quinta-feira, 13 de junho de 2024


 XII - Caldas dos Reis - Iria

20/Setembro/2023


Uma etapa sem grande história, a não ser o facto da parte inicial ter toda sido finalmente feita debaixo de uma chuvinha pequenita, mas intensa, que me obrigou a vestir o impermeável e a tirar a capa de proteção da mochila pela primeira vez. 

Saí de novo muito cedo, ainda o sol não tinha nascido. Andar pelo início da manhã é tão mais agradável, para mais com a certeza do convite para o espetáculo do nascer do sol, embora desta vez o espetáculo fosse frouxo, culpa das nuvens baixas e da chuvita molha tolos.

O primeiro café da manhã tomei-o em Carracedo, onde parei também um pouco para fotografar a igreja que tinha uma curiosa escultura de uma bota, em madeira, assente num pedestal. 

Grande parte do caminho foi mais uma vez feito ao abrigo de grandes carvalhos e castanheiros, atravessando verdadeiros túneis de árvores atapetados de ouriços de castanhas, que continuei a recolher, apesar do peso extra que representavam... enchi os bolsos do impermeável de grossas castanhas que embora ainda não tivessem o sabor que lhes daria uns dias mais de sol, já davam para mordiscar com prazer e para, mais tarde, já em casa, assar.... olá, se davam....!

Com 14 km já corridos, parei de novo em Valga, para mais um pequeno descanso e nova chávena de reconfortante café.  O impermeável podia agora regressar à mochila, que a chuva tinha acabado.

Não posso deixar de pensar que o meu caminho foi "abençoado" pela falta de chuva. Dizem que a chuva abençoa bodas, logo será de suspeitar que também o faça para outros eventos, de igual forma... mas caminhar sem ter que lutar contra a chuva na cara, e escapar a ficar todo encharcado, conforme mais cedo ou mais tarde acontece, por muito impermeável e respirável seja a nossa roupa, é, sem dúvida, uma sorte. Em particular na Galiza, na segunda metade de Setembro, altura em que não é de todo de estranhar uns dias já bastante molhados.

Sem muito mais para contar, o ritmo certo e constante da minha passada levou-me até à entrada da ponte sobre o rio Ulla, em Pontecesures. Do outro lado, Padrón, por onde entrei pelo lado do parque de estacionamento ao lado do mercado, local onde há bem pouco havia estado, em dia de feira, a comprar um cento dos afamados e deliciosos pimentos que levam o nome da vila de Rosalia de Castro, o Camões da nação Galega.

Não resisti a entrar no mercado e dar uma olhadela às bancas que, no entanto, tinham pouca coisa, num dia de meio da semana e já com a hora algo avançada. 

Só podia entrar no alojamento mais à frente, em Iria Flávia, às 14h, pelo que ainda tinha uma ou duas horas de espera. 

Não obstante, podia alijar a carga no hostel, e lá deixar, para já, a mochila, conforme me tinha informado telefonicamente junto do responsável pelo mesmo.

Assim fiz, mas acabei por me esquecer da carteira na mochila, pelo que de nada me valeu o tempo que estive à espera até poder entrar e que aproveitei para ir aos correios despachar a cartita do dia.

Queria cancelar os selos com o matasellos do Caminho que tinha visto no sítio dos correos, mas a simpática senhora que me atendeu disse-me que estava em Madrid, já que tinham sido todos recolhidos para envio para a capital

Como queria cancelar os selos, pedi-lhe para o fazer com a marca do dia mas, por mais boa vontade que a senhora tivesse, a operação revelou-se um drama, já que não um , mas dois, carimbos estavam avariados (as almofadas de tinta saltavam) e quer eu, quer ela, acabámos os dois com os dedos todos negros de tinta, com as mãos a lembrar uma cabeça de choco....

Enfim, lá conseguimos, por fim, cancelar os selos e eu fiquei ainda por Padrón um pouco mais, a fazer tempo, para poder voltar ao hostel.

