Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, tantas quantas me promete a memória...
1 de Março de 2025 - Postdam / Berlim
Berlim tem uma excelente rede integrada de transportes públicos. Para mais, os horários parecem ser respeitados, talvez devido ao facto de grande parte do sistema assentar em modos ferroviários como metro, comboio ou tram, menos propensos a flutuações de horário induzidas pelas vagas de trânsito.
Decidimos tirar o melhor partido dela e deixar de lado o centro da cidade, que já conhecíamos de outra visita (ainda que à distância de uma quinzena de anos….), para sairmos para mais longe e ver o ainda não visto. Potsdam parecia uma boa opção, consultados alguns sítios de informação turística. Meia hora de comboio, coberta pelo bilhete de um dia para as coroas ABC, e lá descemos na Hauptbahnhof, que é como quem diz na estação central, desta cidade, capital do estado de Brandemburgo.
O novo dia trouxe o fim da chuva da véspera, embora o início da manhã fosse ainda cinzento e verdadeiramente frio. Decidimos que começaríamos a visita pelo Palácio Sanssouci e que depois voltaríamos para percorrermos o centro histórico de Potsdam e o seu bairro Holandês. Tudo teria que ser feito com alguma ligeireza de passo, porque a área de Potsdam em que se encontram instalados os magníficos palácios e palacetes mandados construir por Frederico, o grande, rei da Prússia entre 1740 e 1786 é absolutamente enorme e tínhamos mais planos para o dia e, principalmente, para a noite….
Uma breve espera pelo autocarro e lá seguimos em direção ao palácio, vislumbrando pelo caminho a “baixa” de Potsdam, e a certeza de que teríamos de por ali passar depois, já que o que se via da estrada prometia descoberta.
Sanssouci…. Sem problema…. Uma divisa de nobre endinheirado, sem dúvida…. Bastava olhar para o palácio a lembrar Versailles em ponto pequeno para perceber que os problemas, pelo menos aqueles com que muitos dos comuns mortais habitualmente se debatem, não subiam as escadarias que levavam da enorme fonte às portas do palácio, por entre socalcos ajardinados de vinha.
A grandeza do lugar estava agora subjugada pela aspereza do inverno: vinhas nuas de folhas, fonte com os jogos de água desligados, estátuas protegidas por guaritas de madeira. Ainda assim, a grandiloquência do barroco era óbvia, ampliada pelos amarelos e dourados que traziam alguma luz à frieza do cinzento com que se continuava a escrever o dia.
Não tínhamos tempo para visitar o palácio por dentro (ademais já não havia bilhetes para os turnos de visita mais próximos) e decidimos seguir para outra magnífica construção também ordenada pelo mesmo Frederico, o Neues Palais.
Pelo caminho, do autocarro vislumbrámos ainda algumas construções também parte do complexo do parque Sanssouci, como a Drachenhaus, um edifício em forma de pagode que servia de residência ao responsável pela vinha do rei, ou a Orangerie. Não menos que um dia inteiro deveríamos ter para podermos espreitar todos estes promissores locais, mas apenas algumas horas nos restavam...
O Neues Palais é verdadeiramente imponente. Começado a construir em 1763, contando com mais de 200 divisões, é confrontado por uma área de serviços e alojamento com dois enormes edifícios que se diriam mais dois palácios de um qualquer monarca (e não dos mais pobrezitos…).
Não obstante, de novo, o inverno escondia grande parte do brilho dos edifícios, que, para mais, se encontravam a sofrer vultuosas obras de manutenção.
Com pena por mais uma vez termos de deixar para outra ocasião a visita ao interior do palácio, apanhámos um novo autocarro para o centro de Potsdam, onde percorrermos as ruas ladeadas de singulares prédios de tijolo vermelho do bairro Holandês.
Reza a história que para a drenagem dos pântanos que por ali existiam, Frederico procurou o contributo de operários holandeses, especializados nesse tipo de trabalho, tendo, como forma de os atrair, mandado construir casas ao jeito do seu país.
Hoje o bairro é um fervilhar de comércio e restauração, mas também (e ainda) de habitação, que possibilita um interessante passeio por casas que imediatamente reconhecemos como holandesas, não fossem as suas fachadas terminadas com as típicas águas-furtadas que lhes são tão características.
