segunda-feira, 1 de julho de 2024

 Rota Vicentina



Sagres - Vila do Bispo, 22 de maio 2024



Não queria chegar muito cedo ao destino, porque o alojamento só estaria disponível  novamente a partir das 16. Péssimo serviço este e não percebi mesmo que a razão para uma abertura tão tardia, quando, em, geral, correm com os hóspedes às 11..., mas as coisas eram como eram e não havia nada a fazer.

Para não ficar a aboborar em Vila do Bispo, assim que lá chegasse, deixei o corpo pousado na horizontalidade da cama,  em Sagres, até às 8, só deixando o alojamento cerca de uma hora depois.

Não gosto mesmo de sair tão tarde. Para mim, nada há não como o cheiro de napalm pela manhã, mas antes como o prazer de assistir ao levantar do dia, ao aclarar do imenso pano de cena que nos envolve a todos os que aproveitam para compartir as primeiras brisas, que nos trazem aquela claridade única, que só o início da manhã nos dá. Por outro lado, sair cedo significa que chegamos cedo também, resguardando-nos das horas de maior aperto do sol e do calor, embora tal não tivesse ainda sido o caso, porque vinha beneficiando de dias ensolarados, mas com excelentes temperaturas para a prática da caminhada.

Uma vez que estava instalado numa ponta da vila de Sagres, tive que atravessá-la toda, com o azimute fixado no farol, que via lá ao fundo, na ponta do cabo que leva o nome da vila. Estrada plana até sair da cidade pela rotunda que dá acesso à fortaleza e apanhei, por altura de um parque com  grandes antenas de comunicações que ali estão instaladas, o trilho que corre por sobre a falésia e que permite uma boa visão das praias que se acoitam por baixo das escarpas do  cabo.

Vento. Uma ventania danada, fazia-se já sentir, outra das razões que justificaria ter saído mais cedo, mas enfim, nada que não se suportasse e lá segui pela falésia até apanhar a parte do caminho que se faz tirando partido da ciclovia nova, que está a ser instalada até ao cabo de S. Vicente.

Tão bem ritmado na minha passada ia eu e tão entretido com os meus pensamentos que não reparei que a ciclovia ainda não estava toda acabada e só os gritos de alguém, que me invetivava de dentro de uma camioneta parada do outro lado da estrada, me acordaram para o facto de que estava a andar em cimento fresco... Não sei se repararam o dano (que não foi grande, mas que lá ficou marcado). O facto é que, se não tiverem ido outra vez passar um alisador no cimento da base da ciclovia, talvez, daqui a uns milhões de anos, algum paleontólogo da altura se intrigue com as marcas de pegadas certinhas, que ali ficaram impressas.

O farol lá ao fundo aumentava de tamanho a cada passada enquanto em mim aumentava também a vontade de uma primeira paragem para uma chávena de café quentinha, pelo que decidi que ficaria por ali um pouco, a retemperar forças.

Antes de chegar ao farol, dei ainda uma  rápida vista de olhos pelo exterior da fortaleza de Beliche, que me pareceu um local abandonado e até mal tratado.

Chegado ao farol, constatei, para meu desencanto, que não havia café em lado nenhum, sendo a oferta de restauração resumida a cachorros quentes e coisas do género. Descontente, nem tirei a mochila e, depois de dar por ali uma volta para fotografar o farol, como não podia deixar de ser, segui em frente, voltando para trás, como manda o percurso, até de novo sair da estrada, desta vez em direção ao norte, que o trajecto da costa sul de Portugal acabava ali mesmo.

O piso, esse alterou-se substancialmente, porque, deixada a terra batida e a estrada que me tinha levado ao farol, caminhava agora por um plano com relevos cársticos que, para além de desconfortáveis, exigiam bastante atenção "para ver onde punha o pé".

Passado este algo desconfortável tramo, a não menos desagradável areia solta fez a sua aparição, piso que tem tanto de detestável como de cansativo. Para complementar o dia, havia ainda que negociar  duas subidas e descidas bastante pronunciadas, embora nada que se comparasse com a experiência de quase montanhismo do dia anterior .

As visitas, essas, eram de tirar o fôlego sempre, compensando largamente os inconvenientes do caminho. Uma ou duas pessoas com quem me cruzei e troquei algumas palavras e votos de boa caminhada, diziam-me que  estavam maravilhados com o percurso e com as vistas que o mesmo oferecia, em particular com a alternância entre as praias e os pontos altos, que permitiam visões desafogadas da costa... mal sabiam elas que no dia a seguir teriam alternância dessa até em excesso..., mas um dos aliciantes da caminhada  é também a descoberta e a surpresa, por isso, se o corpo aguenta, o espírito mais que agradece e também eu me sentia maravilhado com as vistas que se desdobravam a cada passada em frente. 

