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terça-feira, 27 de maio de 2025

 GR11-E9 (Parte 10) - Praia Grande - Cabo Carvoeiro

Etapa 2 - Ericeira - Praia de Santa Cruz

21 de Maio de 2015



Gosto de sair cedo. Se possível, até, antes dos primeiros raios de sol. Há algo de serenamente reconfortante em acordar juntamente com o dia, como se assim ganhássemos a certeza de que ele é parte do nosso próprio ciclo biológico. Despontamos com a luz, tornamo-nos mais conscientes com a luz. E depois são poucos os que estorvam o dia quando ele se desembrulha para nosso inteiro prazer. Poderá parecer egoísta dizê-lo desta forma, mas o sol tem outro sabor quando o julgamos a nascer apenas por nossa causa...

Não obstante, não será assim por estes dias. Não que não acorde suficientemente cedo para poder ganhar a rua antes dos primeiros raios de sol, mas em todos os alojamentos que fiquei desta vez o pequeno-almoço apenas era servido depois das oito horas, e eu não queria sair sem o tomar. Por outro lado, as manhãs apresentaram-se sempre cinzentas e nubladas o suficiente para não se vislumbrar no  céu qualquer rasgo do amarelo que nos aquece os dias.

Ainda assim,  quase não me cruzei com pessoa alguma  quando saí para as ruas de uma Ericiera ainda longe das enchentes que começarão daqui a um ou dois meses.

Desço em direção ao mar: o velho hotel, um ou outro pescador, um ou outro jogger matinal... entro num café, igual a tantos outros... sou atendido com um enorme sorriso. "Um café, por favor", peço. De pronto, uma chávena fumegante é-me posta à frente, embrulhada no continuado sorriso. "Quanto é?" "Um euro, por favor", responde-me o sorriso... e eu percebo a razão de tanta afabilidade... 

Os preços inflacionados por uma clientela que fala outras línguas que não a minha e que por aqui vem gozar o mesmo que eu gozo agora, depois de longos anos agarrado a rotinas menos prazenteiras, são uma constante óbvia em cafés e restaurantes.

E depois as ementas.....Nas tabuletas à porta de restaurantes onde antes se escrevia "carapaus com molho à espanhola" ou  "carne de porco à portuguesa", anunciam-se agora carpaccios e tagliatelles, ceviches e guacamoles... tudo livre das ameaças férreas do glúten e da lactose, por certo...

Resigno-me. Não se pode ter tudo.  Também eu ajudo a inflacionar preços nos sítios que visito noutros recantos, estou certo. "Se queres o mel, suporta as abelhas" dizia a citação do Erasmo que lia todos os dias na estação de Metro do Parque, durante os anos em que por ela passei.... servia-me de mantra... ainda hoje me serve....

Vou deixando a vila, e tomo de novo o trilho pelas escarpas que me faz passar pelo velho forte de Milreu, erguido em 1670, hoje em avançado estado de degradação. 

Um par de ciclistas abrigou-se nele para passar a noite  e organizavam agora os respetivos pertences para retomar o caminho.... eu continuo o meu e  depressa chego à escadaria de descida para a praia de Ribeira d'Ilhas, resguardada cá de cima, do mirador, pelo "Guardião da Reserva Mundial de Surf da Ericeira”, que parece mais interessado em perscrutar o horizonte na procura por uma boa onda que em proteger seja lá o que for.

Passado o areal da praia e  a ribeira que nela desagua através do passadiço que a sobremonta, retomo a trilha na arriba. 

A vegetação, em particular caniçais, espevitados com as chuvadas do inverno, nem sempre torna óbvio o caminho e chego a perder mesmo a trilha, tendo que voltar atrás para a recuperar.

Mais uma praia se me avizinha. Chama-lhe Praia dos Coxos, vá-se lá saber porquê. Dói-me o calcanhar direito, é verdade, mas nada que ma faça coxear.... Chego ao parque de estacionamento na mesma altura que uma carrinha preta de vidros fumados, que desembarca três pessoas que bem poderiam ser uma avó, um filho e um neto. Lá em baixo, no areal,  noto uma azáfama inabitual, com uma equipa de produção de filmagens ou fotografia já completamente acantonada e preparada para uma sessão de trabalho. Percebo então, pelas imagens no storyboard preso num placard a que dou uma mirada  de passagem, que as pessoas com quem me cruzei são os modelos para a sessão.

