Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi, em partes, tantas quantas me promete a memória...
28 de Fevereiro de 2025 - Berlim
Lord Help Me To Survive This Deadly Love, Dimitrij Vrubel
In Berlin, By the wall…. Os ecos
das primeiras estrofes do monumental Berlin, o magnum opus do Lou Reed, parecem exsudar da
parede polícroma, numa tarde escura, fria, e constantemente molhada por uma
chuva persistente se bem que de gota fina e pequena.
Estou na East Side Gallery. Fomos logo para lá, mal nos
instalámos, depois da chegada à cidade, vindos do aeroporto, para aproveitar as poucas horas de claridade (que não de sol) que ainda restavam de um dia que tinha começado muito cedo e igualmente cinzento em Lisboa.
O mais longo pedaço do muro que ainda subsiste, uma galeria
a céu aberto, com os trabalhos de vários artistas de vários cantos do globo
(incluindo uma compatriota, Ana Leonor Rodrigues) deixados no betão, logo
apósa festa da sua queda.
As pinturas originais há muito que foram destruídas pela
usura do tempo e a inconsciência do vandalismo gratuito, mas têm vindo a ser
restauradas, em sucessivas intervenções, que nos permitem hoje, à distância de
quase 40 anos, fruir as imagens que são parte da grande história universal da
Liberdade, que alguns, os melhores, insistem em escrever.
Honecker e Brejnev….o beijo fraternal, a mais famosa das imagens de toda a galeria, como se pode facilmente perceber pelo aglomerado de gente que procura fotografar-se em frente ao enlevo enamorado dos perversos ditadores.
Olho-os com a vontade de ver um passado enterrado nos compêndios de história ou nas filmotecas das televisões, mas a verdade é que um
muro, maior, mais pérfido, porque, ainda assim, inesperado, após tudo o que a queda deste
representou, se vai paulatinamente erguendo, no mundo que hoje contemplo. São outras as caras que vejo, outros os lábios que se tocam...Trump
e Putin, mas também Netanyahu, Orbán, Le Pen, Abascal, Ventura .... mais que um beijo, é uma verdadeira partouse para os novos pedreiros da infâmia…
A chuva não para ao longo dos 1300 metros de muro, algumas
imagens explicativas mostram em painéis como era a zona em que me encontro
quando as paredes tinham o nefasto intuito que lhes colou o betão.
Lembro-me bem da queda do muro. Da alegria da passagem para
o lado de cá, das picaretas, das
garrafas de champagne, do magnífico concerto com um já doente Bernstein a
dirigir a sublime 9ª. “Freude, schöner
Götterfunken, Tochter aus Elysium” … compagino-a com a ironia de um
segundo lugar nas eleições de há dias, da AfD…
É talvez a chuva, que não para, agora que me dirijo de novo para
a estação de comboio para tornar ao alojamento, que me atiça a tristeza. O sol,
esse, hoje não o vi e também já se recolheu, sob o manto do lusco-fusco que faz dos prédios meras silhuetas de sombras chinesas...
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