sábado, 20 de novembro de 2021

   Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória


1 de setembro


Dia leve, quase de descanso. Cerca de 120 quilómetros apenas ligando Sait Gaudens a Pau, com passagem por Tarbes, onde fizemos uma paragem paragem para ver o centro, ir aos correios e tomar um excelente café.

O tempo no entanto, decididamente, estava a mudar, não no sentido de que "The times they are a changing", mas no sentido atmosférico do mesmo e, em Tarbes, somos brindados com as primeiras gotas caídas do céu, das férias. Muito poucas, é certo, mas o cinzento carregado que se vê pairar sobre os Pirinéus lá ao fundo serve de aviso...





A borrasca apanha-nos de vez em Lurdes.
 
Não por devoção, antes por curiosidade, passeio o meu profundo agnosticismo pelo grande parque do santuário, que, tal como Fátima, tem espaço para receber muitos milhares de crentes, em busca de uma graça ou da paga de as ter recebido (que mesmo com santos, o melhor é nunca deixar as contas a descoberto: recebeu? pagou!...)
Sim, haverá os puros; sim, haverá os que tem na religião uma terapia que lhes é intimamente necessária; sim, haverá os que acreditam firmemente num Deus que é deles e de outros apenas por um qualquer casuísmo (nascidos que fossem no norte de África, ou na Ásia e o seu Deus seria outro...), mas eu nunca consegui compaginar o Bom Deus, todo poderoso, e a primeira página dos jornais, nem todos os atos que, em seu nome, foram, são e serão cometidos... e lembro-me sempre das muito certas palavras retiradas de Wind up dos Jethro Tull: "I don't believe you, you had the whole damn thing all wrong,
He's not the kind you have to wind up on Sunday"...
Passeamos na chuva morrinhenta que, a intervalos, se interrompe. Vamos até à gruta onde tudo terá começado. Não posso deixar de pensar na estranha confluência espeleológica dos hábitos de Nossa Senhora: Covadonga; Lurdes; ao menos por cá saiu para a luz, no cimo de uma azinheira, dizem... mais uma achega para a questão do quanto a religião que professamos ou não depende  simplesmente do acaso (e, como tal, mais incompreensíveis são os facciosismos radicais que desde sempre emperraram a evolução das sociedades em que nos organizamos): a verdade é que Nossa Senhora, que eu saiba (mas posso estar errado) apenas apareceu nos países em que sabia ter audiência certa....e, desde há uns anos para cá, parece ter desistido de visitar os mortais...
Podia sim visitar as lojas que lá como cá ou em qualquer outro santuário testemunham um difícil contraste entre o esotérico e o material... a velha história dos vendilhões e do templo....






Próxima (e última) paragem: Pau.

Instalamo-nos e damos uma volta pela cidade que já conhecíamos de outras visitas. Do Boulevard des Pyrénées é possível ver que os ditos estão envoltos em tempo que faria penosa a sua travessia. Reparo também que no monumento aos mortos das duas grandes guerras  há uma lápide dedicada aos soldados portugueses mortos na primeira. Por uma vez, hoje, sinto-me em casa.








Já no apartamento, espreito pela janela: o dia fina-se com um dos melhores pôr-do-sol das férias....


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