Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes, tantas quantas me promete a memória...
3 de Março de 2025 - Leipzig / Berlim
"Revisão da matéria dada", podia ser a linha de sumário para a manhã que nos acolheu solarenga na cidade surpreendentemente calma, apesar da segunda-feira anunciada pelas lojas, que começavam a abrir, e pelas portas fechadas nos museus.
Não nos restava, pois, alternativa que mais um passeio calmo, despreocupado, pelo centro histórico, para retirar o último sumo da polpa já espremida anteriormente…
E há sempre que ver. Senão, que dizer da interessante passagem meio art déco meio pop art, das galerias do Specks Hof, com vários pátios magnificamente decorados com azulejos, ou painéis de terracota, ou porcelana ou até vitrais…
E depois, as lojas abertas são também um convite a espreitar escaparates e montras, muito embora hoje em dia, não só na Europa, mas em grande parte do mundo que nos é mais familiar, os logotipos e nomes que se veem nas portas das lojas sejam os mesmos, fruto da globalização comercial e da concentração que provocou.
Assim fizemos pois, deixando por ver as lojas que nos eram familiares, trocando o tempo ainda disponível por uma visita mais demorada a um alfarrabista ou uma pequena galeria de arte ou a outras lojas de carater mais decididamente local que nomes tão familiares como HM ou ZARA.
O guia da véspera tinha-nos falado de uma suposta rua, um pouco já fora do centro, onde existiriam vários restaurantes e comércios, populares entre as camadas mais jovens. Decidimos tentar a sorte, para não andarmos sempre pela mesma zona.
Deixando o centro, ladeando zonas ajardinadas onde os crocus emprestavam um inesperado toque púrpura ao castanho da terra, também ela a regurgitar o verde da relva, agora que o inverno parecia estar de fugida, lá seguimos para a zona indicada, apenas para confirmar a impressão menos lisonjeira que o guia nos tinha deixado na véspera. Dois ou três restaurantes, fechados (por ser segunda-feira) e nada que nos suscitasse admiração ou simples curiosidade.
Sobrepondo-se aos prédios, uma torre de igreja despontava, ainda assim, algumas centenas de metros mais à frente:
A Peterkirsche, em estilo neo-gótico, consagrada em 1885, tem a torre mais alta da cidade, e para além de serviços religiosos acolhe hoje em dia uma variedade de atividades como concertos ou até o famoso festival gótico de Leipzig.
Seriamente danificada por bombardeamento aéreo em 1943, a igreja, ao longo dos anos, tem sido alvo de várias intervenções de recuperação, embora dentro reine um certo ar de “trabalhos em curso”, com paredes renovadas mas não pintadas ou vitrais com extensas áreas sem qualquer tipo de detalhe.
Era tempo de voltar e, já de novo na praça da câmara, parámos para uma rápida bratwurst com batatas assadas, tendo depois seguido para o alojamento onde recuperámos as nossas malas para seguirmos para a estação, onde apanharíamos o autocarro de volta a Berlim.
Dispúnhamos ainda de uns minutos de espera que utilizamos para espreitar a enorme estação central de comboios, com as sempre fascinantes linhas de cais onde vários comboios aguardavam ou davam entrada ou partida.
200 metros à frente está a estação de autocarros para onde nos dirigimos. Um novo e cómodo autocarro de dois andares de longo curso, parou no cais com a indicação Berlim Alexanderplatz.
À hora prescrita saímos de Leipzig, novamente refazendo os 200 km de auto-estrada até Berlim, agora com a vantagem do sol e de estarmos bem acordados, o que nos deixou ver quilómetro após quilómetro de planícies de cultivo, onde ocasionalmente grupos de gamos (qual será o colectivo para tal?) se alimentavam ou descansavam, quebradas aqui e ali por densas florestas de pinheiros, bétulas, carvalhos.
De repente, na autoestrada, vislumbrei uma construção que ostentava um letreiro : Checkpoint Bravo… Aqui seria mais um dos pontos de passagem entre as duas Alemanhas...
O trânsito engrossa e aos poucos o autocarro vai perdendo velocidade. Uma primeira paragem já em Berlim, mas ainda falta algum tempo até à Alexanderplatz.
O sol que nos acompanhou durante todo o dia segue o seu caminho abrindo agora o lugar à sobra que vai lentamente descendo sobre a cidade e o muito trânsito que a percorre.
“Berlim, Alexanderplatz”. Última paragem.
Descemos do autocarro e recuperamos as nossas malas. Temos cerca de uma hora e vinte para irmos ao hotel e apanharmos de novo transporte para o Reischstag, onde temos entrada reservada para a visita à cúpula.
Não temos, portanto, muito tempo, mas tenho de parar e tirar a máquina fotográfica para fazer meia dúzia de fotografias do fim de dia que encosta a torre da TV e altas gruas de edifícios em construção ao fundo de um pôr-do-sol com cores absolutamente magníficas. Em 5 minutos tudo desaparecerá, por isso tenho de aproveitar.
Já no hotel, demoramo-nos apenas o tempo suficiente para o check-in e para ir ao quarto deixar as malas. Nova viagem, nova corrida… umas centenas de metros a pé até à estação do comboio… e lá chegamos à estação do Bundestag, noite cerrada.
Após a verificação de segurança, somos admitidos no edifício do parlamento, que já não podemos visitar, pois apenas conseguimos entrada para a cúpula, a cuja base chegamos de elevador.
Munidos do áudio-guia, percorremos, com calma, a rampa que a circunda em espiral, acompanhados pelas explicações geo-localizadas que o pequeno dispositivo nos vai enviando para o ouvido.
É um prodígio de arquitetura e tecnologia esta cúpula do Norman Foster, e o que mais me espanta é o facto de ser aberta no topo, por razões que se prendem com a própria climatização e renovação do ar do edifício, funcionando esta abertura como escape para o ar “utilizado”, que sai para o exterior após lhe ter sido extraído também o calor residual, utilizado na climatização.
Fotografo e passeio com calma por dentro da cúpula e fora dela, na plataforma onde ancora a sua base, o topo do antigo edifício, de onde se tem uma vista deslumbrante da cidade, muito melhor que a que recordo da torre da TV.
De novo fora do edifício, temos ainda tempo para uma passagem pela Brandeburger Tor antes de voltar para o hotel. Talvez pelo frio que se sente, pouca gente por lá anda, tirando um ou outro grupo de estudantes em viagem de fim de curso. Não nos demoramos mais que o tempo necessário para uma ou outra fotografia, missão quase impossível pela falta de um tripé ou de um local ajustado para repousar a máquina fotográfica.
No alto dos torreões do Reischtag, lá ao fundo, a bandeira da República Federal Alemã oscila ao vento forte que me gela as mãos.
A porta encimada pela quadriga verde devolve-me as imagens daqueles dias…
Amanhã, parto para casa, regresso ao meu pequeno mundo, à minha suposta cidade, que, curiosamente, não tenho.
Hoje, no entanto, sou da cidade e do que ela representa e sinto-o verdadeiramente. De alguma forma, também, “Ich bin ein Berliner!...”
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Leipzig
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Specks Hof |
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Edifícios na Marktpatz |
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Reflexos |
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Peterkirsche |
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Der Jahrhundertschritt, Wolfgang Mattheuer 1984, espalmado entre os dois lados da opressão, um homem caminha em frente, a passos largos, que desconhece onde o levarão.... |
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Estação caminho de ferro |
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Reichstag |
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A cúpula púrpura de Potsdamer Platz e o edíficio amarfelo da Filarmónica vistos do telhado do Reichstag |
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Brandeburg Tor |
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