O centro de Postdam foi arrasado pelos bombardeamentos da 2ª guerra mundial. Hoje grande parte foi reconstruído e merece seguramente visita detalhada, pela beleza e grandiosidade dos edifícios, como seja o Palácio da Cidade, ou a igreja de São Nicolau, ou a Igreja da Guarnição, ainda em reconstrução, onde Bach tocou em 1747.
Bach…. Sempre presente nesta minha visita.. Brandemburgo… os concertos… a igreja de São Nicolau…. uma espécie de hord d’oeuvre para a visita a Leipzig que faria no dia a seguir…
Era preciso voltar e assim fizemos, com uma paragem na Hauptbanhof para um almoço de salsicha, como não poderia deixar de ser.
O plano era seguir para a citadela de Spandau, mas não haveria tempo para uma visita de jeito, pelo que, mantendo o destino, nos decidimos por um passeio pelo centro de mais este bairro histórico de Berlim, onde chegámos após mais uma boa meia hora de comboio.
O dia avançava já a passos largos para o meio da tarde. Um cappuccino e uma fatia de bolo num badalado café da baixa de Spandau (Konditorei Fester) que no entanto, ficou muito aquém de nos titilar as papilas quer gustativas quer visuais, serviu de remate para as visitas do dia.
Agora, importava seguir para o centro de Berlim. Tínhamos bilhetes para a Filarmónica, um sonho que, por fim, iria concretizar.
Novamente o comboio e um autocarro. Chegámos ainda com algum tempo e fomos até Potsdamer Platze, recordar o tempo que por ali tínhamos passado há tantos anos já, empurrados pelos últimos raios de luz do dia, a pouco e pouco substituídos pelas luzes da iluminação pública.
O concerto começava às sete. Um quarto de hora antes franqueámos o limiar do paraíso musical.
Como é magnífico o auditório. 2440 lugares sentados nos 360 graus do palco central, flanqueado num dos lados pelas tubeiras de um órgão enorme…. “Como será estar sentado por baixo daquelas cornetas todas, quando ressoam a pleno sopro?” pensei.
No programa Sibelius; Grieg; Kaija Saariaho e Debussy, sob a batuta de Dalia Stavevska, uma jovem maestrina Finlandesa, nascida na Ucrânia e o pianista Jean-Frédéric Neuburguer (para o concerto para piano do Grieg).
Tudo superlativo, como seria de esperar, mas o que a mim mais impressionou foi a qualidade absolutamente deslumbrante da acústica da sala. Lembro, em particular, na peça da compositora finlandesa Kaija Saariaho, de quem nunca tinha ouviod falar, um momento em que os violinos mantinham sustentado um pianíssimo enquanto os sopros atacavam forte uma outa nota, ambos em paralelo.
Pois ouvia-se tudo: o pianíssimo dos violinos era claro e transparente e sem qualquer quebra, apesar da diferença de volume para o agreste som metálico dos sopros….. absolutamente fantástico.
Nesta peça ainda tive oportunidade de ouvir de repente o som do fantástico órgão, como os tubos mais pequenos a surgirem, como que por magia, de dois “bancos” laterais à orquestra, no palco, resguardados por cortinas que abriram quando os mesmos foram solicitados, e se voltaram a fechar no final da peça.
Mais de duas horas de excelente fruição. Que maravilhosa forma de acabar um dia intensamente recheado, que acabava agora numa viagem de autocarro (curiosamente de dois andares, coisa em que há muito não andava) até ao alojamento e à promessa de um descanso retemperador.
A música, essa, continuaria a ser tema no dia seguinte… lá chegaremos!
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Parque Sanssouci
Neues Palais
Bairro Holandês
Cemitério de guerra soviético, 1945, no Bairro Holandês
Nauener Tor, 1755
Detalhes do friso em Mosaico "O Homem Conquista o Cosmos", 1972, Fritz Eisel, na parede do Data centre da Cidade de Potsdam
Alter Markt
Antiga Câmara, cúpula da igreja de São Nicolau
Parlamento do estado de Brandemburgo
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