domingo, 10 de agosto de 2025

 Notas de viagem roubadas a um diário que não escrevi,

em partes, tantas quantas me promete a memória...

27 de Julho de 2025 - Parte III -  Letónia

Liepaja - Pavilosta - Arribas de Jurkalne



Lembro-me bem da primeira vez que cruzei uma fronteira. 

Tal como terá acontecido a muitos portugueses da minha geração, excitante internacionalização aconteceu com um rio pelo meio, atravessado de barco, e uma nervosa passagem pelo posto fronteiriço de Vila Real de Santo António, ante o olhar inquisitório dos agentes da Guarda Fiscal, Guarda Nacional Republicana  ou Polícia de Segurança Pública, não posso precisar. Provavelmente, também, por ali haveria lugar para um agente da infame Polícia Internacional de Defesa do Estado, que o acontecimento teve lugar antes de 1969, altura em que passou a chamar-se Direcção-Geral de  Segurança.

Lembro-me da minha prenda comprada em uma das lojecas de  Ayamonte que tudo vendiam, e onde os portugueses se abasteciam  de caramelos Vda. Solano, pós de arroz e sabonetes Maderas de Oriente e Anisette Marie Brizard em troca de algumas pesetas (fascinava-me a moeda de 25 pesetas, com um buraco ao centro...)

Um cavalo preto, com um pelo como que de pó também preto que, com o tempo e a esfrega da mãos, acabava por sair, revelando o plástico também preto por baixo. Tenho um aligeira impressão que vinha com um cowboy de chapéu e cinturão vermelho.... mas não sei, não posso ter a certeza, foi já há tanto tempo....

Mas o que mais me encrustado na minha memória ficou foi o nervosismo dos meus pais e  dos amigos que os acompanhavam durante o controlo fronteiriço do lado português.

Mais tarde, já bastante mais crescido, também eu ficaria algumas vezes nervoso por conta das latas de pasta de fígado, pratos de pirex, brinquedos e outras coisas que, com os meus pais, "importaria" para o território nacional nas nossas raras saídas ao "estrangeiro", esse local mítico a que poucos aspiravam e que continuava a ser fundamentalmente ali, do outro lado da única fronteira terrestre que envolve o rectângulo de onde houve Portugal...

Na estrada cruzo um grande painel na berma. É azul e tem um círculo de estrelas amarelas ao centro. Dentro do círculo leio LATVIJA.

Não fora isso e não me daria conta que a estrada que piso agora tem outro dono, apesar de tudo em seu redor parecer igual: verde, em imenso contínuo.

Que ideia fenomenal esta da Europa a que pertenço, sendo e sentindo-me Português. 

Por uma vez somos pássaros, vento, mar... tudo aquilo que não para em postos de controle fronteiriço...

Sim, concordo: há muito que aprofundar, muto que aperfeiçoar, muito que melhorar e tudo isto é árdua tarefa... depois, circula por essa europa fora uma baforada cinzenta, bafienta, que já chegou ao meu pais e que a erode na essência... mas as boas ideias, as que verdadeiramente contribuem para o avanço e desenvolvimento, são perenes, independentes. vencedoras. Assim o creio, assim o espero.

Liepajas. Visitamos rapidamente (se assim se pode dizer) a cidade, de carro. Algumas casas,  chamam-me a atenção. Em particular uma que encontro num cruzamento de uma das principais avenidas da cidade. Fotografo a fachada e seguimos de novo para a estrada principal. Direção: Pavilosta, uma pequena localidade balnear e pesqueira atravessada pelo rio Saka que ali desagua. 


Liepajas


Paramos para comer uma peça de fruta e descansar um pouco. Nada de extremamente interessante para ver, mas esticar as pernas sabe bem...





Pavilosta

Antes de chegar a Kuldiga, destino do dia, o programa que nos tínhamos estabelecido obrigava-nos ainda a uma passagem pelas arribas de Jurkalne, a partir de onde deixaríamos, por hoje, a estrada ao longo da costa para infletirmos para o interior. Intrigava-me  a designação do local. Se algo havia que caracterizava toda a costa que até agora víramos, para além da floresta que ao longo dela sempre parecia correr, era a sua planura... com a areia a entrar pelo mar e pela floresta  quase ao mesmo nível.

Mas de facto assim não é em Jurkalne. Não que as arribas sejam altíssimas: na verdade, da floresta à areia, o desnível será inferior a 10 metros.... mas tão rara deve ser por aqui esta diferença que  o local assume honras de destaque orográfico.


O que não posso deixar de notar outra vez é a imensa qualidade da praia quase deserta que se estende aos meus pés, ou melhor aos meus olhos, para um lado e outro de onde me encontro: que calma, que beleza....

Arribas de Jurkalne

A mata acompanha-nos até ao carro, como nos acompanham aqui e ali framboesas maduras colhidas por entre os troncos dos pinheiros. Outras bagas vermelhas, a lembrar groselhas, estão por toda a parte. Têm um ar decididamente comestível, até pelo cheiro que exalam uma vez esmagadas.. mas não me atrevo...

Kuldiga e o alojamento esperam... amanhã haverá mais estrada.

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