Assim que pude, instalei-me então e banhoca tomada (já não precisava de tratar da roupa, porque a  que tinha lavada chegava para o último dia), lá parti para o Eroski da Vila, onde comprei camarões já cozidos, fruta e algo para beber que levei para o parque à beira rio, onde me sentei a comer.

Findo o repasto voltei ao hostel para uma reconfortante soneca, aperitivo para a visita à Fundação Camilo José Cela, ali mesmo em frente, do outro lado da estrada.

Nada sabia do museu da fundação, na verdade nada sabia de Cela, a não ser que era um laureado Nobel, do qual não me lembrava de ter alguma vez lido obra que fosse.

Uma busca prévia na wikipedia alertou-me para a dimensão polémica do autor, que entre outras coisas na vida, foi censor e apaniguado franquista, dimensões que encontro difíceis de justificar num autor que também ele próprio seria barrado de publicação por outros... censores e apaniguados franquistas....

Camilo José Cela, 1º Marquês de Iria Flávia, era neto do introdutor do caminho de ferro na Galiza, com uma primeira Linha entre santiago e Carril (Pontevedra), e esta ascendência conduziu à preservação de uma belíssima locomotiva original que, nos jardins fundação, brilha no esplendor de um imaculado restauro, enquanto duas outras mais modernas, aguardam a um canto do grande relvado idêntico tratamento.

O museu, para além dos objetos pessoais, edições múltiplas da obra, prémios recebidos,  guarda um curioso escaparate que alberga várias dezenas de garrafas de vários tipos de bebidas, todas vazias de líquido, mas cheias até ao gargalo de recordações e histórias que só elas saberão contar.

Camilo era um bom copo, parece. E tinha muitos amigos. Bons copos como ele. 

Cada vez que um em sua casa aparecia, trazia uma garrafa, para diluir a conversa, como natural e recomendável em longas sabatinas entre pessoas que compartem mais que um mero e passageiro conhecimento mútuo.

Esvaziada a garrafa, esta era assinada, até decorada, por vezes, se o ofertante tivesse dessa inclinações, e Camilo juntava-a à sua crescente coleção.

Hemingway, Picasso, Tzara e outros de que agora me não lembro,... quem não gostaria de ter bebido um copo com tão insignes nomes...

No fim da minha visita, outra surpresa me aguardava ainda. Lúcia, a imensamente simpática senhora que naquele dia oficiava a receção do museu, chamou-me e disse-me "Tenho um presente para lhe dar" e, debaixo do balcão tirou um exemplar de "A Colmeia" em português, que carimbou na primeira página com carimbo da fundação, que lhe pedi também para deixar no meu caderno que lhe motivou um simpático comentário de apreciação. Um sucesso, este meu caderninho.

Sai da Fundação com a certeza de ter passado um excelente e preenchido pedaço do dia, mas também com mais algumas gramas para somar às castanhas que já levava... enfim, coisa de pouca monta, já só faltava um dia....

Regressei ao albergue,  preenchi a página do dia no caderno de que me sentia tão orgulhoso e preparei um rápido jantar de atum e macedónia enlatados, findo o que partilhei umas talhadas de melancia com as duas moças alemãs que comigo tinham também estado em Vigo e que aqui encontrei aqui de novo.

Amanhã era o dia... estava quase!




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A igreja de Carracedo e a sua bota


Podia ser eu, mas só se fosse de calças compridas, que só vestia calções quando já não estava a caminhar....

Será preciso dizer alguma coisa?









A ponte em Pontecesures

D. Camilo, é omnipresente entre Padrón e Iria Flavia. 

Tal como os muitos caminhantes que percorrem esta estrada

Engraçadas estas caixas de correio que se encontram por vezes em Espanha.

Padrón 

A primeira locomotiva a circular na Galiza?


Cela repousa aqui, à sombra de uma velha Oliveira.

















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