensão artística da coisa que, desajustadamente, dirão alguns, mas pelo menos com convicção, persigo.

Esta,  no entanto, é bem mais complexa de preencher e, por isso, bastante mais emotivamente recompensadora... não foi no entanto o caso aqui em Cesis, pouco encontrei que me suscitasse o acrescento do prazer fotográfico ao prazer da descoberta do local, embora por fim tenha passado por uma velha casa de madeira cujas porta e janelas me compensaram pelas imagens insonsas do parque e do castelo....

Regresso ao alojamento. para o pequeno almoço... toca o telefone, é a minha filha mais nova... as notícias são desconfortáveis... uma familiar muito próximo hospitalizado...  

A nossa viagem de treze dias fica por aqui, no início do sexto.... um dia se completará.

Consigo voos ainda para o dia com duas ligações pelo meio; estamos a quatrocentos quilómetros do aeroporto... 

O resto, já contei!...



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