sexta-feira, 25 de abril de 2025

  Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...


13 de Abril de 2025 - Lisboa/Madrid/Tashkent



Um prólogo, longo, cansativo, narrado entre o acordar na cama de todos os dias, às três e meia da manhã, e aeroportos; vários: Lisboa, Madrid, Tashkent... por fim, cerca de 24 horas depois.

Tudo parte do que chamamos viagem, quando a verdadeira viagem é a que corre no sítio de destino... desta vez uma antiga República Socialista Soviética...em parte, ainda uma república socialista soviética, agora adornada com um islão que se voltou a inscrever nos costumes... e o Afeganistão ali tão perto....

Há, é certo, um semblante de democracia, com limitação de dois mandatos consecutivos para o Chefe de Estado, embora o atual presidente, no poder desde 2016, na melhor prática Putiniana, tenha garantido que os mandatos de 5 anos passavam a 7... próximas eleições 2030... a ver o que então se passará...

Basta, no entanto, ler a página da Human Rights Watch dedicada ao país, para perceber que a liberdade não está verdadeiramente a passar por ali; aliás a primeira frase do relatório 2024 desta organização é esclarecedor: Uzbekistan’s human rights record deteriorated in 2023...

8 dias de passeio despreocupado, na cerca sanitária de uma viagem de grupo de agência de viagens, está muito longe de ser a melhor forma (ou de ser forma, sequer) de apreender, perceber as minudências do tecido de uma sociedade, para mais poluídos que vamos com os nossos olhares alicerçados numa experiência Europeia, ocidental, de país bafejado por várias sortes, desconhecidas de muitos outros.

Mas entrar numa estação de metro com detetores de metais, revista de malas, polícias no cimo das escadas, polícias no cais, é coisa que já não esperamos, a não ser em casos verdadeiramente excepcionais; aqui, a exceção parece ser a regra...  a presença policial, de resto, é frequente em todo o lado... dir-se-á, "mas nós queixamo-nos de nunca vermos polícia nas ruas..."; verdade, mas uma vez mais, permito-me o preconceito: a minha polícia (pelo menos a que eu e a Constituição  da República entendemos como nossa) garante-me o exercício das minhas liberdades, a minha Polícia não me prende para ser mandado para um manicómio, se for homossexual....

E, no entanto, há calor fraterno no aperto de mão que troco com o polícia que me pergunta de onde sou e a quem mostro as fotografias que acabei de tirar, que ele avalia com um polegar espetado para cima...

E, no entanto, há amizade no sorriso que me atira à despedida, entrecortado com um "Ronaldo, yes!"

E no entanto há espanto e admiração nos meus olhos, assim que damos início ao intenso programa de visitas  que nos aguarda, não só hoje, como em quase todos os próximos oito dias, neste país da `
ásia central, sem costa marítima, encravado entre os vizinhos "istões" :  Cazaquistão a norte; Quirguistão a nordeste e leste; Tajiquistão a sudeste; Afeganistão a sul e  Turcomenistão a sul e oeste.

E não podia começar melhor: pela primeira vez, que me lembre, estou em frente de um  verdadeiro arquétipo de Realismo Socialista, esse qualificativo que, mais que escola ou movimento, se alicerçou como verdadeira definição normativa para a criação, independentemente de meio ou forma de expressão.

Sim, já vira em outros países do extinto bloco soviético, ou até no outro ex-membro da URSS de que há anos visitei a capital - Estónia - exemplos em cartazes, esculturas, artes gráficas, mas tudo seguramente de tamanho muito mais comedido...

A zona do globo em que o Uzbequistão se encontra é frequentemente sacudida por sismos de grande intensidade (aliás, em um dos dias em que la estive, um sismo de seis vírgula qualquer coisa, abalou o Afeganistão, tendo sido sentido também neste país, conforme alguns dos meus colegas de viagem confirmaram; já eu, às quatro e meia da amanhã, hora em que a coisa se deu, nem pestanejei, no conforto da cama do hotel).

Às cinco horas e vinte e três minutos do dia  26 de abril de 1966, um violento terramoto de 5,1 na escala de Richter, com epicentro na cidade de Tachkent , a uma profundidade de 3 a 8 km, destruiu grande parte da urbe cujas construções eram na, sua maioria, em  adobe. O número de mortos e feridos ainda hoje não é totalmente conhecido, mas para todos os que saíram incólumes da dramática provação, seriam muito árduos os tempos que os aguardavam, já que era necessário reconstruir do nada a cidade que em cerca de 80% tinha desaparecido.


Dez anos depois, em 1976, um enorme monumento foi erguido na capital, honrando a capacidade de resistência à adversidade do povo Uzbeque. Chamaram-lhe Monumento à Coragem. Uma família, pai à frente, mãe atrás, protegendo o menino, corpos angulares, poderosos, em poses decididas, avança em frente, com a mãe a esticar o braço, como se abrisse caminho... No chão, em frente, um cubo de granito preto,  fracturado, ostenta a hora e a data da tragédia... atrás do monumento uma longa sequência de figuras recortadas dá corpo à vida quotidiana, à reconstrução do país... 