De novo um pequeno forte no horizonte. Forte de Santa Susana, outra construção datada da restauração. Em tempos terá sido transformado em posto da Guarda Fiscal, construção que hoje subsiste, mas que, creio, terá alterado a traça original.

Para prosseguir daqui em frente, terei que atravessar a praia de S. Lourenço. Espera-me um curto caminho pelas rochas, a exigir algum cuidado adicional e a recolha dos bastões na mochila, já que, nas rochas, serão mais um incómodo que um apoio, progredindo a mãos e pés.

Antes de chegar ao areal reparo que sob a "placa" da escarpa, foram construídos alguns abrigos... pescadores? Nada encontro escrito sobre eles na internet...

Passada a praia, onde não encontrei sítio para um café, que tanto me estava a apetecer, sigo um bom pedaço pela estrada até de novo infletir para a escarpa, procurando um trilho escondido entre terrenos cultivados e canaviais, perigosamente próximos da escarpa. Opto por seguir pela extrema dos campos cultivados, sem nada espezinhar, que nada quero estragar.

Saído dos canaviais, dou por mim encurralado entre uma vedação e uma descida que me parece impossível. 

Volto para trás. até conseguir passar a vedação e mais à frente retomar a estrada... 

Sigo de novo para a escarpa, uma vez passada a praia, seguindo o caminho feito por outros caminhantes numa trilha no Wikilok.... mais uma vedação. De novo tenho de voltar atrás e procurar percurso alternativo.

Felizmente hoje temos imagens de satélite à mão de semear, com resolução suficiente para ver caminhos e trilhas. Decido-me por um traçado alternativo que, graças a estes recursos, estabeleço e que me permite tornear as zonas vedadas.

Reganho a falésia e agora o caminho é fácil e largo até à Praia da Assenta, onde me assento no único banco disponível para descansar e almoçar, ao lado de um pescador que responde ao meu bom-dia com um ruído que não pude descodificar. Nos vinte minutos em que partilhámos o mundo, nada mais entre nós foi ventilado e, curiosamente, acabámos por abandonar o sítio os dois ao mesmo tempo, ele com a suas canas e um dia de má pescaria (a julgar pela disposição) e eu com os meus  bastões.

Temendo novos cortes e vedações, defini um caminho que me conduziria a marcações do GR11 na vila da Assenta. Sigo-as a espaços, não sei se o meu caminho coincide totalmente com elas. 

Volto a encontrar marcações  consistentes em Cambelas. Agora sim, o caminho é aberto. Sigo em estrada de terra batida até à Praia da Foz do Sizandro, que cruzo na ponte de madeira que lá existe e que liga com o longo passadiço que me permite cruzar a praia sem o incómodo da caminhada na areia solta.

Já falta pouco, quando volto a subir à arriba, de onde avisto Santa Cruz, o destino do dia, onde entro por uma estrada que me conduz por entre algumas moradias curiosas e miradores, um deles com uma pequena capela, sobranceiro a um arco de rocha, lá em baixo, no areal.

Anseio por um bom banho e descanso. Em breve vou tê-los no alojamento onde me instalo, para fecho de mais um dia de caminhada.



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Arte de rua, na Ericeira


Rua de arte, na Ericeira...


Forte de Nossa Senhora da Natividade (1706)





Ermida de S. Sebastião






Forte de Milreu

Carduus lusitanicus (?)


O Guardião do Surf...


...e a praia que tutela: Ribeira d'Ilhas




Relevos e estruturas fotogénicas o suficiente para merecerem um retrato...


Praia dos Coxos





 Forte de Santa Susana e mais algumas formas e estruturas curiosas










Praia de S. Lourenço




A caminho da Foz do Sizandro...


já se viam as Berlengas.








Praia Azul (Foz do Sizandro) 


Já se vê a praia de Santa cruz....


a entrar em Santa Cruz



a capela no mirador


e um bonito arco natural, talhado na pedra


que bonitos são os Metrosíderos que se enchem 
de vermelho a contrastar com o verde das folhas


segunda-feira, 26 de maio de 2025

  GR11-E9 (Parte 10) - Praia Grande - Cabo Carvoeiro

Etapa 1 - Praia Grande - Ericeira

20 de Maio de 2015


O prometido é devido!