Até que a trilha larga a falésia e inflete para o interior, para apanhar uma estrada de terra batida e depois alcatrão que conduz o caminhante até Vila do Bispo, final da tirada.

Sentia-me já um pouco cansado. O esforço da etapa anterior acumulado com o do dia e o facto de não ter parado nunca pelo caminho, estavam a pedir um intervalo. Por outro lado, ainda faltavam uma duas horas para as 16h, hora a que podia entrar no alojamento, que ficava localizado a cerca de 1,6 km para o outro lado da vila, que teria assim que atravessar.

Decidi parar no primeiro snack bar que apareceu para enfim descansar e aproveitar para almoçar.

Perguntei o que havia rápido para sair, na vã esperança de que me oferecessem alguma coisa simples do nosso rico cardápio nacional, ou até mesmo um inquestionável bitoque, mas a resposta pronta foi: "tenho aqui um Chili con carne que é mesmo do que o está a precisar". Cansado como estava nem tive coragem para retorquir. Afinal estava no Algarve, a mais internacional e cosmopolita província do nosso território,  e fui-me sentar à mesa, para mordiscar as excelentes azeitonas com que enchi o tempo até que viesse o prato.

O melhor era mesmo o arroz, branco, quentinho, solto, que acompanhava a mixórdia de feijão e cominhos e pimento e sei lá o quê... mas a fome era grande, por isso nada ficou no prato.

Findo o almoço e a muito apetecida bica com que o encerrei, ainda me deixei estar por ali um pouco, mas feitas as contas e uma vez que ainda tinha que passar pelo supermercado que ficava no caminho para o alojamento,  voltei a assestar a mochila às costas e atravessei Vila do Bispo, ante o olhar amigo mas indiferente de vários "Maios" que frente a algumas casas se viam, alegrando-me o facto de a tradição ainda se manter, num tempo de formatação global (como o meu almoço de há pouco me tinha tão bem lembrado).

Ainda procurei também uma papelaria ou quiosque que tivesse um postal de Vila do Bispo, mas não tive sorte nenhuma. Esta etapa seguiria sem o tradicional postal.

Comparados os mantimentos para o jantar e pequeno almoço do dia seguinte segui caminho até ao alojamento onde pude então tratar das "intendências" do dia, passando o resto da tarde no quarto, a descansar do esforço despendido.

lá fora o dia caia dourado mas empurrado por um vento forte, que se fazia ouvir nas frinchas da janela. Estava na hora do esparguete...

Esparguete é a minha comida de eleição para caminhadas longas, já que os hidratos de carbono são essenciais para criar reservas de energia. Por outro lado, as finas tirinhas de massa são de fácil e conveniente confeção, sendo companhia ideal para outros ícones do cozinheiro preguiçoso, como as mais variadas conservas de carne e peixe. Se a tudo isso juntar-mos a frescura de um tomate, temos  o problema da alimentação resolvido rápida e economicamente.

Retornado ao quarto, ainda me entretive com o meu habitual desenho do dia no caderninho de viagem, até que, por fim, desliguei a luz da cabeceira..


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O tutelar Infante continua a olhar o mar, aqui em Sagres

Mas a mim, o que me prendeu imediatamente a vista aqui foi o longo banco corrido... 

...e as suas coloridas costas.

A  fortaleza, na ponta do cabo...

... fica agora...

... cada vez mais para trás...

..enquanto o cabo de S. Vicente espreitava já no horizonte.

Os locais olhavam-me indiferentes, à passagem.



A fortaleza de Beliche ...



... e, por fim, o bonito farol, na ponta do cabo. A partir daqui, deixava a costa Sul de Portugal e iniciava a caminhada para Norte ao longo da costa Oeste  

Será que, por aqui, as árvores quando se cansam também se deitam a descansar?

Como não trocar algum desconforto na caminhada por vistas destas em permanente sequência...

... ou por um passeio num bonito jardim?








Saído da costa, o caminho segue assim, sem particular interesse...

... até que, por alturas do VOR/DME de Sagres, inflete em direcção  a Vila do Bispo...

onde os "Maios" pareciam ter feitos uns bons quilómetros também....

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