segunda-feira, 10 de junho de 2024

 


V - Viana do Castelo - Caminha

13/Setembro/2023 



Acordei cedo, que a tirada do dia, a maior de todo o caminho, assim o justificava, e, depois do pequeno almoço, como sempre, preparado na véspera, saí para uma manhã que ainda era noite fechada, apenas iluminada pelo brilho as luzes de alguma iluminação pública que existia ao pé do albergue e das estrelas. 

Para começar tinha pela frente os 675 degraus do escadório, sem qualquer tipo de iluminação que aclarasse o seu percurso, pelo que, pela primeira vez, socorri-me do frontal, que provou ser importante ajuda, já que os lances de degraus serpenteavam húmidos e, sem ver por onde ia, arriscava-me  a uma queda.

Chegado cá abaixo perdi um bom pedaço de tempo e energia numa deambulação absolutamente inútil. O que se passou foi que, como habitualmente,  escolhera seguir um trajeto que outros tinham guardado no Wikilok, para não perder tempo a encontrar a sinalização do percurso. Esqueci-me no entanto, que nem todos dormiram onde eu tinha dormido, e quem guardara a trilha original tinha dormido na cidade, pelo que o trajeto incluía o troço entre o local de dormida e o trajeto oficial do caminho. Não que fosse muito, mas a pé, com peso às costas  e em terreno com declive, como era o caso, todos os centímetros contam... lá tive que subir duas vezes a escadaria ao lado da estação onde dei pelo meu erro, e voltar para trás, até encontrar de novo o caminho, que já tinha cruzado sem que o tivesse notado...

A etapa, longa, foi das menos interessantes já que correu relativamente longe da costa (que no entanto se via muitas vezes na linha do horizonte) embora paralela à mesma, passando por locais sem grande interesse paisagístico na sua maioria.

Exceções houve, como alguma fotografias que tirei comprovam, mas, em geral, não havia nada de maior interesse que justificasse uma paragem, nem tão pouco cafés ou locais para carimbar a credencial (apenas o pude fazer em Carreço, no primeiro café que encontrei aberto, desde que saíra de Viana do Castelo, quando contava já com cerca de 10 km de caminho).

Uma delas seriam talvez as quedas de água do Poço Negro, na ribeira do Pêgo, Areosa, mas não creio que levassem água que justificasse o desvio. De qualquer forma, a sinalização que as indicava nada dizia quando a distância e a ribeira, a meus pés, corria quase sem água.

Bastante mais à frente, passei por uma casa em obras que me chamou a atenção tendo depois ficado a saber que era casa onde morou Pedro Homem de Mello (um poema seu estava nuns azulejos da entrada para o caminho). É, sei-o agora, o convento de S. João de Cabanas,  Afife, que se encontra em obras de recuperação para transformação em unidade hoteleira.

Ainda tentei visitar as casas em recuperação, porque me pareceu que deveriam esconder bons tetos, pelo menos, mas não o pude fazer porque o encarregado das obras, delicadamente, me disse que tal não seria possível.

Por fim Âncora, onde tinha combinado que telefonaria a um amigo que não conhecia pessoalmente e com quem me iria encontrar. Assim o fiz, mas apesar de utlizar o telefone para mostrar o sítio onde estava, o Eric não o conseguiu identificar, pelo que combinámos encontrar-nos mais à frente, em Vila Praia de Âncora.

Com o rio Âncora já para trás, dirigi-me à Vila e depois de mais algumas chamadas e desencontros, lá me encaminhei para a praça 5 de outubro onde  de imediato reconheci alguém que não conhecia (curiosa formulação esta, não é verdade?) e que igualmente, de pronto, me reconheceu.

"Olá. Como estás Eric?"
"Bem, e tu Pedro?"

Com o Eric trocava correspondência e interesse em selos e cartas desde que comecei o meu outro blog que a eles dedico. Hoje continuava as conversas, que muitas vezes tínhamos tido, com o calor de um café, como se nos conhecêssemos de há muito, sem o incómodo que sempre me agita em primeiros encontros.

A conversa fluía pois natural e descomprometida. Também o dia e eu tinha ainda bem mais de 10 km pela frente.

"Vamos?"

levantei-me, mas o Eric chegou à minha mochila primeiro que eu. 

"Deixa que eu te a leve."

"Não! Então porquê?"

Mas já ele assestava as bandas de cintura, depois de enviar as alças pelos ombros. Não tive outro remédio que anuir, e confesso que me soube bem por uns bons quilómetros andar com o vento do mar na cara e os ombros leves, sem o peso que, desde o Porto, sempre me acompanhava.

Um dia magnífico de sol e alguma brisa empurrava-nos os passos, com o monte de Santa Tecla pela frente. A aquecer-se ao sol, um magnífico sardão aquiesceu a algumas poses para a fotografia e, pelo caminho, ainda houve tempo para trocar alguma conversa com outra caminhante Eslovena a quem o Eric, sempre solícito, aliviou da dificuldade de tirar uma selfie, fazendo-lhe ele o favor de lhe carregar no "botão" do telemóvel.

Mas quanto mais avançávamos, maior era a distância do regresso. No início da marginal de Caminha despedimo-nos então com um até à próxima, que ambos sabíamos não iria fisicamente acontecer em breve, mas que, sem dúvida, prosseguiria no nosso continuado diálogo por carta e mensagem eletrónica.

Perguntei-me se alguma vez eu teria a generosidade de acompanhar outrem por uns bons 8 km, carregando-lhe a mochila, para depois ter que voltar ao local de partida, a pé também....

Uma última subida levou-me ao hostel onde me alberguei. Tratada a roupa, tratei depois o corpo, almoçando numa rua próxima do hostel.

Pela tarde, como habitualmente, depois de algum descanso, passeei pela Vila, fui aos correios e recolhi de novo ao Albergue onde a noite que caiu me vio encontrar a acabar o desenho do dia no meu pequeno caderno de notas de viagem.





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Uma antiga carruagem do funicular de santa Luzia espalhava alguma luz pela escura noite quando saí do albergue...

...enquanto cá em baixo, em frente à estação, se fazia lembrar que o Minho é terra a que se volta, nas voltas do vira...

ou do Caminho de Santiago.

O Despertar d'ar-e-osa (assim se identifica a peça) a mim lembrou-me vagamente um Santiago, talvez pelo chapéu. A verdade é que nada despertara ainda...

... só as cores....

... e um gato.

Que bem que a seta ajuda à composição, pensei.

O pouco que restava da ribeira do pêgo...com tão pouca água aqui, suspeito que as quedas de água, mais acima, estariam secas.

A Capela da boa viagem... assim tinha sido até agora....

... um jardim curioso, entre Além-do-rio e Troviscoso, cheio de coloridas esculturas...

e uma casa que se identificava como casa das lanças e que me chamou a atenção pela curiosa implantação.

Capela de S. Paio

Pormenor de um luminoso mural que bordejava o caminho.

O convento de S. João de cabanas onde morou Pedro Homem de Mello

A ribeira que junto a ele corre

Um cruzeiro...

... e Vila Praia de Âncora, que já se deixava ver...

e onde atravessei o rio que lhe dá o nome.

Jáá de novo ao lado do mar, a ecopista do caminho do Sargaceiro levou-nos na direção de Caminha, com o Monte Tecla a servir de farol.

Indiferente aos nossos passos, um belíssimo sardão aproveitava o sol para se aquecer.

A praia de Moledo foi a última fotografia que tirei antes de chegar, por fim, ao hostel em Caminha, onde pernoitei. Um caso de caminha, em Caminha!


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