Tinha-o dito, quando terminei a caminhada Guincho-Praia Grande: "Daqui continuarei para o Cabo Carvoeiro".

Duas horas depois de sair de casa, montado no meu fantástico corcel que dá pelo nome de "Navegante" e me leva por montes e vales de autocarro, comboio, metropolitano, teleférico ou até mesmo de bicicleta, se tal preciso for, descia do autocarro apanhado na Portela de Sintra, na exata paragem onde há meses o apanhara no regresso a casa, depois de mais uma boa caminhada.

Oito horas certas, diz o mostrador do meu telemóvel, quando dou o primeiro passo depois de assestar a mochila e armar os bastões. Tempo fresco, vento de cara (irá ser assim todos os dias) e uma enorme vontade de andar, apenas pelo prazer de o fazer, em comunhão com nada mais que o caminho, o tal que se faz caminhando, como escreveu o poeta.

Da Praia Grande à Praia das Maçãs é apenas o tempo suficiente para a aquecer os músculos das pernas e dos pés a quem muito vou pedir ao longo de quatro dias.

A progressão é fácil, alternando estrada com um trilho marcado sobre a falésia, sempre com casario à vista. Estou como habitualmente só, mas desta vez tenho banda sonora. E irá ser assim quase sempre ao longo de mais esta caminhada pela costa, parte do que espero venha um dia a ser um completo GR11-E9 na parte portuguesa, embora com óbvias adaptações pessoais, quanto mais não seja porque o percurso não está, infelizmente, todo definido e marcado ao longo da nossa costa ocidental.

Banda sonora, dizia eu... sim: o vento, constante, intenso, faz dos meus bastões flautas, embora limitadas sempre à mesma nota, ao passar pelos pequenos orifícios de ajuste em altura. Pareço um espanta-espíritos ambulante, enquanto caminho embalado pelo assobio.

Azenhas do Mar. Uma paragem para fotografar a fonte e a escola... Que bonita que é... assomo-me ao portão... vem alguém entregar uma criança, e aproveito para espreitar. Vejo que a entrada está coberta em azulejos e que um dos painéis está dedicado ao voo de Sacadura e Coutinho... ó pá, quero ver... Peço à vigilante que no cimo da escada recebe a criança que acabara de entrar. "Posso ir aí fotografar os Azulejos"; "Não desculpe, mas não é permitido fazer fotos, só de fora." 

"mas eu não quero fotografar nenhuma criança, só quero fotografar os azulejos, não quero entrar na escola..."

"não, a direção deu ordens para que seja estritamente proibido fotografar. Já viu se cada turista que por aqui passa quisesse fotografar, como seria?"

Tolhido pelo absurdo, resigno-me e não respondo. Não iria ser simpática a resposta e, estou certo, a moça não tem qualquer culpa, logo não mereceria ouvir os dois ou três artigos do meu extenso catálogo de interjeições que rumino enquanto retomo o caminho....

Um edifício por certo classificado, que não pode ser fotografado,  porquê? 

Lá estamos nós de novo prisioneiros da paranoia: hoje em dia, máquinas fotográficas não podem coabitar espaços onde existam crianças..., mesmo que escondidas, do lado de lá das paredes impenetráveis e opacas....

SE os turistas quisessem fotografar.... E porque não? qual o mal? Roubariam a alma aos azulejos, era?

Bardamerda! (Aqui a mocinha não ouve, e eu sempre limpo a consciência, que me ficou a roer de novo, só de lembrar o episódio...)

Sigo caminho. Até lá abaixo, à praia, e volto a subir pela escadaria... a subida faz-me esquecer os azulejos, e tenho de parar um pedacinho para reganhar o fôlego... sigo em frente, ágil, caminho com facilidade, com bom ritmo, sempre a direito.

Magoito. De novo uma descida ao areal, deserto à excepção de uma criança que jogava à bola com os pais, e nova subida para retomar o caminho por sobre a arriba, a lembrar em muito a minha ainda recente caminhada pela costa alentejana... agora está tudo em flor, o que acrescenta cor e alegria à paisagem por vezes verdadeiramente deslumbrante que atravesso.

