quinta-feira, 6 de março de 2025

  Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, tantas quantas me promete a memória...


28 de Fevereiro de 2025 -  Berlim


Lord Help Me To Survive This Deadly Love, Dimitrij Vrubel

I
n Berlin, By the wall…. Os ecos das primeiras estrofes do monumental Berlin, magnum opus do Lou Reed, parecem exsudar da parede polícroma, numa tarde escura, fria, e constantemente molhada por uma chuva persistente se bem que de gota fina e pequena.

Estou na East Side Gallery. Fomos logo para lá, mal nos instalámos, depois da chegada à cidade, vindos do aeroporto, para aproveitar as poucas horas de claridade (que não de sol) que ainda restavam de um dia que tinha começado muito cedo e igualmente cinzento em Lisboa.

O mais longo pedaço do muro que ainda subsiste, uma galeria a céu aberto, com os trabalhos de vários artistas de vários cantos do globo (incluindo uma compatriota, Ana Leonor Rodrigues) deixados no betão, logo após  a festa da sua queda.

As pinturas originais há muito que foram destruídas pela usura do tempo e a inconsciência do vandalismo gratuito, mas têm vindo a ser restauradas, em sucessivas intervenções, que nos permitem hoje, à distância de quase 40 anos, fruir as imagens que são parte da grande história universal da Liberdade, que alguns, os melhores, insistem em escrever.

Honecker e Brejnev….o beijo fraternal, a mais famosa das imagens de toda a galeria,  como se pode facilmente perceber pelo aglomerado de gente que procura fotografar-se em frente ao enlevo enamorado dos perversos ditadores.

Olho-os com a vontade de ver um passado enterrado nos compêndios de história ou nas filmotecas das televisões, mas a verdade é que um muro, maior, mais pérfido, porque, ainda assim, inesperado, após tudo o que a queda deste representou, se vai paulatinamente erguendo, no mundo que hoje contemplo. São outras as caras que vejo, outros os lábios que se tocam...Trump e Putin, mas também Netanyahu, Orbán, Le Pen, Abascal, Ventura .... mais que um beijo, é uma verdadeira partouse para os novos pedreiros da infâmia…

A chuva não para ao longo dos 1300 metros de muro, algumas imagens explicativas mostram em painéis como era a zona em que me encontro quando as paredes tinham o nefasto intuito que lhes colou o betão.

Lembro-me bem da queda do muro. Da alegria da passagem para o lado de cá,  das picaretas, das garrafas de champagne, do magnífico concerto com um já doente Bernstein a dirigir a sublime 9ª.  “Freude, schöner Götterfunken, Tochter aus Elysium” … compagino-a com a ironia de um segundo lugar nas eleições de há dias, da AfD…

É talvez a chuva, que não para, agora que me dirijo de novo para a estação de comboio para tornar ao alojamento, que me atiça a tristeza. O sol, esse, hoje não o vi e também já se recolheu, sob o manto do lusco-fusco que faz dos prédios meras silhuetas de sombras chinesas... 

In Berlin, by the Wall…



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untitled, Kamel Alavi / Escape as Tornado, Kasra Alavi

untitled, Andrej Smolák



Tolerance, Mary Mackey


untitled, Jens Hübner, Andreas Kämper

You Can See Infinity, Laszlo Erkel (Kentaur)



Hommage To The Young Generation, Thierry Noir

Justice*, Klaus Niethardt


The Wall, Lance Keller


Wall Jumper, Gabriel Heimler,

Detour To The Japanese Sector, Thomas Klingenstein


Lets Growing, Rosemarie Schinzler


untitled, Ana Leonor Madeira Rodrigues

Homeland, Günther Schäfer, 1990


untitled, Georg Lutz (Rauschebart)

O reverso do muro.... tão óbvio e tgão grande mistério para quem olhava do lado Oeste




 

O comboio empresta um rasgo de sol à velha Oberbaumbrücke

a surpresa de um veado chama-me os olhos, do outro lado do rio Spree






Livraria M99 – Gemischtwarenladen mit Revolutionsbedarf 

Inconfundível a antena da TV, na Alexanderplatz. Até amanhã, Berlim!

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