sexta-feira, 14 de maio de 2021

 



Ontem foi Dia da Espiga. Eu, como chego sempre atrasado às festas, só consegui apanhar hoje a minha espiga, no caminho de volta da caminhada matinal, hábito que de há uns meses para cá ganhei e que muito tem contribuído para não ter encarnado já o verdadeiro Homem da Michelin, tantas são as horas que, diariamente, passo sentado em frente ao computador.

Um galho de oliveira; uns malmequeres ou margaridas, consoante lhes queiramos chamar; duas lindíssimas papoulas e uma espiga de uma gramínea das muitas que, por esta altura, ocorrem por aí no mato e nas bermas de estrada, promovida a trigo, pela falta dele e de uma seara que por estes lados estivesse a jeito.

Não sou religioso, tampouco crente e na taxonomia da crença classifico-me no género Agnóstico, mas há algo neste lindíssimo azulejo dos nossos usos e costumes que sempre me fascinou. Não é só a dimensão plástica da coisa (ainda que a espiga, por si só, no colorido das flores e na diversidade das formas seja um lindíssimo bouquet); seguramente não será também a apropriação religiosa de um hábito que tresanda a pagão e animista; não é sequer a lembrança nostálgica dos dias em que, criança ainda, corria pelos campos no algarve com a minha irmã e o meu pai a colher os ramos de delicadas flores silvestres; e não será mesmo a  lembrança das senhoras com cestas cheias dos graciosos ramos a vendê-los no seu dia  à porta das estações de metro e de comboio, a quem eu costumava comprar alguns, para casa e para oferecer a colegas.

Na singularidade de cada planta símbolo, reside um elo inquebrável com a terra, com o húmus, com o grande ovo quintessencial, que nos reclama e nos torna a nós também parte do significado transcendente que a espiga proclama.

Pão; vinho; azeite; fertilidade; paz; abundância….esperava-se e queria-se em tempos primevos; tanto quanto se espera e quer em tempos coevos.

Nesta simples equação reside a resposta que todos procuramos. Nada, nem ninguém domina o futuro (embora nós saibamos que o influenciamos - negativamente, tantas vezes). Resta-nos… desejar, ou não fosse o desejo, nas suas várias declinações, central na caminhada humana. Somos seres alicerçados em incerteza, em dúvida, em desconfortante ignorância.

Uma espiga, é tudo menos isso. é a terra que floresce útil no trigo e na oliveira, é o branco mar que serpenteia, soprado ao vento num campo alegre tomado de malmequeres, é o horizonte que se incendeia ao pôr-do-sol, no fogo rubro das papoulas…

É pergunta e a sua resposta.

É o desejo que assim seja e a certeza que assim será, porque assim sempre foi. 

Como um núcleo atómico estável à custa das forças geradas pelo seu eterno movimento, enquanto, na coroa, outras elementares partículas se afadigam a romper e a criar cadeias, em busca da transformação, do novo, do eventual, do futuro, que tão bem se condensa na humildade de um bouquet de simples e humildes plantas silvestres.


               

 

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