Como me sinto bem nestas saídas de caminhante. Nada me distrai, não tenho que me resignar ao ritmo de ninguém, posso parar quando me apetece, observar em detalhe o que quiser... nada me preocupa (ou pelo menos evito, com bastante sucesso, pensar no que me possa preocupar), nada me aflige, nem mesmo a merda em que está o mundo lá fora e cá dentro... sigo alheio a tudo menos ao que me toma, de braços abertos: este azul, este verde, todas estas cores, estes cheiros; estes pássaros que chilreiam, estas flores que se abanam loucas na ventania; nada me apoquenta! Estou seguro que no fim da etapa terei o repouso cómodo que me retemperará... pudesse toda a gente dizer o mesmo!

Óbvia também a economia da palavra. Apenas as penso, não as digo. Converso comigo enquanto ando, mesmo que não dialogando, vou comigo conversando, quanto mais não seja para fugir à malfadada banda sonora que também me persegue e não, não é a dos bastões....

Desde que comecei a andar, a Pavane do Fauré não me sai da cabeça.... estou a estudá-la para o coro e agora ouço-a, já me farta.... "Nous serons bientôt leurs laquais...", mas que fazer... junto com os assobios dos bastões e o sopro do vento, tenho tudo menos silêncio....

Lá em baixo fica a Praia da Samarra. Preciso de descer de novo e o trilho não é dos mais fáceis. Além do mais, a vegetação está crescida, choveu muito este ano. Vou-me debater muitas vezes com este problema: encontrar o caminho no meio da vegetação que o cobre.

Devagar lá vou descendo, tentando garantir sempre o equilíbrio que a inclinação da encosta exige. Por fim sinto a areia sob os pés. Pedra ante pedra, atravesso o pequeno regato que corre para o mar aqui. Uma cobra de água desenrosca-se e foge à minha vista para onde já não a posso ver... que pena, gostava de a ter fotografado.

Procuro uma sombra, não tenho sorte, mas também não é crítico que o dia está fresco e não há sol a descoberto. Sento-me numa laje e alijo a mochila de onde retiro o almoço (as habituais sandes, iogurte e fruta).

Retemperado, retomo o caminho. Se a descida foi complicada, encontrar agora a subida é-o muito mais. Sigo pelas rochas até encontrar trilho. Não é nada fácil e exige bastante cuidado. Por fim lá chego ao cimo da falésia. 

De agora em diante, acabaram-se as facilidades da primeira parte da manhã. Seguirei sempre pela arriba, passando as praias da Vigia e do Barril, até chegar à descida para a Praia do Lizandro. 

Tinha algum medo que não conseguisse passar a vau aqui. Mas o que vi do cimo da falésia, tranquilizou-me. A maré estava vazia e o que restava do Lizandro na foz era suficientemente parco para poder ser atravessado sem ter que me despir mais do que da canela para baixo...

Uh, como me soube bem aquela água nos pés doridos... já faltava pouco. Na esplanada de um apoio de praia, fechado para obras de preparação para a nova época, limpei a areia dos pés o melhor que pude e voltei a calçá-los de meias e botas, para seguir o caminho de areia que me levaria lá acima, à estrada nacional por onde segui até entrar na Ericeira. 

Antes de me alojar ainda percorri a vila para comprar o meu habitual postal, que fui, de imediato, expedir na estação de correios, e procurar obter um carimbo no posto de turismo e junta de freguesia, a atestar a minha passagem por ali.

Os pés estavam doridos, o corpo cansado, o alojamento que reservara dar-me-ia de imediato a possibilidade de os tratar com um banho e uma soneca retemperadora.... Amanhã há mais!



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Aqui fiquei, daqui parti....



Praia Grande


O bonito e invulgar grená das Orobanches a irromper pela arriba... 
pena que a designação de espécie seja foetida...


Praia das Maçãs




A escola vedada a perigosos curiosos....



Azenhas do Mar




Praia do Magoito

a beleza simples de uma parede de arenito




Forte de Santa Maria















                                                                


Um colega caminhante (Blaps sp.) e uma viçosa Arméria (A. pseudoarméria?) 


Toujours le printemps...


Praia da samarra 


Á primeira vista, lá de baixo, parecia uma vigia, mas não. É apenas uma rocha, fortemente erodida.



Praia da S. Julião







Foz do Lizandro


A Deusa do Mar Azul que me recebeu na chegada à Ericeira

Ericeira - largo do pelourinho


A caminho da caminha....