      

Se grande parte das construções históricas de Tashkent foi de alguma forma afetada pelo terramoto, o esforço de reconstrução é óbvio, ao ponto de hoje, quem não souber por certo não suspeitará que 80% das construções ruíram naquele dia, substituídas que estão agora por blocos de apartamentos de cunho soviético.

O  Complexo Hazrati Imam com as suas mesquitas, madraças e  mausoléus, recebeu-nos em seguida, como se para estabelecer um padrão do que seria, daqui em diante, o nosso passeio por terras Uzbeques, já que 99% das visitas seriam a construções como estas, em quatros grandes localizações: Tashkent; Samarcanda, Bukhara e, por fim, Khiva.

Hesito no texto que escrevo.

Não o quero estender para lá do sofrível e uma descrição detalhada do que vi seria abrir caminho à repetição já que se me alhear do complexo mosaico histórico que ao longo dos séculos fez surgir as majestosas construções que visitarei nestes dias, restar-me -á em grande medida uma sinfonia de cúpulas azul turquesa, pórticos de dimensões avassaladoras com portas gravadas no mais intrincado filigrana de madeira, insólitos e invulgarmente  altos minaretes, maravilhosos azulejos de padrões geométricos ou caligráficos.

Não falo nem leio Uzbeque, russo, árabe; não sou crente; não sou versado nas coisas do Islão... limito-me pois à imagem, deixando as descrições para uma busca na internet para todos aqueles que lerem estas páginas (se algum houver). Será pois um exercício de escrita "impressionista" aquele a que me darei daqui para a frente, talvez uma boa forma de esconder a ignorância que conjuro.

Vários são o edifícios que compões este complexo, erigidos entre os sec  XVI e XX.

A grande praça que alberga o conjunto de edifícios está vedada a visitas,  para as obras de novas e importantes edificações,  no entanto há edifícios de sobra para conhecer.

 
Começamos pela Mesquita de Khazrati Imam... o primeiro embate ante a grandeza desconcertante dos pórticos de entrada e a delicadeza do trabalho nos azulejos que os decoram... não sei o que fotografar, quero meter o rossio na betesga, não tenho lente que abarque tamanhos monumentos; vou ter que me concentrar em detalhes, parcelas... como se não bastasse, tenho que lutar com a gente de que sou parte para obter fotografias mais limpas da quase sempre desagradável e indesejada presença de outras pessoas na minha linha de visão.É o pior que esta coisa de viajar em grupo tem... gente, sempre... muita e agora, sinal dos tempos, todos querem tirar milhares de fotografias... de lado, de frente, em grupo, sozinhos...






Sempre que posso escapo-me ao grupo, mal chegamos a qualquer sítio... enquanto os meus companheiros ouvem a explicação em torno do guia (que ouço também no meu auricular), aproveito para fazer uma ou duas fotografias à pressa... mas é raro estar sozinho... os locais de visita fervilham de outros visitantes, na sua maioria espanhóis (pois se só o avião em que vim trazia mais de 350.....)

Descalço-me a acedo ao interior da mesquita... embriago-me na cor ... aquele azul que traz mar e céu.. observo em respeito uma ou outra pessoa que ora, a riqueza da decoração é manifesta... assim na terra, como no céu... assim no chão, com uma imensa e confortável alcatifa que me acaricia as plantas dos pés, como no teto, com os enormes candelabros e padrões de a lembrar estrelas de um deslumbrante firmamento.
 









Faz algum calor cá fora. No jardim, mães passeiam carrinhos de crianças. Fruto dos apoios à família e às condições de que dispõem as mães (dois anos de baixa por parto) o país tem uma forte natalidade... 1 milhão de novos uzbeques por anos, diz-nos Dil, o nosso guia.

O vendedor de fruta e sumos atarefa-se a espremer romãs para um copo que entrega a uma senhora que lhe o pedira.... pergunto-lhe por gestos se o posso fotografar... de pronto agarra numas laranjas e coloca-se em pose, fazendo rebrilhar os vários dentes de ouro que ostenta, coisa por aqui muito comum em homens e mulheres....


Bancas de artesanato propõem  sedas, tapetes, casacos, cerâmica... a romã, o mesmo fruto que o meu amigo vendedor se atarefava há puco a espremer, é venerada por aqui, como em muitos outros lugares, como um símbolo de fertilidade e prosperidade. É frequente encontrá-las declinadas nas mais variadas formas e suportes.


No regresso ao autocarro fotografo, por uma frecha na vedação de metal, a cúpula da mesquita onde há pouco estivera, que só é visível da grande praça que está agora vedada; um pouco mais à frente, estão a entrar alguns operários para a praça e aproveito o facto da porta estar momentaneamente aberta para uma rápida fotografia à imensa fachada do novo Centro da Civilização Islâmica que deverá abrir ainda este ano. Deslumbrante a cúpula, e mais uma vez, a imponência da fachada toda delicadamente decorada é simplesmente avassaladora. 




O Centro albergará um enorme museu dedicado à história da cultura islâmica e por certo constituirá mais uma razão de peso para visitar Tashkent, não obstante razões para tal não faltem já, como seja o famoso Chorsu Bazaar, o emblemático mercado principal da cidade que deixarei para a próxima entrada do blog, para não abusar da paciência de eventuais visitantes (não do mercado, mas destas minhas páginas ).


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