terça-feira, 2 de julho de 2024

  Rota Vicentina


Vila do Bispo - Carrapateira, 23 de maio 2024


Menos de 20 Km, seria o total esperado para o dia. Por essa razão, deixei-me ficar na cama até tarde, em Vila do Bispo, só saindo por volta das 9 horas, para um dia que se anunciava ventoso e fresco, ao ponto de, pouco depois de iniciar a caminhada, ter parado para convocar o conforto do polar.

Desta vez tinha, no entanto, a possibilidade de tomar um café logo no início da tirada, por isso, assim que cheguei ao centro da Vila, dirigi-me ao primeiro  café que encontrei,⁰ para tomar a minha tão almejada bica matinal, diluída pela conversa animada que ocupava o ar da pequena e escura sala e as quatro ou cinco pessoas que nela se encontravam.

Como me sabia bem o café. Realmente, uma pequena chávena do castanho soluto pela manhã, antes de me dedicar seja a que atividade for, é  um pressuposto de que me custa imenso abdicar e a diferença para os outros dias sentia-a bem no gosto que levava na boca, quando atravessei de novo a porta para a rua e dei formalmente início à etapa que me levaria à Carregueira.

Toda a primeira parte do trajeto é fácil e plana, percorrida primeiro em paralelo à estrada nacional, da qual depois nos afastamos para, quase 10km depois, andados em estrada de terra batida, recuperarmos as desimpedidas vistas sobre o oceano, que o caminho sobre as falésias nos proporciona. 

A primeira descida digna desse nome, que me conduziu à praia da Pena Furada, é, no entanto, longa e exige atenção redobrada, porque, para além da muito pronunciada pendente, se faz em trilho estreito, com alguma pedra solta. 

E se a descida é inclinada, do outro lado, a subida, não o é menos. Arfando pela encosta acima, com as paragens intermédias que o corpo me requeria, lá fui arrastando as penas até chegar de novo ao nível do topo e à belíssima vista que compensava novamente todo o suor que para trás tinha deixado.  

Mais um bom pedaço em estrada de terra batida conduziu-me a nova praia - Praia da Murração - e a novo exercício de subida árdua e exigente. Uma casa com ar abandonado proporcionou-me, nas traseiras,  a sombra de que necessitava para descansar e me refrescar com o sumo ácido de uma maçã que,  com indisfarçável prazer, trinquei e mastiguei, até que dela mais não existisse que alguns caroços que, confiante na biodegradabilidade dos mesmos, por ali deixei enterrados.

Retomado o caminho na companhia de gaivotas, absorto pela diversidade de paisagem que, de um lado e do outro do caminho, me era proposta, em breve tinha a praia do Amado, a meca local do surf, ao pés, primeiro no sentido figurado, ao mirá-la do cimo do miradouro natural que a falésia que se estende no seu limite sul proporciona e, depois, literalmente, ao ter que caminhar pela areia solta da trilha que a  atravessa, no extremo oriental do respetivo areal.

O pedaço andado na areia e o calor que agora se fazia sentir, bem como o facto de já não faltar muito para o fim da etapa, recomendaram uma paragem no bar da praia para a minha habitual cerveja sem álcool bem geladinha, que me valeu uns bons 15 minutos de retempero.

Uma vez mais, habituado que vinha ao quase silêncio do vento, das gaivotas e do do mar, o ruído das  conversas e atividade dos muitos "surfers" que por ali se encontravam, a maior parte deles albergados certamente nas muitas caravanas que se viam no parque de estacionamento, desconfortava-me, muito embora nada tivesse contra quem quer que fosse. "Caminho pelo silêncio", este podia ser um bom mote para uma minha chancela pessoal, e com tanta gente por perto, por certo que não estariam criadas as condições para o concretizar.

Segui caminho, pois, retomando a linda vista pelo lado de cá da praia, por sobre a falésia, que, um pouco mais à frente tive que abandonar, para fazer os cerca de dois quilómetros e meio que me conduziriam em estrada de terra batida até ao centro da Carrapateira.

Eram duas horas da tarde. Hora de check in no hostel (ao menos este hostel tinha um horário decente) e fui de pronto instalar-me.

Banhoca tomada e contente por já não necessitar de lavar roupa, porque a muda que tinha chegava para o dia seguinte, quando a  minha mulher se encontraria comigo e me traria roupa lavada, fui à procura de sítio para comer qualquer coisa...alguns cartazes porque passei ostentavam palavras tais que  bistrot .. sem glúten....vegan.. etc dei a volta por trás do mercado. O clube recreativo local e o seu expectável bar: "Uma sopa, uma bifana e batatas fritas, por favor"! Estamos conversados.

Pela tarde, depois de retemperadora soneca, passeei um pouco pela vila, que não tem também muito que visitar, embora desse por um museu que, não obstante, pelo tardio da hora, já estava fechado.

De regresso ao hostel afadiguei-me a preparar a última refeição de esparguete destes dias e  depois de preencher a entrada do dia no meu caderno de viagem, recolhi ao beliche para o sossego da noite.



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A Igreja de Vila do Bispo, marcou o início oficial da etapa do dia, depois dos 1600 metros que já tinha galgado desde o alojamento. Só muito mais à frente as vistas começavam a ter maior interesse, embora pudessem...

... parecer quase monótonas, sob o manto verde que ainda as escondia. Nestes casos...

... há que olhar para baixo... com cuidado... é lá que se escondem os mais secreto jardins.

Tudo na vida depende da perspectiva como o encaramos... uns dias pode parecer que é tudo plano...

mas a verdade é que os altos e baixos estão lá à nossa espera...

... e ainda bem que assim é...

... pois só vendo o mundo desde baixo...

para depois o ver de cima...

nos permite perceber quão magnífico todo ele é.



Por vezes, as nossas costas também merecem a mesma atenção que a costa ao lado nos reclama constantemente. Nessas alturas, sabe bem alijar a mochila por uns momentos e sorver o ar que nos embala. 


Imagino que a terra possa ter os seus sarampos também...

Uma praia = uma descida + uma subida, esta a equação geral do caminheiro.

Aproximava-me da última do dia, a Praia do Abano, que já se abanava, primeiro à minha frente, 

e, depois, nas minhas costas.

Eu vim de longe... de muito longe... o que eu andei para aqui chegar....

Há um sentido plástico na ruína que não procuro mas que me encanta descobrir



Um país em que o céu dá cor às casas. Azul, o mais precioso dos pigmentos, só digno das vestes de deuses, reis e do mais requintado bom gosto nas barras das casas tradicionais do  sul do nosso recanto.

Só é pena a falta de água... nem para caravanas, nem para mais ninguém, tamanha é a míngua....

Não parece, mas por fora da fotografia, mora uma igreja.

Não sei quem nasceu primeiro, mas os dois juntos fazem um bonito par...


a verdade é que vida de pescador é sempre dura, mesmo  numa rotunda...





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