sábado, 6 de novembro de 2021

  Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,
em partes,
tantas quantas me promete a memória


28 de agosto

Manhã cedo saímos de Barruera em direção a Boí, local de onde partem as carrinhas 4x4 que transportam os visitantes até à entrada Oeste do parque Natural de Aigüestortes e Estany de Sant Maurici.

Uma vez chegados, optámos por fazer a caminhada de ida e volta até ao Estany llong, que nos levou ao longo do vale, resguardados, em grande parte do caminho, pela agradável sombra de pinheiros até atingirmos o grande plano de água da lagoa longa, uma das muitas que polvilham este parque Natural. 

O caminho faz-se sempre a subir, embora de forma não muito agressiva inicialmente, havendo um desnível de cerca de 200 metros entre a zona onde se situa a "porta" de acesso ao parque e a lagoa.

Não está um dia bom para fotografar. Há uma neblina persistente no ar e o sol já vai alto e muito duro. Aqui e ali, o caminho é iluminado pela radiância violeta do Aconitum napellus (la Tora blava). A exuberância da cor e a beleza das flores enganam o incauto, no entanto: esta é a flor mais tóxica da Europa e comê-la, por muito pouco que seja, é garantia de caminho sem retorno....

 Aconitum napellus 

Um cardo rasteiro chama-me também a atenção pela beleza das suas inflorescências: é a Carlina acaulis, leio mais tarde na internet, cardo que, como a sua contraparte amarela - Carlina acanthifolia -, era usado tradicionalmente como preditor do tempo, uma vez que a promessa de chuva faz as brácteas que circundam a inflorescência enrolarem-se, distendendo-se se o tempo augura sol.

Carlina acaulis

Não raras vezes tivemos de nos desviar para deixar passar uma ou outra manada de vacas, de uma espécie que creio ser a "Vaca Bruna dels Pirineus". Sempre pareceram dóceis, mas tivémos a nítida sensação que quando, com a nossa passagem, nos intrometemos no caminho de um bezerro que tentava mamar, as amigas da mãe nos "conduziram" persuasivamente para fora da intimidade dos dois.






Estany Llong

Descansados e retemperados pela proverbial sandes sacada da mochila, tomámos o caminho de regresso, ao longo do mesmo trilho por onde tínhamos vindo, parando apenas para um saboroso café no bar do refúgio do Estany Llong, que serve de local de pernoita para montanhistas e caminhantes no parque.



Regressados ao ponto de partida, voltamos a embarcar nauma das carrinhas que constantemente asseguram o transporte de e para Boi.

O vale de Boi guarda nas suas vilas espalhadas pela montanha, um conjunto de igrejas românicas com características únicas de preservação, em que avulta. regra geral a torre do alto campanário de secção quadrada e que outrora eram decoradas por frescos no interior. Desde 2000 que integram a lista de  Património Mundial da UNESCO.

Grande parte dos frescos que adornaram estas igrejas foram removidos e vivem hoje no Museu Nacional de Arte da Catalunha, em Barcelona. Segundo um dos responsáveis pelo acesso a uma das igrejas me contou, tal terá acontecido para evitar a venda dos frescos à América (ou a americanos...) no seguimento da Guerra Civil Espanhola, história que procurarei investigar, porque assim à primeira vista, tem tudo para um bom romance.

Guardámos a tarde para visitar estas igrejas, já que as vilas são todas perto uma das outras e começámos pela vila de Taüll, que alberga talvez a mais famosa destas igrejas, na qual é possível assistir a um curioso espetáculo de projeção imersiva que nos dá a conhecer como seria este templo em toda a sua glória, antes da remoção dos frescos.

Igreja de Sant Climent de Taüll




Boí
Igreja de San Joan






Eril la Vall
Igreja de Santa Eulália





Durro
Igreja de la Nativitat







Na janela de uma das casas de Durro deparámos com uma das tochas utilizadas na festa das Fallas de Vall de Boí, também elas com estatuto de Património da Humanidade outorgado pela UNESCO. Nestas festas, no solestício de Verão,  o vale é percorrido por cortejos de "fallaires" que carregam a sua tocha acesa desde o local onde se acendem até ao centro da vila.




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